ACR – 15332/CE – 0000530-94.2013.4.05.8108

RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO -  

PENAL E PROCESSUAL PENAL. CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317 DO CP). PRELIMINARES. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REJEIÇÃO. ILICITUDE DE PROVA EMPRESTADA. MATÉRIA PRECLUSA. REJEIÇÃO. CERCEAMENTO DE DEFESA. OITIVA DE TESTEMUNHA NÃO ARROLADA. REJEIÇÃO. MÉRITO.  AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PROVA ROBUSTA. DANO AO ERÁRIO PÚBLICO. IRRELEVÂNCIA. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. EXASPERAÇÃO EXCESSIVA. REFORMA. PARCIAL PROVIMENTO. 01. Apelações interpostas por ICB e ACFO contra sentença que, julgando procedentes os pedidos formulados na denúncia, condenou: 1) ICB à pena privativa de liberdade de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 100 (cem) dias-multa no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 317, § 1º c/c art. 29 do CP; 2) ACFO à pena privativa de liberdade 4 (quatro) anos de reclusão, substituída por duas penas restritivas de direitos,  além de 200 (duzentos) dias-multa no valor de 1/30 (um trinta avos) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática do crime previsto no art. 317, § 1º c/c art. 29 do CP, absolvendo os réus da acusação da prática crime previsto no artigo 313-A do CP, pela aplicação do princípio da especialidade. 02. Preliminares. Incompetência da Justiça Federal. Razão não assiste à defesa de ACFO, porquanto, conforme jurisprudência pacífica do STJ, "compete à Justiça Federal processar e julgar crime praticado por funcionário público federal, no exercício de suas atribuições funcionais" (CC 147.781/PR, Rel. Min. REYNALDO SOARES DA FONSECA, Terceira Seção, DJe 20/09/2016). Considerando que consta da denúncia, ao menos in status assertionis, a participação de servidor público federal, no exercício das suas funções, nas condutas imputadas, deve-se atrair a aplicação do art. 109, IV, da CF/88. Preliminar rejeitada. 03. Ilicitude de prova emprestada. Tampouco há de se falar em ilicitude da prova emprestada, referente às declarações prestadas por ICB no IPL nº 022/12-SR/DPF/CE (fls. 97/98), porque, diferentemente do que sustenta o apelante, a juntada da prova foi deferida durante a audiência de instrução, na presença dos réus e de seus representantes, os quais não manifestaram qualquer oposição, conforme consignado no termo de audiência (fls. 93/96), tornando inviável a discussão da matéria quando da interposição do recurso, eis que operada contra si a preclusão temporal, consonante o art. 571, II, do CPP. Além disso, também não há que se falar em ofensa aos princípios do contraditório e da ampla defesa, porquanto a referida prova foi submetida à impugnação da defesa nas alegações finais, ocasião em que os réus restaram silentes quanto ao tema, o que demonstra, mais uma vez, a ocorrência de preclusão. Sendo assim, nada impede a juntada de tais declarações aos autos, cumprindo ao juiz, nos termos do art. 155 do CPP, apreciar o seu conteúdo e atribuir-lhe valoração compatível com a sua natureza, como ocorreu no caso em apreço, em que a prova serviu apenas como mais um dos elementos de convicção a sustentar o decreto condenatório. Precedentes do STJ: AgRg no REsp 1521648 / SC . Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, Data do Julgamento 04/09/2018, DJe 14/09/2018; RHC 74548 / RS, Relator Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, Data do Julgamento 17/04/2018, DJe 27/04/2018. Preliminar rejeitada. 04. Cerceamento de defesa. Não merece acolhida a alegação de nulidade por cerceamento de defesa em razão da ausência do depoimento de Isaías Gomes Pinto Neto (fls. 93/96), porquanto o próprio réu não apresentou rol de testemunhas em sua resposta à acusação (fls. 34/37), tratando-se, também, de matéria preclusa. Além disso, o juízo sobre a robustez da prova constituída nos autos para sustentar a condenação, a justificar a incidência do princípio do pas de nullité sans grief (arts. 563-566 do CPP), ou do prejuízo, à denegação do empréstimo do depoimento da referida testemunha (prestado no Processo nº 0000260-36.2014.4.05.8108), confunde-se com o próprio mérito, devendo ser analisada em seguida. Preliminar rejeitada. 05. Mérito. Apelação de ACFO. É despicienda a produção de quaisquer novas provas, vez que há suficiente suporte probatório nos autos para demonstrar a materialidade e autoria delitivas, a saber: a) Auditoria do Benefício acostada ao IP nº 350/2011 (fls. 29/30 do IP), na qual se verifica a reabertura, homologação e concessão do benefício dois anos após seu indeferimento, sem qualquer motivação/provocação para tanto; b) o pagamento retroativo de R$ 13.683,00 (treze mil seiscentos e oitenta e três reais), conforme detalhamento de crédito (fls. 33/34 do IP); c) o depoimento em juízo da testemunha Francisca Alves de Lima (beneficiária), confirmando ter procurado a ré ISB para que "ajeitasse" sua aposentadoria, porque a acusada teria contatos dentro do INSS, sendo, posteriormente, deferido o benefício, inclusive com o pagamento retroativo de cerca de R$ 13.000,00 (treze mil reais), dos quais pouco mais de R$ 8.000,00 (oito mil reais) foram entregues a ISB, que afirmou "aquele dinheiro era pra dividir com uma pessoa que trabalhava no INSS"; d) o termo de declaração às fls. 97/98, validado pela prova testemunhal colhido à fl. 110, onde ISB confirma ajudar várias pessoas, em troca de dinheiro, a obterem benefício no INSS com pagamento dos valores atrasados, através do servidor ACFO. 06. Não bastassem os argumentos expendidos na sentença, o réu, em interrogatório, em nenhum momento negou ter reaberto de ofício o procedimento de concessão de benefício para conferir a Francisca Alves aposentadoria rural, havendo, em verdade, confirmado a autoria do delito (mídia digital de fl. 110, Tempo: 02'34''a 09'39'' e 18'38''a 24'40''). Resta evidente, portanto, que ACFO reabriu sem fundamentação o procedimento de concessão, deferindo o benefício, inclusive com o pagamento retroativo de R$ 13.683,00 (treze mil seiscentos e oitenta e três reais), não merecendo acolhida a tese de não comprovação da autoria delitiva. 07. Por derradeiro, destaca-se a discussão no âmbito administrativo ou judicial sobre possível equívoco no indeferimento de benefício não possui o condão de afastar infração a dever funcional por parte do apelante, pois o fato controvertido não diz respeito ao conteúdo do ato praticado (se o benefício era devido ou não), mas sim ao procedimento adotado pelo servidor público, o qual se mostra plenamente viciado. 08. Apelação de ICB. Quanto à primeira alegação da recorrente (ausência de comprovação da materialidade e autoria delitivas), razão não assiste à defesa, considerando que as provas constituídas nos autos são suficientes para fundamentar a decisão recorrida, quais sejam: a) as declarações prestadas pela ré no IPL nº 22/2012 (fls. 97/98), nas quais confessa ter ajudado várias pessoas a obterem o benefício no INSS, com pagamento de valores atrasados, através do servidor ACFO; b) o depoimento em juízo da testemunha Francisca Alves de Lima (beneficiária), a qual confirmou ter procurado a ré para "ajeitar" sua aposentadoria, porque a acusada teria contatos dentro do INSS, sendo-lhe exigido em troca o pagamento de cerca de R$ 8.000,00 (oito mil reais), estando o "modus operandi" relatado pela agricultora em absoluta conformidade com as declarações da própria apelante no IPL nº 22/2012 (mídia digital de fl. 110). Para mais, em seu interrogatório, a ré afirmou de modo pouco convincente "não lembrar" do depoimento prestado no IPL nº 22/2012, aduzindo, ainda, que não conhecia Francisca Alves, contradizendo-se em diversas ocasiões, como, por exemplo, quando afirma, num primeiro momento, jamais ter pedido nenhum favor a ACFO relativamente ao INSS, nem sequer recebido dele quaisquer valores/presentes, afirmando, pouco depois, que já teria repassado documentos de segurados, pedido favores para terceiros com relação a benefício e, inclusive, recebido presentes. 09. É cediço que a condenação não se pode calcar exclusivamente em provas colhidas na fase inquisitória. Porém, embora a ré tenha negado em juízo as afirmações prestadas à autoridade policial, o depoimento da testemunha Francisca Alves corrobora com a prova produzia no inquérito, tornando-a válida e aproveitável para embasar o decreto condenatório. Nesse sentido, já decidiu o STJ que "o decreto condenatório não pode se fundar exclusivamente em elementos de prova colhidos apenas no inquérito policial e não repetidos em juízo, podendo tais elementos ser utilizados para corroborar o convencimento baseado em outras provas disponibilizadas durante a instrução processual" (STJ - AgInt no AREsp: 1168591 SP, Relator: Ministro FELIX FISCHER, T5 - Quinta Turma, DJe 28/02/2018). 10. Afasta-se também a segunda arguição (inexistência de ofensa ao bem jurídico tutelado), pois, como dito acima, aqui não se cuida do mérito do ato praticado (se o benefício era devido ou não), mas sim da conduta adotada pelos réus quando da concessão inicial do benefício previdenciário. O que se discute é a prática do crime tipificado no art. 317 do CP, cujo bem jurídico tutelado é o regular e correto funcionamento da atividade pública (Administração Pública), com objetivo de servir aos interesses gerais de forma hígida, objetiva e eficaz. Dá-se a proteção ao legal e correto exercício da função pública, sendo, pois, desnecessário que haja efetivo dano ao erário, consumando-se o crime pela simples prática de um dos verbos nucleares previstos no dispositivo legal. Nesse sentido: STJ - AgRg no AREsp: 1085432 MG, Relator: Ministro JORGE MUSSI, T5 - Quinta Turma, Data de Publicação: DJe 31/08/2018. 11. Dosimetria. Para a ré ICB, na primeira fase, o magistrado a quo fixou a pena-base em 3 (três) anos de reclusão, reputando desfavoráveis duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (reprovabilidade da conduta e circunstâncias ou consequências do crime). No entanto, observa-se que a razão de decidir utilizada para valorar negativamente a culpabilidade foi o artifício empregado para ludibriar pessoa de pouco estudo e boa-fé, fundamento que não é apto para dar suporte à elevação da pena-base, porque a agricultora Francisca Alves de Lima, apesar de não possuir o animus de fraudar o sistema do INSS, estava ciente da incorreção de sua conduta, conforme a mesma admite em seu testemunho, devendo ser considerada neutra tal circunstância. Relativamente às circunstâncias do delito, o prejuízo causado aos cofres públicos, de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais), é fundamento suficiente para o juízo de valor negativo da conduta, considerando que o delito do art. 317 do CP não é patrimonial (cujo prejuízo econômico seja inerente ao tipo penal), extrapolando-se, portanto, as circunstâncias delitivas típicas. Entretanto, não sendo o dano causado ao erário extraordinariamente superior aos delitos dessa espécie, a exasperação da pena deve ser feita em patamar inferior àquele decorrente das regras de proporção direta, levando em conta a jurisprudência dominante do STJ, no sentido de que "o magistrado, dentro do seu livre convencimento motivado e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, decidirá o quantum de exasperação da pena-base, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade" (HC 201502282353, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - Sexta Turma, DJE: 28/11/2017). Portanto, considerando que incide apenas uma circunstância judicial desfavorável e que o delito do art. 317 do CP comina pena de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão e multa, fixa-se a pena-base no em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa. Na segunda fase, existindo a circunstância atenuante prevista no art. 65, III, "d", do CP, reduz-se a pena privativa de liberdade para 2 (dois) anos de reclusão e 32 (trinta e dois) dias-multa. Na terceira fase, deve-se reconhecer a incidência da majorante prevista no § 1º do art. 317, fixando-se a pena definitiva em 2 (dois) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 42 (quarenta e dois) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mantendo-se nos termos da sentença o regime de cumprimento e as duas penas restritivas de direito, aplicadas em substituição à pena privativa de liberdade. 12. Quanto a ACFO, na primeira fase, o magistrado a quo fixou a pena-base em 3 (três) anos de reclusão, reputando desfavoráveis duas circunstâncias judiciais do art. 59 do CP (reprovabilidade da conduta e circunstâncias ou consequências do crime). Porém, observa-se que o parâmetro utilizado para valorar negativamente a culpabilidade foi o mesmo utilizado em relação à ré ICB, devendo ser reformada a sentença nesse ponto, pelas razões já expostas. Concernente às circunstâncias do crime, o prejuízo causado aos cofres públicos, de R$ 13.600,00 (treze mil e seiscentos reais) é fundamento suficiente para o juízo de valor negativo da conduta, considerando que o delito do art. 317 do CP não é patrimonial (cujo prejuízo econômico seja inerente ao tipo penal), extrapolando-se, portanto, as circunstâncias delitivas típicas. Mas, não sendo o dano causado ao erário extraordinariamente superior aos delitos dessa espécie, a exasperação da pena deve ser feita em patamar inferior àquele decorrente das regras de proporção direta, levando em conta a jurisprudência dominante do STJ, no sentido de que "o magistrado, dentro do seu livre convencimento motivado e de acordo com as peculiaridades do caso concreto, decidirá o quantum de exasperação da pena-base, em observância aos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade" (HC 201502282353, Rel. Min. SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, STJ - Sexta Turma, DJE: 28/11/2017). Posto isso, considerando que incide apenas uma circunstância judicial desfavorável e que o delito do art. 317 do CP comina pena de 2 (dois) a 12 (doze) anos de reclusão e multa, fixa-se a pena-base no em 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 40 (quarenta) dias-multa. Na segunda fase, não há circunstância agravante ou atenuante. Na terceira fase, pelo fato de o réu exercer função de direção em órgão da Administração Pública, aplica-se a majorante prevista no art. 327, § 2º, desconsiderando a disposta pelo art. 317, § 1º, fixando a pena definitiva em 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão e 53 (cinquenta e três) dias-multa, no valor unitário de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos, mantendo-se nos termos da sentença o regime de cumprimento e as duas penas restritivas de direito, aplicadas em substituição à pena privativa de liberdade. 13. Apelações parcialmente providas, apenas para reformar a dosimetria das penas impostas aos réus.

Para ler o documento na íntegra, clique aqui!

Comments are closed.