ACR – 15316/RN – 0002416-57.2015.4.05.8400

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO -  

PENAL. PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI 8.137/90. SÓCIO OCULTO. PROPRIETÁRIO DE FATO. OMISSÃO DE RECEITAS COM EFETIVA SONEGAÇÃO DE TRIBUTOS. PROVAS DA AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS. DEMONSTRAÇÃO. CULPABILIDADE E PERSONALIDADE. JUÍZO NEGATIVO NÃO CABÍVEL. INÉPCIA DA DENÚNCIA E NULIDADES DA SENTENÇA. INOCORRÊNCIA. FALTA DE PROVAS DA AUTORIA EM FACE DA AUSÊNCIA DO NOME DO ACUSADO NO CONTRATO SOCIAL. NÃO COMPARECIMENTO AO INTERROGATÓRIO POR INDICAR ENDEREÇOS ONDE NÃO RESIDIA. TENTATIVA DE VALER-SE DA PRÓPRIA TORPEZA. DESCABIMENTO. DOSIMETRIA REALIZADA DE MANEIRA LEGAL, FUNDAMENTADA, PROPORCIONAL E RAZOÁVEL. SENTENÇA MANTIDA.RECURSOS IMPROVIDOS. 1) Trata-se de apelações criminais intentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pela defesa de RUI em face de sentença proferida pelo juízo da 14ª Vara Federal do Rio Grande do Norte. 2) Segundo a acusação, RUI, de modo consciente e voluntário, na condição de administrador de fato da empresa JR SERVIÇOS LTDA - EPP, teria determinado a omissão de informações nas Declarações de Débitos e Créditos Tributários Federais (DCTFs) e da Declaração de Informações Econômico-Fiscais da Pessoa Jurídica (DIPJ) relativas ao ano-calendário de 2011, o que havia ocasionado a redução de tributos federais sobre receita por ele sonegada, o que fez com que a RFB constituísse, em definitivo, crédito tributário no montante de R$ 1.515.863,55. Assim, diante de provas da materialidade e indícios suficientes da autoria delitivas, ofereceu, o órgão acusador, a pertinente denúncia. 3) Após a merecida instrução processual penal, o juízo, convencido da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, julgou a acusação procedente, condenando RUI pelo cometimento do delito previsto no art. 1º, I, da Lei 8.137/90. Na cadência, em sede de dosimetria, fixou a pena-base um pouco acima do mínimo legal, ou seja, em 02 anos e 06 meses de reclusão, por considerar apenas uma circunstância judicial negativa: as consequências do delito. Na cadência, a pena foi mantida, diante da ausência de atenuantes/agravantes, causas de aumento/diminuição de pena. 4) Irresignado, o MPF apresentou apelo. Na ocasião, sustentou, resumidamente, que: 1) o juízo deveria ter considerado como circunstância judicial desfavorável ao acusado a culpabilidade, em face de RUI se tratar de empresário experiente e conhecedor da lei, o que tornaria o grau de culpabilidade de sua conduta mais elevado e, no mesmo compasso, também 2) deveria ter considerado a personalidade como negativa, na medida em que RUI havia se esquivado do juízo e mesmo da Justiça. Por tais motivos, pleiteou a elevação da penalidade. 5) Também inconformada com o decreto condenatório, a defesa apresentou recurso às fls. 1583/1612. Na oportunidade, aduziu, em resumo, que: 1) a denúncia seria inepta; 2) a sentença seria nula em face da inobservância do princípio in dubio pro reo, máxime diante do "extravio de CD da instrução probatória"; 3) o réu não teria sido interrogado, o que eivaria o processo de vicio, sobretudo porque ele "não estaria em local de difícil acesso"; 4) a sentença também deveria ser declarada nula por ter se amparado em provas produzidas na seara policial, longe, pois, do contraditório e da ampla defesa; 5) inexistiria tipicidade e provas da autoria delitiva, já que RUI era, inclusive, pessoa estranha ao quadro societário; e 6) tanto a pena privativa de liberdade, quanto a de multa deveriam ser diminuídas. 6) Os crimes tributários, na maioria das vezes, são perpetrados por "empresários", sejam por, deveras, ostentarem tal qualidade no contrato social, seja por administrarem, na informalidade e/ou valendo-se de "laranjas", determinada empresa, deixando seus nomes às margens dos contratos, como foi o caso dos autos. Em suma, a condição de empresário - de fato e/ou de direito - é requisito praticamente inerente ao tipo penal em análise, inclusive a expertise que eles possuem para, como visto, tomarem as decisões inerentes à administração da empresa. Por tal motivo, entendese não ser o caso de sopesar o fato de RUI ser "empresário experiente" como condição negativa. 7) O evento de o réu não ter sido encontrado gerou efeitos externos e processuais, quais sejam, sua ausência no interrogatório e mesmo - aliada a outros fatos e fundamentos - a decretação de sua prisão preventiva. Apesar disto, não se pode utilizar a aventada "esquiva" do réu, por si só, como atributos íntimos, internos, intrínsecos à sua personalidade, o que demandaria uma análise mais acurada de suas características peculiares, o que não se nos mostrou possível. Em suma, entende-se que a personalidade, por não ter sido avaliada de maneira completa, não deve ser sopesada como negativa. 8) Quanto à aventada inépcia da denúncia, a tese não prospera por razões óbvias, bastando rever a peça acusatória inicial (fls. 03/04) e o subsequente aditamento. Em ambas as oportunidades, sobretudo quando do aditamento à denúncia - que incluiu RUI no polo passivo, por restar verificado que era ele o verdadeiro administrador e "dono oculto" da empresa -, houve a perfeita descrição dos fatos a ele atribuídos, viabilizando, pela mesma via, a defesa plena. Em suma, preenchendo a denúncia os requisitos do art. 41 do CPP, não observando nos autos nenhuma das hipóteses de rejeição listadas no art. 395 do mesmo diploma legal e diante de indícios de materialidade e autoria delitiva, deveria mesmo ser recebida a peça acusatória. Dessa forma, não há que se falar em inépcia da denúncia. 9) A defesa, em seu recurso, limita-se a afirmar, de maneira evasiva e genérica, que houve o extravio de CD e de provas nele contidas sem, todavia, citar/provar ou mesmo identificar com a mínima precisão o CD que, supostamente, havia sido extraviado, quiçá seu conteúdo e mesmo o comprometimento advindo de fato. Ao reverso, o que se observa nos autos é a presença de vários CDs, a exemplo daqueles acostados: A) às fls. 1016 (referente a audiência de instrução e julgamento realizada no dia 20/07/2015 nos autos da ação penal 0002266-13.2014.4.05.8400); B) às fls. 1224 (referente a audiência de instrução e julgamento realizada no dia 08/04/2016 com a oitiva da testemunha ALUÍSIO AZEVEDO JÚNIOR, não tendo o réu sido localizado - no endereço declinado - para participar do ato); C) às fls. 1330 (relativo a audiência de instrução e julgamento realizada no dia 13/10/2016, com a oitiva das testemunhas de acusação VALDIR PEREIRA DA FONSECA JÚNIOR e SEBASTIÃO DANTAS DE ALMEIDA); e D) às fls. 1402 (parte integrante do procedimento 1.28.000.000200/2014-30, contendo ainda cópia integral do processo 10469.726.575/2013/35). 10) Como devidamente exposto na sentença, o réu, depois de citado pessoalmente para responder à ação (fls. 1029), simplesmente passou a se utilizar de artifícios para não ser intimado, ora fornecendo endereços onde não residia, motivo pelo qual não era encontrado (fls. 1235 e fls. 1297), ora mesmo em virtude de ter marcado, por duas vezes, com oficiala de justiça para ser intimado sem, contudo, ter comparecido (fls. 1297). Por tais motivos, inclusive, foi decretada sua prisão preventiva (fls. 1315/1321). 11) Em suma, o réu não compareceu para ser interrogado por culpa única e exclusiva sua, não podendo agora valer-se da própria torpeza para aventar nulidade. 12) A sentença se baseou em provas diversas, de natureza documental e testemunhal, todas colhidas sob o crivo policial, administrativo e, sobretudo, judicial, como se infere dos CDs já citados, dos depoimentos tomados e de toda a fundamentação declinada na sentença. Logo, não corresponde à realidade a tese de que a condenação do réu fora amparada exclusivamente em provas colhidas no inquérito policial. 13) RUI, de maneira ardilosa, manteve-se como sócio oculto da empresa, mesmo sendo quem, de fato, dava as ordens e a dirigia, conforme demonstrado ao longo de toda a instrução processual penal e alinhavado na sentença. Em grau de apelo, quer justamente se ancorar no ardil que criou - a colocação de empresários de fachada, sendo um deles sua própria filha, enquanto ele se ocultava - para sustentar que não poderia ser autor do delito "por ser pessoa estranha ao quadro societário". A tese mostra a intenção evidente de, outra vez, valer-se da própria torpeza para se esquivar do crime que perpetrou de maneira evidente. 14) Sobre a autoria, basta voltar os olhos à sentença, máxime ao resumo que faz dos depoimentos das testemunhas - a exemplo de ALUÍSIO AZEVEDO JÚNIOR e VALDIR PEREIRA -, que foram uníssonas ao aduzirem que RUI, apesar de não "aparecer" no contrato, era, de fato, quem mandava na empresa, sendo o dono. 15) Quanto à dosimetria, não há o que se alterar. O magistrado, considerando a existência de uma circunstância desfavorável - as consequências do delito em face do montante vultoso de tributos que fora sonegado - para aumentar a pena-base um pouco acima do mínimo, que é de 02 anos. Com essa ponderação, dentro da proporcionalidade e razoabilidade, fixou a pena-base em 2 anos e 06 meses, a qual fora mantida em face da ausência de agravantes/atenuantes, causas de aumento/diminuição de pena. Com o mesmo acerto, levando em conta as peculiaridades do caso, fixou a quantidade de dias-multa em número razoável (50), sendo o valor individual o de 01 salário mínimo, isto levando em conta o poder econômico do acusado, que, como visto, era "empresário" que muito lucrava. Nesse sentido, basta ver que o montante sonegado ultrapassou a casa de 1,5 milhão de reais. 16) Apelos da acusação e da defesa improvidos.

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