ACR – 14892/RN – 0000706-96.2015.4.05.8401

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO (ART. 171, § 3º, DO CP). SIMULAÇÃO DE RESCISÃO DO CONTRATO INDIVIDUAL DE TRABALHO. DEMISSÃO SEM JUSTA CAUSA. SAQUE INDEVIDO DOS DEPÓSITOS DO FTGS. COMPROVAÇÃO. PREJUÍZO. ATIPICIDADE MATERIAL DA CONDUTA. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA Nº 599 DO STJ. REPARAÇÃO DOS DANOS. AUSÊNCIA DE PEDIDO DO MPF. AFASTAMENTO. PARCIAL PROVIMENTO. 01. Apelações de FVP e RWG contra sentença que, julgando procedente a pretensão punitiva estatal, condenou: 1) FVP à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser em regime aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, além de 13 dias-multa no valor de 1/3 (um terço) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime previsto no art. 171, § 3º do CP; e 2) RWG à pena privativa de liberdade de 01 (um) ano e 04 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, substituída por uma pena restritiva de direitos, além de 13 dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente ao tempo do fato, pela prática do crime do art. 171, § 3º do CP. 02. A materialidade e autoria delitivas restaram fartamente comprovada nos autos. Conforme se extrai do acervo probatório (fls. 43/46 do IPL), os réus assinaram, em 01/08/2012, acordo de rescisão do contrato de trabalho então vigente entre RWG a pessoa jurídica Vipetro Construções e Montagens Petrolíferas LTDA, na qual ele exercia a função de soldador. Em tal acordo, restou consignado que o empregado renunciaria a inúmeros direitos, tais como o aviso prévio indenizado e a multa sobre o depósito do FGTS, prevendo-se, entretanto, que "para evitar que a dispensa seja colocada a pedido do EMPREGADO e propiciando a este o levantamento do FGTS, a rescisão constará como observação da rescisão contratual a dispensa sem justa causa" (destaques acrescidos). Diante disso, nos autos da Reclamação Trabalhista nº 100700-24.2012.5.21.0011, cujo objeto seriam os direitos decorrentes do contrato individual de trabalho em tela, o juízo sentenciante entendeu estar diante de lide simulada, porquanto a demissão sem justa causa teria sido forjada, não passando de fraude para obtenção do saldo do FGTS. 03. Razão não há para que se adote entendimento diverso do magistrado da Justiça do Trabalho, visto ser absolutamente inverossímil a tese, suscitada pela defesa, de que a rescisão se adequava à hipótese legal de rescisão sem justa causa, por iniciativa do empregador. De fato, foge à razoabilidade que RWG tenha aceitado emprego em outra empresa, sendo procurado exclusivamente pelo empregador para realizar a transação extrajudicial, justo no momento em que havia aceitado outra proposta de trabalho. Com efeito, conforme de depreende da prova testemunhal, o réu RWG procurou o acusado FVP a empresa a fim de firmar o acordo visando ao saque do saldo do FGTS e a percepção de outras vantagens decorrentes da demissão sem justa causa, os quais não seriam cabíveis, visto trata-se de rescisão a pedido do empregado (mídia digital de fl. 126). 04. A obtenção da vantagem indevida, além de incontroversa, comprova-se pela Comunicação de Movimentação do Trabalhador/FGTS, extraída do sítio eletrônico da CEF, e demais documentos que demonstram que o réu efetivamente sacou o saldo disponível (fls. 50 do IPL). Nesse sentido, entendo que não merece acolhida a alegação, suscitada pelos recorrentes, de inexistência de prejuízo à CEF, por tratar-se de mero agente operador do Fundo. Com efeito, esse gênero de condutas afeta higidez do FGTS e, consequentemente, a Administração Pública federal. Conforme leciona José Paulo Baltazar Júnior, "(...) a antecipação do momento do saque mediante meio fraudulento é suficiente para caracterizar o prejuízo a que se refere o art. 171 do CP" (BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Crimes federais. 8ª Ed. Porto Alegre: Livraria do advogado, 2012, pg. 83). Na mesma linha, é pacífica a jurisprudência deste TRF5 no sentido de que o saque indevido do FGTS configura obtenção de vantagem indevida em prejuízo da administração pública, conduta que se subsume, portanto, ao tipo penal do art. 171, § 3º, do CP. Precedentes: ACR nº 6889, Rel. Des. Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Primeira Turma, DJE: 17/03/2011; ACR 6395, Rel. Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Primeira Turma, DJE: 20/01/2011. Precedente do TRF4: ACR 2005.71.10.005131-7, Rel. Des. Federal GUILHERME BELTRAMI, TRF4 - Oitava Turma, DE: 10/02/2010. 05. Tampouco merece acolhida a alegação de atipicidade material da conduta formulada pelo réu RWG, em razão da pequena monta do prejuízo suportado. Conforme entendimento sumulado do STJ, "o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes contra a administração pública" (Súmula nº 599 - Corte Especial, DJe: 27/11/2017). 06. É evidente a presença de dolo específico, na medida em que houve acordo entre os recorrentes para que, na rescisão do contrato de trabalho, auferissem vantagens recíprocas: de um lado, a liberação para saque do FGTS e, de outro, o não adimplemento da multa de 40% e do aviso prévio indenizado (item 2 do acordo às fls. 23/45 do IPL). Toda essa união de esforços para prática do delito em comento configura a existência de dolo específico, exigido pelo tipo penal, na conduta dos apelantes. Portanto, restam fartamente comprovadas a materialidade e a autoria delitivas, a tipicidade formal e material das condutas imputadas, bem como o dolo na conduta dos agentes, devendo-se manter a condenação em todos os seus termos. 07. Quanto à indenização do art. 387, IV, do CPP, entende-se que o juiz poderá fixar valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, desde que o crime tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 e o MPF tenha pedido expressamente a reparação (TRF5, ACR 00001271120164058500/SE, Primeira turma, Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 10/07/2018; TRF5, ACR15409/AL, Primeira turma, Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, publicado no DJE 04/07/2018; STJ, AgRg no HC 319.241/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 01/12/2017). Todavia, na hipótese em tela, verifica-se que o MPF não formulou o pedido na exordial. Assim, a fixação desse valor na sentença, sem que tenha sido disponibilizado o contraditório e a ampla defesa, constitui afronta a esses princípios caros ao processo penal, motivo pelo qual afasta-se a referida indenização, dando provimento aos apelos nesse ponto. 08. Apelações parcialmente providas, apenas para afastar a fixação da indenização mínima prevista no art. 387, IV, do CPP.

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