ACR – 14944/PE – 0002168-03.2015.4.05.8300

RELATOR: DESEMBARGADOR RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO -  

PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, I, C/C 12, I, DA LEI Nº 8.137/90) E LAVAGEM DE CAPITAIS (ART. 1º, CAPUT, VI E § 4º, DA LEI Nº 9.613/98). PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA EM RELAÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DO CRIME TRIBUTÁRIO. DEMONSTRAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. AJUSTE. 1. Apelante condenado pelos crimes tipificados nos arts. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90 e 1º, caput, VI e § 4º, da Lei nº 9.613/98 às penas de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa (delito tributário) e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 220 dias-multa pelo crime de lavagem de capitais. 2. Segundo a denúncia, no ano-calendário de 1998, o recorrente de maneira consciente e voluntária teria suprimido tributos relativos à vultosa movimentação financeira da empresa C. T. M. LTDA., omitindo informações as autoridades fazendárias.  Teria, também,  ocultado valores provenientes de crimes praticados contra o sistema financeiro nacional, valendo-se, justamente, dessa pessoa jurídica e de outra, a empresa A. A. V. LTDA. 3. No que se refere ao crime previsto pelo art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98, forçoso é o reconhecimento da extinção da punibilidade do sentenciado, mercê da prescrição retroativa da pretensão punitiva. 4. Não se aplica aos crimes cometidos antes de sua vigência a novel redação do § 1º do artigo 110 do CP, dada pela Lei n. 12.234/2010, por conferir tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. Inteligência do artigo 5º, inciso XL, da CF/88 (a lei penal não retroagirá, senão para beneficiar o réu). 5. Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, e tendo sido aplicada ao réu a pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ter-se-á por prescrita a pretensão punitiva do Estado, se decorridos 12 (doze) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, o que ocorreu na espécie em se tratando do crime de lavagem de capitais. 6. Hipótese em que os fatos datam de 1998 e a denúncia só veio a ser recebida em 28 de fevereiro de 2011, mais de 12 (doze) anos após o início da contagem do lapso prescricional. Extinção da punibilidade declarada. 7. Com relação ao crime tributário não há que se falar em prescrição, uma vez que a constituição definitiva do crédito tributário apenas ocorreu em janeiro de 2005, ao passo que a exordial fora recebida em fevereiro de 2011. 8. Hipótese em que não configurado o bis in idem alegado pelo apelante, eis que a outra ação penal proposta em seu desfavor, além de  não versar sobre crimes contra a ordem tributária, compreende período distinto daquele de que se ocupam os presente autos. Ou seja, os fatos tratados no presente processo correspondem ao ano-calendário de 1998, enquanto aqueles discutidos na outra ação penal tiveram lugar no ano-calendário de 1999. 9. Conquanto se sustente ser atípica a conduta do sentenciado, já que na qualidade de gerente (empregado) não teria qualquer poder decisório sobre a administração da empresa, irretorquível é a prova de que era o responsável pela gestão da C. T. M. LTDA., que funcionava como empresa fictícia, constituída por dois sócios "laranjas" em beneficio do recorrente, o qual, na realidade, era o verdadeiro administrador da pessoa jurídica em questão. Essa empresa atuava única e exclusivamente para dar aparência de legitimidade aos numerários recebidos pela A. A. V. LTDA. 10. Os vetores considerados pelo juízo na fixação da pena-base refletem circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal pelo qual condenado o recorrente ou dizem respeito a fatos que não justificam a elevação da reprimenda. 11. Em relação ao vetor "culpabilidade", o modus operandi ao qual a sentença se refere (emprego de 2 empresas e interpostas pessoas), para realizar o incremento na pena-base, realmente justifica maior censura social sobre conduta pela qual restou condenado, de vez que crimes dessa natureza não precisam de todo esse aparato para ser cometidos. Assim, o caso concreto revelou considerável sofisticação e engenho na empreitada delitiva levada a efeito pelo sentenciado, a ensejar o aumento. 12. Não é pertinente a majoração quanto ao vetor  "personalidade" do agente quando o réu limita-se a negar os fatos centrais em seu interrogatório, apresentando somente justificativas e teses que, por inverossímeis, sequer são acolhidas, de modo que sua explanação não transcende o seu direito de defesa. 13. Quanto às "circunstâncias do crime", entendeu o magistrado a quo que o fato de o réu "ter criado uma pessoa jurídica de fachada justamente para lavar o dinheiro oriundo das operações escusas de outras, o que envolveu várias operações comerciais, empresariais, econômicas, dentre outras" mereceria maior censura social. Teve presente, porém, o delito de lavagem de capitais, cuja punibilidade está prescrita. Assim, não se sustenta a negativação para o crime tributário. 14. Finalmente, quanto ao vetor "comportamento da vítima", entendeu o magistrado a quo que o "sistema financeiro nacional e a União, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta do réu". É sabido, porém, que, nas situações em que a vítima se mantém inerte ou mesmo atua de forma a não prejudicar a empreitada criminosa, não é possível aumentar a pena-base com fundamento em seu comportamento, devendo tal circunstância ser considerada neutra, conforme entendimento pacífico do col. STJ. 15. Redução da pena-base privativa de liberdade 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. À míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes e de causas de diminuição, incide tão somente a causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, cuja majoração, no patamar de 2/5 (dois quintos), merece ser mantida, em razão da vultosa quantia sonegada (superior a vinte milhões de reais, nos termos dos autos de infração que renderam ensejo à representação fiscal para fins penais). Pena privativa de liberdade fixada, definitivamente, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 16. Redução da pena de multa ao quantitativo de 90 (noventa) dias-multa, mantido o valor individual fixado na sentença (1/2 do salário mínimo vigente na época do crime), a fim de compatibilizá-la à pena privativa de liberdade ora imposta. 17. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, na forma estabelecida do artigo 44, § 2º do Código Penal, consistente na prestação de serviços comunidade em entidade a ser definida pelo juízo da execução e prestação pecuniária no valor da pena de multa já fixada. 18. No que diz respeito à  indenização prevista no o art. 387, IV, do CPP, constata-se que tal pleito não consta da exordial, de sorte que essa parte da condenação caracteriza ofensa aos princípios constitucionais do contraditório da ampla defesa, nos termos de pacífica jurisprudência desta corte. 19. Provimento, em parte, do apelo, para afastar-se a condenação pelo crime de lavagem de capitais, em face da extinção da punibilidade pela prescrição e reduzir-se as penas fixadas pelo crime de contra a ordem tributária.

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