RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES PREVISTOS NO ARTS. 297, CAPUT, C/C ART. 71 - CONTINUIDADE DELITIVA -, ART. 298, CAPUT, ART. 313-A, C/C ART. 71 E ART. 69 - CONCURSO MATERIAL, TODOS, DO CÓDIGO PENAL. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO, FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO PARTICULAR E INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMAS DE INFORMAÇÃO. AUTORIA E MATERIALIDADE RECONHECIDAS. DOSIMETRIA DA PENA. REDIMENCIONAMENTO. CONSIDERAÇÃO DA CULPABILIDADE E AGRAVANTE GENÉRICA DO ART. 61, II, 'g'. BIS IN IDEM. CONFIGURAÇÃO. PENA DE MULTA. ART. 72 DO CÓDIGO PENAL. NÃO APLICAÇÃO EM CASO DE CRIME CONTINUADO. PRESCRIÇÃO RETROATIVA. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. ARTS. 109, INC. IV, 119, DO CÓDIGO PENAL. SÚMULA 497 DO STF. 1. Cuida-se de apelação interposta por ANDRÉ LUIZ TEIXEIRA DA SILVA em face de sentença que, julgando parcialmente procedente a pretensão punitiva estatal, o condenou à pena de: a) 7 (sete) anos, 9 (nove) meses e 10 (dez) dias de reclusão e 2.060 (dois mil e sessenta) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do delito previsto no art. 297, caput, c/c art. 71 - continuidade delitiva; b) 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 50 (cinquenta) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 298, caput, do Código Penal; e c) 8 (oito) anos e 9 (nove) meses de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 313-A c/c art. 71 do Código Penal; perfazendo, para os três crimes, em concurso material (art. 69 do CP), a condenação à pena de 20 (vinte) anos e 10 (dez) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime fechado, além de multa de 2.290 (dois mil, duzentos e noventa) dias-multa, no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos; bem como a ressarcimento, a título de reparação do dano, do valor correspondente à apuração do prejuízo suportado pela CEF, a ser liquidado e executado diretamente pela empresa pública. Além disso, sentença declarou extinta a punibilidade do delito previsto no art. 299 do CP para os réus CARLOS CAUBI URQUIZA e ANDRÉ LUIZ TEIXEIRA DA SILVA, ora apelante, absolvendo CARLOS CAUBI URQUIZA e DINAIR CAVALCANTE DE ALBUQUERQUE, com fundamento no art. 386, VII, do CPP. 2. Em suas razões recursais, sustentou o réu: a) prescrição retroativa quanto ao delito previsto no art. 298 do Código Penal; b) ausência de prova da autoria delitiva, uma vez que inexistiriam provas a atestar a falsificação dos DARF's e DECORE's, considerando que o DARF era preenchido de acordo com a DECORE respectiva, a qual era assinada pelo contador (réu) e pelo sócio da empresa, o que, do ponto de vista lógico, serviria a destituir o argumento de que o sócio não teria conhecimento de um suposto superfaturamento, do qual, inclusive, seria o único beneficiário; c) equívoco na tipificação no art. 313-A do Código Penal, vez que a suposta inserção de dados falsos no sistema da CEF representaria, tão-somente, burla aos cadastros bancários da empresa, não possuindo o condão de violar o banco de dados da Administração Pública, havendo o réu considerado, ademais, que a conduta tipificada no art. 313-A do Código Penal apenas poderia ser praticada por funcionário público, sendo necessária a desclassificação para o art. 171 do CP; d) aplicação do princípio da consunção, face à ausência de potencialidade lesiva no que tange à suposta incorreção de valores dos DARF's e DECORE's apresentados perante a CEF, porquanto a apresentação de documento falso configuraria apenas crime-meio para a obtenção de vantagem indevida, mostrando-se cabível a aplicação do enunciado nº 17 da Súmula do STJ; e) equívoco na dosimetria quanto à análise das circunstâncias judiciais, sendo devida a fixação da pena-base no mínimo legal; f) indevida aplicação da agravante prevista no art. 61, II, 'g' do CP. 3. Consoante fixado na sentença, o acusado, na condição de contador representante de várias empresas, falsificou documentos públicos e particulares, a exemplos de DARFs (Documento de Arrecadação Federal), DECORE (Declaração de Comprovação de Rendimentos) e atos constitutivos de empresas, com o intuito de inserir informações inverídicas nos sistemas de dados da Caixa Econômica Federal, por meio da atuação de MAIRA MARIA DIAS DA COSTA, empregada da aludida empresa pública, com o objetivo de obter vantagem indevida consistente na liberação de operação de financiamentos irregulares, de modo a impor à CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (fatos relativos a agosto de 2001 e julho de 2002), um prejuízo da ordem de R$ 201.472, 93 (duzentos e um mil, quatrocentos e setenta e dois reais e noventa e três centavos), em valores históricos relativos a janeiro de 2013 (fl. 22). Dessa forma, segundo a tese acolhida na douta sentença ora recorrida, o réu participou da conduta consistente em inserir dados falsos no Sistema de Risco de Crédito (SIRIC) - em conluio com a funcionária da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - sendo, ainda, o responsável pela fraude na comprovação de recolhimento de tributos (DARFs) e nas comprovações de rendas dos proponentes (DECOREs). 4. Considerada a descrição constante da denúncia (existência de conluio entre o ora réu e a funcionária da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, MAIRA MARIA DIAS DA COSTA), a qual teria inserido informações falsas em sistema de informação, sendo, inclusive, tal condição da corré de funcionária pública de conhecimento do réu ANDRÉ LUIZ TEXEIRA DA SILVA, se mostra absolutamente inviável o acolhimento da pretensão de desclassificação para o delito previsto no art. 171 do Código Penal. 5. Quanto à materialidade delitiva, esta exsurge dos procedimentos administrativos levados a efeito pela Caixa Econômica Federal, tanto o de Apuração Sumária, iniciado em 05 de agosto de 2002, quanto o Inquérito Policial deflagrado (apensos 1 a 7), em que se colheu farto acervo probatório, documentos e depoimentos, a não deixar dúvidas da ocorrência das referidas falsificações e inserções de dados falsos nos sistemas de informação daquela empresa pública. 6. No que se refere à autoria, não há como ser acolhida a tese, apresentada pelo réu em suas razões de apelação, no sentido de que não haveria provas suficientes para a condenação, seja quanto à participação no delito de inserção de dados falsos em sistema de informações, seja no que se refere aos delitos de falsidade material de documento particular e público. Diversamente, são várias as provas no sentido de que o réu, não apenas detinha próximo relacionamento com a corré MAIRA MARIA DIAS DA COSTA, como também aliciava empresários para fins de obtenção de empréstimos, ficando responsável pela elaboração de toda a documentação. Acerca deste ponto, dignas de referência foram as declarações de T.M.C.S.L., segundo a qual o relacionamento do réu ANDRÉ LUIZ na CAIXA era com MAIRA, sendo que MAIRA deixava clara sua relação com o contador (réu), inclusive tendo ela (MAIRA) se dirigido à mencionada testemunha dizendo que havia conhecido um contador excelente, o qual possuía uma lista de empresas muito boas para trabalhar com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL. 7. Acertadas as conclusões, constantes da douta sentença ora recorrida, no sentido de que o esquema criminoso se estruturava com a união de desígnios de ANDRÉ LUIZ e MAIRA MARIA para oferecerem empréstimos aos empresários, sendo que ANDRÉ LUIZ, na condição de contador das empresas, providenciava toda a documentação, dentre a qual estavam os DARF's e a DECORE falsos, depois do que os dados relativos aos recolhimentos dos DARF's eram lançados no Sistema de Risco de Crédito (SIRIC), o que influía na capacidade de obtenção de empréstimo pelas empresas. 8. No concernente à tipificação do delito imputado ao réu, tem-se que, de fato, o crime previsto no art. 313-A do Código Penal tem natureza de crime próprio, o qual admite participação, desde, é claro, que o agente tenha ciência da condição de funcionário público do corréu, justamente o que se deu no caso ora sob exame. 9. Quanto ao fato de estar sendo condenado, nesta ação penal, apenas o réu ANDRÉ LUIZ, mister se faz salientar que, a tão-só circunstância de ter havido a suspensão do processo em relação à corré que detinha a condição de funcionária pública (não foi encontrada para ser citada), não pode constituir fundamento para a desclassificação do delito, ou mesmo para a suspensão do processo também em relação a ele. O que se mostraria inviável seria a absolvição da corré detentora da condição de funcionária pública e a condenação do partícipe. 10. É de ser afastada a tese constante da apelação, no sentido de que não estaria abrangida pelo tipo do art. 313-A do CP a inserção de dados em sistema da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, sob o fundamento de que, a referida empresa pública, não estaria compreendida no conceito de 'Administração Pública'. E tal se dá porque, para efeito de configuração da figura típica, os conceitos jurídicos de Direito Penal, constantes do tipo, não estão identificados com as definições oriundas do Direito Administrativo, de modo que o termo 'Administração Pública', inserto no tipo do art. 313-A do CP, deve ser tomado em sentido amplo, de modo a também abranger as empresas públicas. 11. Igualmente não se há de falar em falta de interesse do ora réu na obtenção de empréstimo ou na falsificação documentos. Diversamente, considerado todo o contexto da atuação criminosa, tem-se que a apresentação do contador ANDRÉ LUIZ como "um contador excelente, o qual possuía uma lista de empresas muito boas para trabalhar com a CAIXA ECONÔMICA FEDERAL" (depoimento da testemunha T.M.C.S.L.) consistia em um ativo importante para o desenvolvimento da atividade profissional do réu. 12. Deve ser mantida a condenação do réu quanto aos delitos tipificados nos arts. 297 e 313-A do Código Penal, sendo inviável a aplicação, entre eles, do princípio da consunção, haja vista a autonomia das condutas relacionadas às falsidades, em relação à inserção de dados falsos em sistema de informação, não constituindo a fraude meio ou elemento necessário para a configuração do delito previsto no art. 313-A do Código Penal. 13. No que se refere ao delito tipificado no art. 298 do Código Penal, também há de ser mantida a condenação. Neste tocante, além da materialidade delitiva (fl. 33, Apenso I, Vol. I e fls. 340/341 do Apenso I, vol. II), no que se refere à autoria, a conclusão de que foi o ora réu ANDRÉ LUIZ o responsável pela falsificação material da DECORE (Declaração de Comprovação de Rendimentos) pode ser extraída a partir do conteúdo do depoimento da testemunha O.C.S., a qual declarou haver emitido DECORE em favor de ANDRÉ LUIZ, sendo que, o selo que constava da mencionada DECORRE emitida pela referida testemunha em favor de ANDRÉ LUIZ foi transferido para outra DECORE, confeccionada com o objetivo de comprovar rendimentos da empresa LINCE, empresa da qual ANDRE LUIZ era contador e o responsável por reunir toda a documentação necessária para que a corré MAIRA fizesse a inserção de dados para concessões fraudulentas de empréstimos. Ainda quanto ao ponto, se mostra irrelevante, para efeito de condenação do réu pela prática do delito, o fato de os empresários também assinarem o documento, isto porque já foram analisadas, por ocasião da sentença que os absolveu, as condutas dos empresários quanto ao elemento dolo. No entanto, ainda quanto a este delito, cabe reconhecer a prescrição retroativa da pretensão punitiva. 14. Relativamente à dosimetria, merece acolhimento a tese do réu no sentido de ter havido bis in idem na elevação da pena-base, a título de culpabilidade (considerada a condição do réu de contador), e na aplicação da agravante genérica prevista no art. 61, II, 'g' do Código Penal. 15. Quanto à aplicação da pena de multa, a douta sentença recorrida também está a merecer reforma. É que, conquanto no concurso de crimes a fixação da pena de multa se encontre disciplinada no art. 72 do CP, o que, em princípio, levaria à conclusão de que, independentemente da teoria adotada para o concurso de crimes, seriam aplicadas tantas multas quantos fossem os delitos praticados; conforme pacificado na jurisprudência, configurada a continuidade delitiva, se identifica uma exceção, diante do entendimento de que o crime continuado consiste, por ficção jurídica, em crime único, não se lhe aplicando, pois, a regra prevista no art. 72 do Código Penal. Neste sentido: "A pena de multa, aplicada no crime continuado, escapa à norma contida no art. 72 do CP. As penas de multa, no caso de concurso de crimes, material e formal, aplicam-se cumulativamente, diversamente do que ocorre com o crime continuado, induvidoso concurso material de crimes gravado pela menor culpabilidade do agente, mas que é tratado como crime único pela lei penal vigente, como resulta da simples letra dos arts. 71 e 72 do CP à luz dos arts. 69 e 70 do mesmo diploma legal." (STJ, AgRg no REsp 607.929/PR). 16. Considerada apenas a circunstância relativa à culpabilidade, não há razão jurídica para que seja fixada a pena-base em 4 (quatro) anos de reclusão para o delito previsto no art. 297 do CP e 5 (cinco) anos de reclusão para o crime constante do art. 313-A do CP. Diversamente, razoável que a pena-base seja fixada no patamar de 3 (três) anos de reclusão e 97 (noventa e sete) dias-multa para o primeiro delito (art. 297 do CP) e de 04 (quatro) anos de reclusão e 45 (quarenta e cinco) dias-multa para o segundo crime (art. 313-A do CP), de modo que, deixando-se de aplicar a agravante genérica prevista no art. 61, II, 'g' do Código Penal (sob pena de configuração de bis in idem), e mantidos os patamares de aumentos considerados na sentença ora recorrida diante da continuidade delitiva (2/3 para o delito tipificado no art. 297 do CP - 103 falsificações de DARF's - e 1/2 para o crime previsto art. 313-A do CP - 9 inserções falsas), ficam as penas definitivas fixadas em 5 (cinco) anos de reclusão e 161 (cento e sessenta e um) dias-multa para o delito do art. 297 do Código Penal e 6 (seis) anos de reclusão e 67 (sessenta e sete) dias multa para o crime do art. 313A do Código Penal, mantido o valor do dia-multa em 1/10 (um décimo) do salário mínimo. 17. Aplicando-se o sistema do cúmulo material, o somatório das penas chega a 11 (onze) anos de reclusão e 228 (duzentos e vinte e oito) dias-multa, em regime fechado, nos termos do art. 33, §2º, alínea "a", do Código Penal. 18. Entre a consumação do crime (considerada a data da última conduta criminosa, em julho de 2002, f. 05) e o dia do recebimento da vestibular acusatória (10 de maio de 2013, f. 40v), transcorreram cerca de 10 (dez) anos e 9 (nove) meses, tempo superior ao exigido pelo art. 109, inc. IV, do Código Penal (08 anos), para que a pretensão punitiva estatal possa ser extinta pela prescrição retroativa, considerando o trânsito em julgado para a acusação, bem como que, na hipótese de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incide sobre a pena imposta a cada um deles, isoladamente, nos termos do art. 119, do Código Penal. 19. Desprezado o acréscimo decorrente da continuidade delitiva, nos termos do disposto no enunciado nº 497 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, cabe reconhecer, no caso, a prescrição retroativa em relação a todos os crimes imputados ao réu, já que a maior das penas-base foi a do crime previsto no art. 313-A do Código Penal, quantificada em de 04 (quatro) anos de reclusão, havendo, o prazo prescricional de 08 (oito anos), sido superado pelo transcurso de 10 (dez) anos e 9 (nove) meses contado entre o último ato criminoso e o recebimento da denúncia, restando igualmente prescrita a pena de multa aplicada cumulativamente com a pena corporal, nos termos do art. 114, inc. II, do Código Penal. 20. Parcial provimento à apelação e, diante do reconhecimento da prescrição retroativa, resta concedido habeas corpus de ofício para declarar extinta a punibilidade.
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