Penal. Processual penal. Apelação criminal. Policial rodoviário federal. Operação Passadiço. Interceptações telefônicas. Licitude. Prorrogações. Possibilidade. Cerceamento do direito de defesa. Não ocorrência. Emendatio libelis. Possibilidade. Corrupção ativa. Advocacia administrativa. Tráfico de influência. Autoria e Materialidade demonstradas. Crimes próprios. Funcionário público. Fins penais. Aposentadoria posterior. Crimes de corrupção passiva, falsidade ideológica e Bando ou quadrilha. Não comprovação. Quebra de sigilo funcional. Aposentado. Impossibilidade no caso concreto. Absolvição. Continuidade delitiva. Concurso Material. Parcial provimento da apelação do réu. 1. Apelações Criminais interpostas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e pelo réu DILERMANDO HORA MENEZES em face de sentença prolatada pelo juízo da 7ª Vara Federal de Sergipe, que julgou parcialmente procedente a denúncia ministerial para condenar o acusado a uma pena privativa de liberdade de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de reclusão e 5 (meses) de detenção, além do pagamento de multa consistente em 120 (cento e vinte) dias-multa, tendo cada dia-multa o valor de 1/6 (um sexto) do salário mínimo vigente à época dos fatos, pela prática dos delitos capitulados nos art. 333, parágrafo único, do CP (corrupção ativa), art. 332 (tráfico de influência), art. 321, parágrafo único (advocacia administrativa qualificada) c/c art. 71 (continuidade delitiva), todos do Código Penal, absolvendo-o, todavia, da acusação referente à prática dos crimes previstos nos art. 317, §1º, do CP (corrupção passiva), art. 299, parágrafo único, do CP (falsidade ideológica qualificada) e art. 288, do CP (quadrilha ou bando). 2. Embora não se trate de direito absoluto, só se mostra possível admitir a quebra do sigilo das comunicações telefônicas quando não haja alternativa possível e viável às investigações criminais ou à instrução processual penal, devendo ser a quebra decretada pela autoridade judicial competente (art. 5º, XII da Carta Magna). 3. Pelo que se depreende da primeira representação formulada pela Polícia Federal, diante das prévias denúncias populares da prática delitiva por parte dos Policiais Rodoviários Federais, seguida de investigação interna que apurou o desligamento voluntário das câmeras de monitoramento dos postos, a única medida que se mostrava viável e eficaz para apuração dos crimes, naquelas circunstâncias, seria a pretendida escuta telefônica, notadamente porque a localização isolada dos postos policiais não possibilitava a montagem de campana para eventual flagrante dos delitos. Também o fato dos investigados se tratarem de policiais familiarizados com a rotina de investigações inviabilizava outras tradicionais formas de investigação, como infiltração de agentes, por exemplo. 4. Assim, em estrita observância aos termos da Lei nº 9.296/96, as interceptações telefônicas foram autorizadas por ordem judicial devidamente motivada, emanadas por autoridade judicial competente, sob segredo de justiça, inicialmente pelo prazo de 15 (quinze) dias. 5. A prorrogação do prazo de interceptação telefônica é possível tantas vezes quantas forem necessárias, desde que devidamente fundamentada pelo Juiz, ante a conveniência para as investigações, presentes os pressupostos da autorização, não havendo que se falar em limite máximo de quinze dias. Precedentes do STJ. 6. O STF assentou ser desnecessária a juntada do conteúdo integral das degravações das escutas telefônicas, sendo bastante que se tenham degravados os excertos necessários ao embasamento da denúncia oferecida. 7. A condenação do apelante não se deu exclusivamente pela escuta telefônica. Ainda que a referida prova se mostre de crucial importância para a solução da lide, a verdade é que o próprio réu confessou, tanto em juízo como na fase inquisitorial, a ocorrência dos fatos descritos na denúncia, o que, somado às demais provas testemunhais e, principalmente às interceptações, formaram o juízo de convencimento do magistrado a quo. 8. O contexto das conversas interceptadas, somado à própria confissão do réu, deixa claro que o apelante intermediou, perante um colega da Polícia Rodoviária Federal, a omissão quanto à fiscalização do veículo irregular de particular, prometendo recompensa a ser paga posteriormente, orientando a proprietária do veículo, inclusive, quanto aos valores a serem pagos a título de propina, conduta que se amolda ao parágrafo único do art. 333, do Código Penal (corrupção ativa), como bem decidido pelo juízo sentenciante. 9. Em relação ao crime de advocacia administrativa qualificada, restaram comprovadas a autoria e a materialidade de 6 condutas, pois, valendo-se de sua condição de policial rodoviário federal, solicitou a outros colegas que liberassem veículos irregulares de seus amigos e parentes em nome da amizade, sendo o seu pleito atendido, razão pela qual deve também ser mantida a condenação por este crime. 10. Salvo expressas exceções, como nos crimes de corrupção passiva e concussão, só responderá o agente público que estiver apto a fazer uso de seu cargo para cometer o delito. A utilização do “prestígio“ do aposentado não se mostra suficiente para o cometimento do crime próprio de advocacia administrativa. 11. Já a conclusão para os casos de licenças administrativas é outra. De acordo com o art. 327 do CP, considera-se funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função pública, ainda que transitoriamente ou sem remuneração. Nenhum dos afastamentos administrativos previstos na Lei nº 8.112/90 implica em desocupação do cargo, razão pela qual poderá ainda o agente se valer de sua condição para o cometimento do ilícito. 12. De acordo com a denúncia, no período de 6/8/2007 a 28/3/2008, o acusado esteve de licença médica, sendo aposentado no dia 28/3/2008. Assim, deve prevalecer a condenação penal por advocacia administrativa tão-somente em relação aos fatos ocorridos até o dia 27/3/2008. 13. Na hipótese, foi o réu condenado em decorrência de 7 (sete) episódios ocorridos nos dias 15/12/2007, 29/12/2007, 18/1/2008, 20/1/2008, 14/2/2008, 21/2/2008 e 31/3/2008. Assim, apenas em relação ao último fato que lhe foi imputado (referente ao pedido de não fiscalização de um veículo conduzido por um amigo alcoolizado), deve ser reformada a sentença para absolvê-lo. 14. Ainda, o apelante, utilizando-se de seu acesso e conhecimento perante seus colegas, tenta de todas as formas interceder em favor do particular para que não seja aplicada nenhuma penalidade administrativa (especialmente a retenção) em veículo trafegando sem a devida documentação, ao passo que, ao tratar com o particular, solicita-lhe favores, notadamente o fornecimento de peças mecânicas para seu veículo. O dolo do réu é patente ao afirmar que “você agiliza o meu e eu vou agilizar o seu“ e ainda “você resolve de um lado e eu resolvo do outro“. Em contato com os colegas, chega a apresentar o particular como seu primo, no afã de sensibilizar os demais agentes. A condita se amolda ao tipo do art. 332, caput, do CP (tráfico de influência), devendo ser mantida a condenação recorrida. 15. Finalmente, foi o réu condenado por haver divulgado, em pelo menos uma oportunidade, a escala de plantão de seus colegas para passagem tranqüila de veículo irregular. 16. Todavia, em relação à quebra do sigilo em si, assiste razão ao recorrente, eis que sua condição de aposentado à época dos fatos impediria a tipificação do crime. Na verdade, o acusado não teve acesso à escala de plantão na qualidade de policial rodoviário federal. A rigor, sequer teve acesso à escala, partindo sua informação exclusivamente baseada nos seus conhecimentos gerais oriundos dos anos de experiência na PRF de Sergipe, o que não é suficiente para a tipificação do delito em espeque, pois o agente não tinha o compromisso de sigilo em relação à informação. 17. O fato de o acusado ter conhecimento e aproximação com outros criminosos fardados na corporação ou até mesmo no seu posto de trabalho, não implica na caracterização do crime de quadrilha ou bando, pois, para tanto, necessária se faria uma mínima organização, convergência de vontades, repartição dos lucros, entre outros fatores característicos, nenhum deles comprovado nos autos. 18. Não se tem, igualmente, notícia de comando da suposta quadrilha ou sequer a identificação de seus integrantes. A única certeza obtida pelas provas colhidas, notadamente pelas escutas telefônicas, é que vários policiais rodoviários federais lotados no Estado de Sergipe, entre eles o acusado, valiam-se de seus cargos para obtenção de vantagens indevidas, pecuniárias ou não, sabendo-se entre eles quais dos colegas seriam coniventes e/ou praticantes de irregularidades, mas sem o necessário dolo de associação ou prévio ajuste de condutas. 19. Legítima a cassação de aposentadoria do réu que teve declarada a perda do cargo, como efeito extrapenal da condenação, por crime cometido na atividade. Precedente do STJ. 20. É inconcebível que um servidor público - sobretudo da área policial, que tem, em grau muito mais elevado do que a média dos agentes públicos, o dever de velar pela legislação penal - perpetre advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, formação de bando e outros delitos e assevere que essas condutas são “insignificantes“, não despertando reprovabilidade social. 21. Em relação à fração do aumento decorrente da aplicação do art. 71 do CP (continuidade delitiva), havendo sido o réu absolvido pelo episódio do dia 31/3/2008, diante do quantitativo restante de eventos (6), faz-se justa a minoração de 2/3 para 1/2. Dessa forma, a pena base, fixada no mínimo legal (3 meses de detenção), deverá ser aumentada em 1 mês e quinze dias, tornando-as definitiva em 4 meses e 15 dias de detenção. 22. Não provimento da apelação do Ministério Público e provimento parcial da apelação da defesa, para absolver o réu de 1 dos 7 delitos de advocacia administrativa, reduzindo proporcionalmente a majorante do art. 71 do CP e absolvê-lo do crime de quebra de sigilo profissional.
Rel. Des. Manoel De Oliveira Erhardt
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