ACR – 14144/CE – 0008726-43.2014.4.05.8100

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO DAS DEFESAS. ART. 90 E ART. 96, I, DA LEI 8.666/90. PENAS APLICADAS DE 02 E 03 ANOS, RESPECTIVAMENTE. PRESCRIÇÃO. OCORRÊNCIA EM RELAÇÃO À PENA DE 02 ANOS. PENA DE 03 ANOS REMANESCENTES. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. PRESENÇA DE PROVAS SUFICIENTES DA MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS. CONDENAÇÃO MANTIDA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVAS DE DIREITOS. POSSIBILIDADE EM FACE DA PRESCRIÇÃO DA PENA DE 02 ANOS. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Trata-se de apelações interpostas pela DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO em defesa de FRANCISCO IVAN e JOÃO FRANCISCO, bem como pela defesa constituída por FRANCISCO GEFFERSON, todas em face de sentença proferida pelo juízo da 11ª Vara Federal do Ceará. 2. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, ofertou denúncia em desfavor de FRANCISCO GEFFERSON, FRANCISCO IVAN, JOÃO FRANCISCO e MARLY - em relação à qual o feito foi posteriormente desmembrado -, imputando-lhes, resumidamente, as seguintes condutas: A) No pregão Presencial 2008.01.03.01, realizado no dia 17/01/2008 - mediante o qual o Município de Cascavel/CE pretendia adquirir material de expediente, limpeza e higiene destinados às escolas de ensino fundamental com recursos do FUNDEF -, a empresa SILVA MONTEIRO E CIA LTDA. (cujo administrador era FRANCISCO GEFFERSON) teria sido a vencedora. B) No aludido certame, além da empresa vencedora (de propriedade de FRANCISCO GEFFERSON, como dito), teriam participado ainda as empresas COMERCIAL IVAN - FCO IVAN SOUSA MENDES EPP (cujo administrador era FRANCISCO IVAN e JOÃO FRANCISCO), TATIANE FELIPE XAVIER ME (cuja administradora era Tatiane Felipe Xavier) e a COMERCIAL MERLIN (de propriedade de MARLY). C) No decorrer dos repasses e consequentes aquisições, em face de suspeita de superfaturamento de preços (art. 96, I, da Lei de Licitações) e de fraude/frustração ao caráter competitivo de licitação (art. 90 da Lei de Licitações), a GCU iniciou fiscalização. D) Ao fim, consoante se inferiu de relatório da CGU e de laudo realizado pelo SETEC/SR/DPF/CE - que cuidaram de apurar tudo o que fora encontrado -, restou evidenciado, de fato, superfaturamento dos produtos ofertados pelas empresas de FRANISCO IVAN e JOÃO FRANCISCO, bem como pela empresa de FRANCISCO GEFFERSON, que estavam "pelo menos R$ 37.545,30 acima da média dos preços pesquisados no mercado, representando um sobrepreço de 37% (...)". E) Além do sobrepreço, foram constatadas irregularidades e vícios que demonstraram fraude ao caráter competitivo do certame, como, por exemplo, a expedição de certidões em pregões presenciais na mesma data e em horário bem próximos envolvendo as empresas dos acusados, o que sinalizaria para a emissão realizada pela mesma pessoa, apontando evidente contato entre os réus e "confusão" entre as empresas e seus "donos". 3. Diante de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria, o MPF ofereceu a denúncia, considerando a ocorrência dos delitos previstos no art. 96, I, da Lei de Licitações, bem como no art. 90 da Lei de Licitações. 4. A peça acusatória foi recebida em 24/11/2014. 5. Após a merecida instrução processual penal, o juízo, mediante sentença, julgou: A) PROCEDENTE a pretensão punitiva para condenar FRANCISCO GEFFERSON pelo cometimento dos crimes previstos no art. 90 e art. 96, I, ambos da Lei de Licitações, às penas privativas de liberdade de 02 e 03 anos de detenção, respectivamente, as quais, em face do concurso material, teriam computado, em soma, 05 anos de detenção, além de multa. B) PARCIALMENTE PROCEDENTE a pretensão punitiva par absolver FRANCISCO IVAN e JOÃO FRANCISCO pelo crime previsto no art. 96, I da Lei de Licitações e, por outro lado, condená-los pelo cometimento do crime previsto no art. 90 da Lei de Licitações às penas individuais de 02 anos de detenção, além de multa. 6. Irresignada, a DPU apresentou apelo em nome de FRANCISCO IVAN e JOÃO MENDES. Na ocasião, sustentou, resumidamente, que: 1) teria ocorrido a prescrição da pretensão punitiva na modalidade retroativa na medida em que entre a data dos fatos (17/01/2008) e a do recebimento da denúncia (24/11/2014) teria decorrido lapso hábil a fulminar a pena aplicada aos dois acusados, que havia sido de 02 anos; 2) subsidiariamente, requereu a absolvição dos acusados sustentando a ausência de provas suficientes da autoria delitiva e do dolo a ela inerente. 7. Contrarrazões apresentadas pelo MPF, acatando a tese de ocorrência da prescrição em favor de FRANCISCO IVAN e JOÃO MENDES. 8. Também inconformada, a defesa constituída por FRANCISCO GEFFERSON intentou apelo. Como escopo, sustentou, em resumo: 1) a nulidade da sentença em face de ausência de fundamentação, o que contrariaria o art. 93, IX, da CF; 2) a inépcia da denúncia; 3) a falta de provas suficientes para a condenação; bem como 4) a readequação "da dosimetria da pena, alterando, para tanto, seu regime prisional." 9. Por se tratar de matéria de ordem pública que, inclusive, caso reconhecida, inibirá a apreciação de outras, comecemos pela análise da tese de ocorrência da prescrição. 10. Os fatos delituosos remontam aos idos de 2008, ou seja, foram perpetrados antes das alterações legislativas atinentes à prescrição (de 2010), inclusive daquela que extirpou a possibilidade de se ter como marco inicial de contagem a data do fato havido como crime. 11. As penas aplicadas a todos os apelantes - FRANCISCO GEFFERSON, FRANCISCO IVAN e JOÃO FRANCISCO -, no caso em concreto, em virtude do cometimento do delito previsto no art. 90 da Lei de Licitações foram de 02 anos de detenção. 12. As penas de 02 anos, por seu turno, prescrevem em 04 anos (inciso V do art. 109 do CPB). 13. O fato delituoso ocorreu em 17/01/2008. 14. A denúncia foi recebida em 24/11/2014. 15. Entre os fatos e o recebimento da denúncia, marcos inicial e final de contagem da prescrição, decorreram mais de 04 anos, lapso apto a fulminar a pretensão punitiva, sendo imperiosa a declaração da extinção de punibilidade em relação ao delito previsto no art. 90 da Lei de Licitações, pelo qual foram condenados os três apelantes. 16. Por tal razão, não mais subsiste interesse jurídico na análise dos demais argumentos sustentados pelas apelações em face de tal delito, seja em relação a FRANCISCO IVAN, seja em relação a JOÃO FRACISCO, seja em relação a FRANCISCO GEFFERSON. 17. Em suma, portanto, serão analisados tão somente os argumentos do apelo intentado pela defesa constituída por FRANCISCO GEFFERSON que não tenham correlação com o cometimento do crime previsto no art. 90 (cuja pena restou prescrita), mas tão somente em relação ao art. 96, I, da Lei de Licitações (frustrar/fraudar caráter competitivo de licitação), o que será feito de maneira compartimentada. 18. FRANCISCO GEFFERSON fora condenado à pena privativa de liberdade de 03 anos de detenção, além de multa, em virtude do cometimento do crime previsto no art. 96, I da Lei 8.666/90, pena esta que, diversamente da outra, não fora fulminada pelo advento da prescrição. 19. Para afastar a tese esculpida - no sentido de que a sentença padeceria de fundamentação -, basta voltar o olhar ao ato guerreado que, de maneira longa e completa, cuidou de alinhavar todas as provas que desembocaram no arremate da condenação. 20. O juízo fundamentou, com clareza e baseado em provas documentais - relatório da CGU, laudo da polícia federal, etc. -, testemunhais e mesmo nas declarações do próprio FRANCISCO GEFFERSON, que houve aumento arbitrário dos preços (sobrepreço) no certamente analisado, sendo tal apelante o responsável pela empresa beneficiária e, consequentemente, pelo cometimento do delito previsto no art. 96, I, da Lei 8.666/90. 21. A fundamentação foi alinhavada às provas dos autos e minuciosa quando tratou das razões do convencimento acerca da materialidade e autoria delitivas. 22. E não se venha defender que o réu fora condenado apenas por ser o responsável pela empresa, o que configuraria a vedada responsabilidade objetiva. Para afastar a tese, basta ver que o próprio réu admitiu praticar preço acima do mercado ao argumento de que o ente público pagava parceladamente, argumento que não convence, tampouco retira de sua conduta a tipicidade, antijuridicidade e/ou culpabilidade. 23. Na realidade, o panorama inteiro descortinado não deixa dúvidas: havia sim conluio entre as empresas representadas pelos três acusados que, conforme todas as provas sinaladas na sentença, revezavam-se nos certames, logrando-se, a cada "rodada", uma delas como vencedora. 24. Em virtude desse verdadeiro esquema engendrado, a prática de preços acima do mercado era o alvo, já que, como se sabe, os valores alterados são divididos entre os participantes, de modo que todos saiam sempre ganhando em detrimento do erário. 25. Em suma, não há que se falar em ausência de fundamentação, tampouco em falta de provas para a condenação de FRANCISCO GEFFERSON pelo delito previsto no art. 96, I, da Lei 8.666/90. 26. Quanto à tese de inépcia da denúncia, também não merece abraço. Nesse sentido, basta rever a peça acusatória devidamente formulada pelo MPF. Na ocasião, houve a perfeita descrição dos fatos atribuídos aos acusados, viabilizando, pela mesma via, a defesa plena. Preenchendo, a denúncia, os requisitos do art. 41 do CPP, não observando nos autos nenhuma das hipóteses de rejeição listadas no art. 395 do mesmo diploma legal e diante de indícios de materialidade e autoria delitiva, deveria mesmo ser recebida a peça acusatória. Desta forma, não há que se falar em inépcia da denúncia. 27. Quanto à presença de provas da autoria e materialidade delitiva, já foram tecidas as merecidas considerações em item anterior. De toda sorte, não custa resumir que o soprepreço (materialidade delitiva atinente ao art. 96, I, da Lei 8.666/90) restou demonstrado pelo Relatório da CGU, pelo Laudo Pericial realizado pelo DPF e pelas próprias declarações de FRANCISCO GEFFERSON, que admitiu ter atribuído aos materiais preços acima do mercado. 28. Do mesmo modo, a autoria também restou evidenciada, seja porque o réu admitiu ser o único responsável pela empresa, seja porque assumiu a própria prática de sobrepreço. 29. Quanto à dosimetria, a defesa sequer apontou o motivo e/ou necessidade de sua revisão, limitando-se a requerê-la. Ainda assim, em homenagem aos princípios do contraditório e da ampla defesa, voltemos os olhos à sentença, máxime no trecho em que cominou a pena de 03 anos de detenção e multa ao acusado pela prática do delito previsto no art. 96, I, da Lei 8.666/90. 30. Antes, rememore-se que, embora a pena total aplicada tenha sido a de 05 anos (em face do concurso material), o fato é que, com a prescrição da pena de 02 anos, remanesceu apenas 03 anos a serem cumpridos pelo apelante, evento que, como será visto adiante, terá repercussão no presente julgado, máxime no que toca à possibilidade - originalmente inexistente - de substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos. 31. O juízo fixou a pena atinente ao crime previsto no art. 96, I, da Lei 8.666/90 no mínimo legal (03 anos) e assim a manteve em face da ausência de atenuantes/agravantes, causas de aumento/diminuição de pena. 32. Logo, não há, neste tópico, sequer interesse jurídico no recurso, já que a pena não poderia ser aplicada aquém do mínimo, máxime em virtude da ausência de causa de diminuição de pena. 33. Apesar disto - de a pena de 03 anos não ser alterada -, o fato é que, em virtude de a pena de 02 anos ter restado prescrita, na atualidade o apelante faz jus à substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito, sendo uma de prestação de serviços e outra de doação mensal, ambas pelo tempo de duração da pena. 34. Recursos parcialmente providos.

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