ACR – 15154/PB – 0009570-23.2010.4.05.8200

RELATOR: DESEMBARGADOR  EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÕES CRIMINAIS INTERPOSTAS PELA DEFESA E PELO MPF. CRIMES OCORRIDOS NA EXECUÇÃO DE CONVÊNIOS ENTRE ENTIDADES FEDERAIS E O MUNICÍPIO DE JOÃO PESSOA/PB. PRELIMINARES: QUEBRA DA CADEIA DE CUSTÓDIA. CERCEAMENTO DE DEFESA. NULIDADE DA INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. OFENSA AO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. JULGAMENTO EXTRA PETITA. AFASTAMENTO. MANUTENÇÃO DA IMPUTAÇÃO NA CONDUTA DESCRITA NO ART. 92 DA LEI 8.666/93. ASÊNCIA DE ELEMENTOS PARA A CONFIGURAÇÃO DO TIPO PREVISTO NO ART. 89 DA LEI 8.666/90. SUPERFATURAMENTO DAS OBRAS NÃO CONFIGURADO. EMENDATIO LIBELLI. CRIME DE CORRUPÇÃO ATIVA. AUSÊNCIA DE PROVA. ABSOLVIÇÃO. PROVIMENTO DO APELO DA DEFESA. APELAÇÃO DO MPF NÃO PROVIDA. 1. Cuida-se de apelações interpostas pelo Ministério Público Federal e por M.J.Q.M., em face de sentença que, após aplicar a ementatio libelli e concluir pela não configuração de superfaturamento nas obras, condenou o ora apelante pelo crime de corrupção ativa (CP, art. 333), absolvendo os demais denunciados pelos crimes de formação de quadrilha, contratação com indevida dispensa de licitação e fraudes licitatórias, supostamente ocorridas no âmbito do Município de João Pessoa/PB. Ainda por ocasião da sentença, restou consignado que, as condutas consistentes na participação do ora apelante nas cessões dos contratos, aliada à falta de licitação para execução das obras, justificaria a configuração do tipo do art. 92 da Lei 8.666/93, o que teve, por consequência, a extinção da punibilidade pela prescrição, considerada a pena em abstrato (art. 107, IV do CP). 2. A presente ação penal é resultado do desmembramento de feito em que foram denunciadas 37 (trinta e sete) pessoas, sendo que, nestes autos, foram mantidos, apenas, uma parte dos representantes das empresas que cederam e/ou receberam as obras mediante cessão e as executaram. Segundo o relato constante da denúncia, o ex-Prefeito do Município de João Pessoa/PB, com o intuito de burlar a exigência de licitação, teria determinado a seus Secretários o aproveitamento de certames ocorridos nos anos de 1990 e 1991, para efeito de possibilitar a execução de convênios e contratos de repasse com a União, realizados anos depois. Na oportunidade, os antigos contratos seriam cedidos pelas empresas vencedoras das antigas concorrências em favor de empresas indicadas pelo então Prefeito, a fim de que executassem as obras. Ainda conforme a inicial acusatória, a execução do objeto do convênio ou contrato de repasse se dava com a celebração, pelos Secretários Municipais, juntamente com as empresas beneficiárias da cessão, de Termos Aditivos ao Termo de Cessão. Na ocasião, seriam realizados ajustes nos valores inicialmente previstos, com modificação do objeto contratual, superfaturamento dos valores dos serviços, das obras e dos materiais, sendo que cabia aos fiscais da Prefeitura realizar medições, atestando, falsamente, a realização de determinados serviços e obras, tudo com o fim de desviar os recursos federais repassados à Prefeitura. 3. Em suas razões recursais, pugna o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pelo afastamento da prescrição, sob o argumento de que estaria configurado crime previsto no art. 89, caput e parágrafo único da Lei nº 8.666/93, na medida em que a realidade teria evidenciado a ocorrência de contratações diretas, escondidas sobre uma licitação e uma posterior contratação sem objeto. Bem assim, pretende o reconhecimento do superfaturamento dos Contratos de Repasse nº 0135. 887-69/01 e nº 0132. 872-25/01, com condenação dos réus pelo crime do art. 1º, inciso I, segunda parte, do Decreto-lei 201/67. 4. Por sua vez, o réu M.J.Q.M., em seu recurso, defende, a título de preliminares: (i) necessidade de reabertura do prazo para eventual complementação das razões da apelação, em razão da existência de folhas faltantes nos anexos do processo; (ii) nulidade em razão da violação ao devido processo legal, da ampla defesa e do princípio da paridade de armas, quebra da cadeia de custódia da prova; (iii) nulidade das interceptações das comunicações telefônicas, pela ausência de manifestação do Ministério Público a respeito dos requerimento de quebra de sigilo formulado pela Polícia Federal; (iv) nulidade do julgamento (extra petita), por ofensa ao princípio da congruência ou da correlação, ante a impossibilidade de uma condenação por crime diverso do relatado na denúncia. No mérito, requereu a absolvição quanto ao delito previsto no art. 333, parágrafo único do CP, por ausência ade comprovação da materialidade do crime de corrupção e de sua autoria. 5. "A cadeia de custódia da prova consiste no caminho que deve ser percorrido pela prova até a sua análise pelo magistrado, sendo certo que qualquer interferência indevida durante esse trâmite processual pode resultar na sua imprestabilidade." (RHC 77.836/PA, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 05/02/2019). No entanto, a situação fática retratada na presente ação penal é absolutamente diversa e está relacionada a um problema (efetivamente ocorrido na digitalização e envio dos anexos do processo para esta instância. Na hipótese, não constam dos autos o inteiro teor dos pedidos apresentados e decisões proferidas no anexo relativo às interceptações telefônicas, os quais não chegaram a ser enviados fisicamente em razão da sua utilização em outras ações penais desmembradas. Em outras palavras, não houve omissão ou fragmentação quanto aos próprios áudios objeto das interceptações. 6. Não se identifica cerceamento do direito de defesa (violação aos princípios da ampla defesa, do contraditório, da paridade de armas e do devido processo legal), na medida em que o ora apelante sequer se animou a indicar, de forma precisa, qual seria a importância, dos referidos documentos (páginas de apensos), para fins recursais. Em verdade, após várias idas e vinda dos autos entre a primeira e a segunda instância, a última manifestação foi no sentido de que ainda faltariam algumas páginas de outros apensos, o que protelou a apresentação das razões recursais por mais de um ano. Dessa forma, em que pese se tenha identificado uma falha na digitalização e organização das peças processuais, não se a tem como relevante para efeito de acarretar prejuízo ao ora apelante, ao qual cabia, como atuação a concretizar a boafé processual, indicar tudo aquilo que ainda estava faltando nos autos. 7. Não acarreta nulidade a ausência de prévia oitiva do Ministério Público para as determinações de quebra de sigilo telefônico. O art. 3º, I, da Lei 9296/96, expressamente autoriza que o pedido seja realizado diretamente pela autoridade policial, restringindo-o ao curso da investigação criminal, como ocorreu no caso. Não há, na referida lei, nenhum dispositivo que obrigue, antes da prolação da decisão, a remessa da representação policial ao Ministério Público, tampouco que condicione o deferimento da medida à concordância do parquet. Precedente do STJ. 8. O princípio da congruência preconiza que o acusado se defende dos fatos descritos na denúncia, e não da capitulação jurídica nela estabelecida. Assim, para que esse princípio seja respeitado, é necessário apenas que haja a correlação entre o fato descrito na peça acusatória e o fato pelo qual o réu foi condenado, sendo irrelevante a menção expressa na denúncia de eventuais causas de aumento ou diminuição de pena. No caso, a questão que levou à conclusão pela configuração do delito de corrupção ativa foi narrada na denúncia, verbis: "Havia contabilidade paralela no escritório da COESA, pela qual se fazia controle dos percentuais incidentes sobre valores recebidos pelas obras e serviços, e que eram destinados à integrantes do esquema criminoso, tal como CÍCERO LUCENA ("Discípulo", "CL"), para qual há o lançamento de R$ 57.400,00 e "DC" (não identificado) para qual há lançamento de R$ 100.000,00. Pessoas com codinomes "Cunhado", "Dominó" e o próprio "Discípulo" recebiam, a título de "comissão", percentuais de 3%, 7% e 10%", não tendo a emendatio constituído, em si, violação à legislação, na medida em que ausente inovação fática. 9. Com relação ao crime licitatório, a jurisprudência deste Egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região caminha no sentido de que, o ilícito previsto no art. 89 da Lei 8666/93, somente é aplicável nos casos em que tenha sido instaurado procedimento formal e indevido de dispensa ou inexigibilidade de licitação, o que não ocorreu no caso. No caso, o que se teve foi o aproveitamento de certames ocorridos nos anos de 1990 e 1991, para efeito de viabilizar a execução de convênios e contratos de repasse com a União, realizados anos depois, por meio da cessão dos contratos pelas empresas vencedoras das antigas concorrências. 10. No tocante ao alegado superfaturamento das obras dos contratos de nº 0135.887-69/01 e 0132.872-25/01, mostrouse acertada a sentença ao concluir pela ausência de provas neste sentido, com absolvição dos acusados da prática do crime previsto no artigo I, inciso I, do Decreto-Lei 201/67. Isso porque, no cotejo entre os valores apurados pelas perícias realizadas pela CGU e pela Polícia Federal, foi possível verificar diversos itens com sobrepreço apenas para uma das perícias, enquanto a outra reconheceu que os valores estavam corretos, ou mesmo abaixo do preço de mercado, sendo a absolvição, no caso, uma expressão da aplicação do princípio "in dubio pro reu". 11. No concernente ao crime de corrupção ativa (art. 333 do código penal), não se identifica acervo probatório suficiente para autorizar um decreto condenatório. Em verdade, o que se tem são apenas documentos colhidos em sede de inquérito policial, sem comprovação de quem os produziu, estando ausentes, ademais, quaisquer outros elementos de prova consistentes e aptos a confirmar o conteúdo das inscrições constantes da planilha objeto de medida de busca e apreensão. Não houve confirmação em sede de interrogatório ou nos depoimentos das testemunhas ouvidas, cabendo salientar que, os diálogos objeto de interceptação telefônica, não trazem qualquer menção sobre recebimento de valores ilícitos. Bem assim, cabe salientar que, a quebra do sigilo bancário, igualmente não confirmou qualquer pagamento que pudesse ser tido como vantagem indevida. 12. Provimento da apelação do réu, para absolve-lo da condenação pelo delito de corrupção ativa. Desprovimento da apelação do MPF.

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