ACR – 15467/PB – 2009.82.02.002395-0 [0002395-06.2009.4.05.8202]

RELATOR: DESEMBARGADOR ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO -  

PENAL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. RECURSO MINISTERIAL. PRETENSÃO DE RESPONSABILIZAÇÃO DE EX-PREFEITO E DE EX-SECRETÁRIO DE SAÚDE DO MUNICÍPIO DE CAJAZEIRAS-PB. IMPUTAÇÃO DE PRÁTICA DOS CRIMES PREVISTOS NO ART. 1º, INCISOS III E V, DO DECRETO-LEI Nº 201/67, NO PERÍODO DE 2005 A 2006, CONSISTENTE EM APLICAÇÃO DE VERBAS PÚBLICAS EM FINALIDADE DIVERSA DA PREVISTA NO PROGRAMA FEDERAL DE ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE, ALÉM DE HAVEREM SIDO REALIZADOS PAGAMENTOS DAS EQUIPES DO PROGRAMA DE SAÚDE DA FAMÍLIA COM ELEVADO PERCENTUAL DE ABSENTEÍSMO, IMPORTANDO, ASSIM, NO EMPREGO IRREGULAR DE CERCA DE R$ 39.624,36 (TRINTA E NOVE MIL, SEISCENTOS E VINTE E QUATRO REAIS E TRINTA E SEIS CENTAVOS). OFENSIVIDADE MÍNIMA AO BEM JURÍDICO TUTELADO PELA NORMA. EVENTUAL DESVIO DE FINALIDADE A SER MELHOR APURADO E SANCIONADO, SE O CASO, À LUZ DO DIREITO ADMINISTRATIVO SANCIONADOR, TENDO SIDO, NO CASO CONCRETO DOS AUTOS, JULGADA IMPROCEDENTE A RESPECTIVA AÇÃO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA, POSTERIORMENTE CONFIRMADA - A IMPROCEDÊNCIA - PELA COLENDA QUARTA TURMA DESTE EGRÉGIO TRIBUNAL. IMPÕE-SE MANTER OS TERMOS E COMANDOS DO VEREDICTO ABSOLUTÓRIO, DADA A APURADA VALORAÇÃO, DE PER SE, DAS PROVAS E CONDUTAS DE CADA ENVOLVIDO NOS EPISÓDIOS DELINEADOS PELA ACUSAÇÃO. DECRETO ABSOLUTÓRIO QUE ORA SE MANTÉM PELA RAZOABILIDADE DE SUA FUNDAMENTAÇÃO, NOTADAMENTE EM FACE DE PERCUCIENTE COTEJO DE TODOS OS ELEMENTOS INDICIÁRIOS QUE COMPUSERAM O PLEXO ACUSATÓRIO, MAS QUE NÃO SE REVELARAM, FINDA A INSTRUÇÃO, SUFICIENTEMENTE APTOS A ALICERÇAR A RESPONSABILIZAÇÃO PENAL DOS DENUNCIADOS. APELO IMPROVIDO. 1. Cuida-se, em suma, de julgamento de apelo ministerial interposto em face da absolvição dos denunciados, ora apelados - na condição, à época dos fatos, de Prefeito e de ex- Secretário de Saúde do Município de Cajazeiras/PB, respectivamente -, decretada com base no art. 386, VII, do CPP, quanto às imputações da prática das condutas típicas previstas no art. 1º, incisos III - utilização de recursos federais da conta do Piso de Atenção Básica (PAB) em finalidade diversa - e V - realização de pagamentos das equipes do Programa Saúde da Família, mesmo com elevado percentual de absenteísmo, em desacordo com as normas de Atenção Básica -, ambos do Decreto-Lei nº 201/67, c/c o art. 29 do Código Penal. 2. Busca o Ministério Público Federal, ora apelante, a reforma integral do decreto absolutório, para o fim de condenar os apelados em epígrafe, pelo cometimento dos delitos antes referenciados, por entender, após longo arrazoado fáticojurídico, patenteadas, à saciedade, a autoria e a materialidade delituosas em desfavor dos mesmos, na forma em que delineadas na denúncia e confirmadas na instrução processual, tanto em relação ao desvio de finalidade na aplicação dos recursos do Piso de Atenção Básica, quanto aos pagamentos efetuados em prol de equipes do Programa Saúde da Família, sem a devida prestação dos serviços. 3. Deve ser afastada a necessidade de modificação da sentença recorrida, tanto pela escorreita fundamentação jurídica empregada, quanto pelo senso de fiel aplicação dos princípios - entre outros - da razoabilidade e da proporcionalidade, na aferição, pelo sentenciante, da procedibilidade da acusação descrita na denúncia, que se revelou, após a instrução processual, insuficientemente apta à responsabilização penal dos dois denunciados, ora apelados. 4. O sentenciante registrou, de forma exaustiva, inegavelmente técnica e fulcrada em coerente análise de todo o acervo de informes probatórios dos autos, a ausência de provas capazes de alicerçar um decreto condenatório, notadamente em razão da insuficiência de elementos acusatórios, pontuais, acerca da presença, no agir dos denunciados, do elemento subjetivo, psíquico-volitivo, motivador da perpetração das condutas antes referenciadas - que se exigem dolosas - e descritas na denúncia. 5. Evidencia-se, no julgado objeto do presente apelo ministerial, o sistemático cotejo promovido pelo julgador, entre os elementos probantes constantes nos autos, não se revelando, contudo, necessária e obrigatoriamente interrelacionados - como se exige à responsabilização penal -, ou seja, integrados entre si, mas, ao contrário, dispersos, e, cada qual, com insuficiente autonomia probatória, porquanto inservíveis, por si sós, ao escopo de revelar o cometimento voluntário - doloso -, de qualquer dos delitos descritos na peça acusatória, à míngua da confirmação do elemento subjetivo, exigível para o perfazimento do núcleo das elementares dos respectivos tipos, como ilustram incontáveis passagens do decreto absolutório, a partir mesmo dos excertos antes reproduzidos, daí a absolvição operada nos moldes do art. 386, VII, do Código de Processo Penal: "VII - não existir prova suficiente para a condenação". 6. Como se infere da leitura completa do veredicto absolutório, promoveu o sentenciante, pormenorizadamente, a análise de cada uma das imputações assacadas em desfavor dos apelados, abrindo, em separado, tópicos especificamente voltados a explorar a procedibilidade das imputações, sem que se possa cogitar em ausência de valoração - fundamentada - de qualquer elemento de prova associado às acusações de cometimento - doloso - das condutas típicas já referenciadas. 7. Fato é que a presente apelação ministerial, para além do esforço dirigido a responsabilizar, penalmente, os denunciados, não se desobrigou, satisfatoriamente, do seu exclusivo ônus de demonstrar o dolo exigível para o perfazimento das condutas reiteradamente descritas em seu apelo, sendo de se afirmar, apenas levando em consideração o caso concreto dos autos, tratar-se de episódios desmerecedores, separadamente, de responsabilização penal neste feito em particular, porquanto mais próximos, todavia e se o caso, da seara do Direito Administrativo Sancionador, a ter lugar por intermédio de seus instrumentos mais especificamente voltados à apuração e à repressão - inclusive judicialmente, a exemplo da Ação de Improbidade - de eventuais atos e responsabilidades de agentes da Administração, porventura encontrados em culpa ou em práticas desviantes da finalidade precípua do bem comum ou do interesse público. 8. Aliás, melhor dizendo, para além da referência constante no decreto absolutório - vide transcrição - à improcedência de específica Ação de Improbidade Administrativa, manejada pelo Parquet, em face dos mesmos fatos objeto da presente persecução penal, em desfavor, igualmente, dos ora apelados, mister se faz aludir ao percuciente pronunciamento - voto vencedor -, do eminente Des. Fed. Edilson Pereira Nobre Júnior - doravante parte integrante desta fundamentação -, quando do julgamento da Apelação Cível (AC nº 569446/PB), interposta em face da improcedência da aludida Ação de Improbidade, justamente quanto à impropriedade - ainda na esfera cível - de se mover tal demanda. Colha-se: "A primeira imputação que é dirigida aos apelados é o emprego de recursos vinculados à Atenção Básica em finalidade diversa, conforme quadro às fls. 05. Observando-se os vários itens ali descritos, vê-se nalguns deles que se referem, indiscutivelmente, à execução de ações e serviços de saúde, como é a hipótese dos pagamentos de serviços de exames de densiometria óssea e de exames clínicos. Outros, por sua vez, têm, embora de forma indireta, correlação com atividades na área de saúde, tais como a aquisição de cartuchos de informáticas para a Secretaria da Saúde, ou a aquisição de divisórias em fórmica e portas para o centro de reabilitação auditiva, bem como materiais permanentes para este setor. Ao que parece, a maior parte de tais dispêndios foram empregados em atividades, se não principais, mas ancilares, dos serviços de saúde. Por exemplo, para se citar uma hipótese onde se poderia vislumbrar à primeira vista desvio, qual seja a de serviço de internet. Se este serviço serviu de apoio aos setores da Secretaria Municipal de Saúde não vislumbro improbidade, conceito ajustado a uma ação perpetrada com laivos de desonestidade. De outro lado, no que concerne ao pagamento supostamente indevido em favor de profissionais das Unidades de Saúde (médicos e odontólogos), os argumentos judiciais, de forma incontestável, demonstram a falha na atividade fiscalizadora da CGU. Irrespondíveis, tomo por empréstimo tais argumentos. Nesse último ponto, um melhor exame dos autos pelo autor evitaria sobrecarregar o Judiciário de um feito que, a meu sentir, por tal motivo não deveria ter sido ajuizado." 9. Inexistiu, pois, prova de nexo causal estritamente delituoso - único a justificar o sancionamento penal -, entre as noticiadas irregularidades procedimentais associadas, segundo a denúncia, à aplicação, em finalidade diversa, pelos ora apelados, das verbas públicas repassadas pelo Ministério da Saúde, por meio do Programa de Atenção Básica à Saúde, bem como quanto à realização de indevidos pagamentos - também segundo o Parquet - às equipes do Programa Saúde da Família, até mesmo porque houve, efetivamente, o perfazimento do objeto contratado, nos exatos valores objeto do repasse em causa, consoante se infere, inclusive, do teor do referenciado Acórdão, proferido em sede da AC nº 569.446/PB - improvimento do apelo ministerial -, em que se manteve a improcedência da correspondente Ação Civil Pública de Improbidade Administrativa, na qual foram réus os aqui apelados, consoante se infere da respectiva ementa do julgado emanado da Quarta Turma deste Regional, verbis: "APELAÇÃO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NÃO CARACTERIZAÇÃO. IMPROVIMENTO. I - Conforme a sentença, a aplicação de recursos incidiu sobre finalidades de interesse público, vinculadas, direta e indiretamente, a ações no âmbito da saúde pública, inclusive de atenção básica, afastando a incidência do art. 11, I, da Lei 8.4249/92, podendo revelar, nos termos da sentença, irregularidades, mas não improbidade, a qual pressupõe ação desonesta. II - Demonstração, por parte da sentença, de que as ausências ao serviço por médicos e odontólogos restaram justificadas, afastando a alegação de pagamento por serviço não prestado, conforme assentado, genericamente, pelo Ministério Público. III - Apelo a que se nega provimento." 10. Mais. Houve, sim, expressiva resposta estatal, ainda que não sancionatória, à aludida prática descrita na denúncia, a partir da deflagração, pela Administração Pública, dos procedimentos, formais, que redundaram na instauração da mencionada Ação de Improbidade Administrativa, sem, contudo, revelar a mesma qualquer desvalor na conduta dos gestores públicos  denunciados, fato que, entendemos, à luz do princípio da ultima ratio do Direito Penal, ser a mais razoável e proporcional a ter lugar em situações como a dos autos, de insignificante relevância penal. Como visto, ainda que considerada a independência entre as instâncias administrativa e penal, não há se falar, na delimitada hipótese dos autos, remanescer, para além do que fora apurado na aludida Ação de Improbidade Administrativa, qualquer fato punível - desvalor - juridicamente significante à incidência - obrigatória - da norma penal incriminadora. 11. Como visto, ainda que considerada a independência entre as instâncias administrativa e penal, não há se falar, na delimitada hipótese dos autos, remanescer, para além do que fora apurado na aludida Ação de Improbidade Administrativa, qualquer fato punível - desvalor - juridicamente significante à incidência - obrigatória - da norma penal incriminadora. É de se ter, ainda, nesse rastro, o posicionamento do Custos Legis, em seu Parecer: "Fica difícil atribuir aos imputados, enquanto gestores, por excelência, da política pública de saúde, no plano local, sobretudo num município de médio porte, como é o caso de Cajazeiras, na Paraíba, o ônus de ter que acompanhar a jornada de cumprimento de trabalho de todo e qualquer servidor, até porque essa questão, se responsabilidade houvesse, tem campo próprio de solução, que não a seara criminal." 12. Por não remanescer, obrigatoriamente, conduta punível subsumível aos tipos penais dispostos nos incisos III e V do art. 1º do Decreto-Lei nº 201/67, as meras disfunções administrativas tratadas nestes autos escapam, definitivamente, ao menos no presente caso, ao juízo criminal, por não evidenciarem o perfazimento das elementares típicas do delito em causa. Impõe-se, pois, manter as absolvições decretadas, considerando a inexpressiva lesividade ao tecido social como um todo, ausentes, ainda, provas efetivas de severos desvios da finalidade precípua do repasse das verbas federais destinadas aos programas de saúde em prol da municipalidade de Cajazeiras/PB, nem, tampouco, de locupletamento de recursos públicos pelos denunciados, ora apelados. 13. Sentença absolutória mantida em todos os seus termos. Apelação ministerial improvida.

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