RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTELIONATO MAJORADO (ART. 171, § 3º, DO CP). CHEQUE CLONADO. PREJUÍZO PARA A CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. AUTORIA DELITIVA. COMPROVAÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. MAJORANTE. CEF. APLICAÇÃO. IMPROVIMENTO. 1. Apelação interposta pela defesa contra sentença que, julgando procedente a denúncia, condenou o réu (pela prática dos crimes previstos no art. 171, § 3º, c/c art. 29, ambos do CP) à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 13 (treze) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 2. Razão não assiste à defesa quanto à ausência de comprovação da participação no delito. O CPP elenca vários meios de prova capazes de conduzir à demonstração do fato delituoso, da autoria e da coparticipação respectivas, a saber: a confissão, a perícia, os documentos, as testemunhas e os indícios, dentre outros. No processo penal, dí-lo a doutrina mais autorizada, todas as provas têm valor relativo, de tal sorte que tudo que for útil a demonstrar fato ou circunstâncias relevantes para a decisão é permitido à acusação e à defesa. Tem esse mesmo valor, ressalte-se, a prova indiciária. É certo que os indícios não provam o fato delituoso, mas apenas as circunstâncias que o rodeiam, por isso que, isolados, não podem justificar qualquer juízo condenatório. Mas, gozando do mesmo status, a prova indiciária da co-participação, quando robusta e concordante, constitui base suficiente para a condenação, desde que, submetida a uma análise crítica (e somada à absoluta falta de verossimilhança da versão dos fatos apresentada pela defesa), produza um todo coerente, capaz de incutir no ânimo do julgador a certeza de sua efetiva participação na trama criminosa (Cfr. DELLEPIANE, Antonio. Nova Teoria da Prova. Editora José Konfino, pág. 98, apud Da Prova Indiciária no Processo Penal - Antonio Felipe da Silva Neves, Ed. Liber Juris, 1986, pág. 50). 3. No caso dos autos, são inúmeros os elementos probatórios que levam à conclusão de que o apelante, no mínimo, participou da conduta delitiva. Primeiramente, o modus operandi indica uma reiteração de fraudes no mesmo período, com o depósito de diversos cheques adulterados na conta-corrente nº 0606812-0 do Banco Bradesco, Agência nº 1234, de titularidade do acusado, no mês de outubro de 2011 (fls. 89/91 do IPL). Conforme apontou o juízo originário, três depósitos foram efetuados na conta bancária do réu, no dia 26/10/2011, nos valores de R$ 1.480,00 (mil quatrocentos e oitenta reais), R$ 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta reais) e R$ 1.448,00 (mil quatrocentos e quarenta e oito reais), sendo devolvidos, em seguida, alguns valores referentes aos cheques clonados, os quais perfaziam R$ 1.350,00 (mil trezentos e cinquenta reais), R$ 490,00 (quatrocentos e noventa reais), R$ 390,00 (trezentos e noventa reais), R$ 450,00 (quatrocentos e cinquenta reais) e R$ 198,00 (cento e noventa e oito reais), restando um total de R$1.400,00 (mil e quatrocentos reais), no qual constavam os R$ 600,00 oriundos da CEF. Esse numerário foi retirado por meio de dois saques (de R$ 800,00 e R$ 200,00) e uma transferência no valor de R$ 350,00 (trezentos e cinquenta reais) para o Sr. João Paulo Alves de Sousa, fatos ocorridos em 28/10/2011, e pequenos débitos posteriores (cfr. Sentença - fl. 127 e fls. 89/91 do IPL). Verifica-se, portanto, que a conta-corrente de titularidade do acusado continuou a ser utilizada regularmente após o depósito dos cheques clonados, restando a questão de saber quem teria feito a gestão da referida conta a partir então. 3. Não foge à razoabilidade presumir que a única pessoa apta a movimentar a conta seja o seu próprio titular; presunção esta, entretanto, que admite prova em contrário. Todavia, vê-se que a versão apresentada pela defesa (de que um terceiro desconhecido teria se apropriado da CNH, RG e cartão do banco perdidos pelo réu, conforme ele asseverou em seu depoimento na fase inquisitiva - fl. 104 do IPL, e passado a usurpar os seus dados bancários) é completamente inverossímil. A uma, porque não consta que um terceiro tenha tido acesso às senhas bancárias, sem as quais seria impossível realizar os saques e transferências com o cartão extraviado; a duas, porque é razoável esperar, se verdadeira essa afirmação, que o acusado tivesse procedido à conduta habitual de bloquear a conta bancária logo após a perda do cartão, o que não foi feito. Além do mais, verifico que o réu, como bem afirmou o magistrado a quo, não apresentou o Boletim de Ocorrência que disse ter registrado após o extravio, o que enfraquece ainda mais a tese defensiva. 4. Também não procede a alegação da defesa de que "o réu nem mesmo acessava ou movimentava a conta bancária desde 2011" (fl. 146), porque, além de não ter juntado nenhum documento comprobatório do suposto "abandono" da conta, o que seria ônus da defesa (art. 156 do CPP), esse foi o próprio ano da prática da fraude, cometida em outubro de 2011. Considerando, ainda que a conta era bastante recente à época do delito, tendo sido aberta em maio de 2010 (fls. 92/95 do IPL), é ainda mais improvável a tese de que ela havia sido negligenciada pelo réu. 5. Não se perca de vista que o réu efetivamente movimentou a conta após o ingresso de todo o numerário obtido através das fraudes, sendo, portanto, o principal destinatário do produto do crime. Desse modo, é irretorquível a conclusão, adotada pelo magistrado a quo, segundo a qual, embora não haja nos autos comprovação de que o réu tenha sido o autor direto do crime (considerando, sobretudo, que o "Parecer dos caixas - análise documentoscópica", de fl. 70 do IPL, indicava que a assinatura do cheque conferia com a original, não sendo, portanto, da lavra do réu), restou comprovada, ao menos, a sua participação no delito em análise. 6. No que se refere à tipicidade material do fato, também não merece reparo a sentença vergastada porque, conforme entendimento pacificado do STJ, o princípio da insignificância é inaplicável aos crimes de estelionato praticados contra a Administração Pública, diante do alto grau de reprovabilidade desse gênero de conduta. Precedentes: AgRg no REsp 1335363, Rel. Min. JORGE MUSSI, STJ - Quinta Turma, DJe 25/03/2015; RHC 61931 / RS, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, STJ - Quinta Turma, DJe 15/02/2016. Por essa razão, já decidiu este TRF5 ser impossível a "aplicação do Princípio da Insignificância nos casos em que o patrimônio público é atingido, de acordo com o entendimento do eg. Superior Tribunal de Justiça, porque se busca resguardar não somente o aspecto patrimonial, mas a moral administrativa" (ACR 13843, Des. Federal Cid Marconi, TRF5 - Terceira Turma, DJE: 29/08/2016). Além disso, observo que o valor total do prejuízo suportado pela CEF (R$ 600,00) foi superior ao valor do salário mínimo vigente à época dos fatos (R$ 545,00), não havendo que se falar, portanto, em aplicação do princípio da insignificância ao caso. Precedente deste TRF5: ACR 14401, Desembargador Federal Manuel Maia, TRF5 - Quarta Turma, DJE: 27/03/2017. 7. Por fim, Também não merece guarida a tese de que a majorante do art. 171, § 3º, do CP não deve ser aplicada ao caso, sob a alegação de que a Caixa Econômica Federal seria entidade de direito privado, não podendo ser equiparada a "instituto de economia popular, assistência social ou beneficência" na prática de suas atividades comerciais. O Pleno deste TRF5 já fixou o entendimento de que deve incidir a referida causa de aumento sempre que a prática do estelionato resultar prejuízo à CEF, prejudicando, ainda que indiretamente, o suporte à economia popular e os programas sociais patrocinados pelo referido banco público: "não obstante as diversas operações financeiras levadas a efeito pela CEF, esta se trata de uma entidade pública federal voltada à prestação de serviços essenciais à sociedade, com suporte à economia popular" (ENUL126/CE, Rel. Des. Federal VLADIMIR CARVALHO, Pleno, DJE 28/09/2017). 8. Apelação improvida.
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