RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. FALSO TESTEMUNHO. ART. 342, § 1º C/C ART. 29, AMBOS DO CP. INCONSTITU- CIONALIDADE DO ART. 385 DO CPP. NÃO ACOLHIMENTO. PARTICIPAÇÃO. POSSIBILIDADE. AUTORIA DELITIVA. COMPROVAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. ERRO. NÃO OCORRÊNCIA. IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Trata-se de apelação interposta por AFSS e JFS contra sentença que, julgando procedente o pedido formulado na denúncia, condenou os recorrentes à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano, 6 (seis) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, além de 97 (noventa e sete) dias multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, pela prática do crime previsto no art. 342, § 1º c/c art. 29, ambos do CP, condenando também SFV (em face da qual já ocorreu o trânsito em julgado) à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por duas penas restritivas de direito, além de 39 (trinta e nove) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, pela prática do crime previsto no art. 342, § 1º c/c art. 29, ambos do CP. 2. Não é inconstitucional a norma insculpida no art. 385 do CPP (que prevê a possibilidade de o juiz condenar o réu mesmo que o MP peça a sua absolvição), porque as alegações finais apresentadas pelo órgão acusador em nada vinculam o entendimento do magistrado sentenciante, o qual pode decidir de modo diverso à opinião do Ministério Público, no exercício do seu livre convencimento motivado. Precedentes do STJ e do STF: AgRg no AREsp nº 431.461/MA, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, STJ - Quinta Turma; AP nº 921, Rel. Min. LUIZ FUX, STF. 3. Relativamente à alegação de ausência de provas para respaldar a condenação (por não estar comprovada a autoria dos acusados relativamente ao crime disposto no art. art. 342, § 1º c/c art. 29 do CP), razão não assiste aos apelantes, considerando o robusto acervo probatório constante nos autos, suficiente para comprovar a efetiva participação dos réus no crime de falso testemunho praticado por SFV, a qual confessou a conduta delitiva e não recorreu da sentença condenatória. 4. De início, impende ressaltar que o entendimento doutrinário e jurisprudencial predominante é no sentido de que o crime tipificado no art. 342 do CP admite participação. Nesse aspecto, destaque-se a seguinte lição doutrinária: "nada impede, tecnicamente, que uma pessoa induza, instigue ou auxilie outra a mentir em juízo ou na polícia (...). Destarte, a pessoa que mentiu deve responder pelo falso testemunho, enquanto aquele que a induziu ingressa no tipo como partícipe" (NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 16. Ed., São Paulo: Forense, 2015, pg. 1502). Na mesma linha é o entendimento jurisprudencial predominante nos Tribunais Superiores: "o delito de falso testemunho, apesar de ser considerado delito de 'mão própria', admite a participação, nas modalidades de induzimento e instigação, ressalvadas raras exceções. Precedentes desta Corte e do STF" (REsp 659.512/RS, Rel. Ministro GILSON DIPP, STJ - Quinta Turma, DJ 29/11/2004). 5. No caso, a ré SFV, condenada na primeira instância, ainda na fase inquisitiva, afirmou que "foi orientada por AFSS a dizer em Juízo que tanto a autora Aline [titular da ação em que o falso testemunho ocorreu], como o seu companheiro [daquela autora], trabalhavam durante toda a semana em sua propriedade", confirmando nos presentes autos, porém, que aquela afirmativa não era verdadeira (fls. 26/28 do IPL). Reinquirida, ainda em sede policial, a ré ratificou integralmente o seu depoimento anterior, acrescentando que "foi orientada por JFS a falsear a verdade em juízo, prestando informação que tanto Aline (...) quanto seu companheiro trabalhavam durante toda a semana em sua propriedade" (fl. 72 do IPL). Em audiência de instrução realizada na 13ª Vara Criminal da Justiça Federal de Alagoas, a ré voltou a afirmar que AFSS e JFS a orientaram a mentir em juízo (mídia digital, fl. 108). Cabe destacar também que, embora não tenha sido arrolada como testemunha na audiência de instrução, a Sra. Aline, autora do processo no qual o crime ora em análise foi praticado, afirmou, em sede policial, que AFSS e JFS induziram SFV a falsear a verdade perante a justiça (f. 71 do IPL). Além do mais, tanto AFSS como JFS confirmaram em juízo que acompanharam a Sra. Aline e a ré SFV, viajando com estas da cidade de Chã Preta/AL até o Fórum Federal da cidade de Maceió/AL, em carro arrendado com recursos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Chã Preta/AL (fl. 108), ocasião em que o acusado JFS permaneceu nas dependências do Fórum aguardando o desfecho da audiência, ao fim da qual todos retornaram ao destino de origem. 6. O taxista responsável pelo transporte da Sra. Aline e dos réus AFSS, JFS e SFV afirmou, na audiência de instrução, ter ouvido os passageiros comentarem, na viagem de volta entre as cidades de Chã Preta/AL e Maceió/AL, que "não havia dado certo o que haviam ido fazer" (fl. 110). Destaque-se, ademais, que a advogada responsável pela defesa da Sra. Aline é a mesma que presta serviços ao Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Chã Preta/AL, no qual os acusados acumulam cargos de Presidente e Delegado Sindical, tendo sido indicada pelos mesmos (fl. 108), indícios esses que corroboram a tese de que os réus haviam agido em conjunto com a acusada SFV. 7. Por todas as razões apresentadas, resta evidente que os recorrentes orientaram a acusada SFV a apresentar versão inverídica dos fatos perante a justiça, com total consciência e vontade em seus atos, razão pela qual a absolvição pleiteada não merece acolhida. 8. Em relação ao pedido subsidiário formulado pela defesa, constata-se que não ocorreu bis in idem nas aplicações das agravantes previstas nos arts. 61, II, b, e 62, II, ambos do CP e da causa de aumento disposta no § 1º do art. 342, parte final, do CP. Em verdade, a causa de aumento foi aplicada em razão da participação do INSS no polo passivo da causa em que o falso testemunho ocorreu (entidade da administração pública indireta), não se confundindo com as razões que ensejaram a aplicação das mencionadas circunstâncias agravantes de pena: terem os agentes cometido o crime para assegurar a obtenção fraudulenta de benefício previdenciário, por parte da Sra. Aline (art. 61, II, b) e por induzirem a testemunha, SFV, a prestar declarações falsas em juízo (art. 62, II, do CP). É necessário enfatizar, nesse ponto, que os recorrentes foram beneficiados na dosimetria da pena, visto que o magistrado a quo, equivocadamente, aplicou-lhes pena-base abaixo do mínimo legal, que é de 2 (dois) anos de reclusão para o crime de falso testemunho (342, § 1º, CP), conforme se depreende do seguinte trecho da sentença: "assim, na primeira fase da aplicação da pena, fixo a pena-base no mínimo legal em 01 (um) ano de reclusão" (fl. 130), deixando-se de elevar a pena, nessa fase processual, unicamente em razão da proibição da reformatio in pejus. 9. Apelação improvida.
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