Penal. Processual penal. Crimes licitatórios. Arts. 89, 90, 92 e 96, i da lei nº 8.666/93. Recurso Do ministério público visando a condenação dos réus absolvidos na sentença. Ausência De prova da autoria delitiva. Desprovimento. Cerceamento de defesa pelo Indeferimento de oitiva de testemunha não configurado. Ausência de nulidade. Declaração de ofício da extinção da punibilidade pela prescrição retroativa das penas Privativas de liberdade arbitradas pela prática dos crimes previstos nos arts. 90 e 92, da Lei nº 8.666/93. Convênio com o ministério da educação. Merenda escolar. Dispensa Indevida de licitação, valores superiores aos do mercado. Materialidade e autoria Provadas com relação aos arts. 89 e 96, i, da lei nº 8.666/93. Dosimetria da pena. Duas Circunstâncias judiciais do art. 59, do cp desfavoráveis a dois dos réus. Pena base fixada Acima do mínimo legal. Possibilidade. Réu que teve a pena fixada no mínimo legal. Impossibilidade de reduçaõ da pena abaixo do mínimo. Aplicação da súmula nº 231, do stj. Apelação dos réus e do ministério público federal. Improvidas 1. Fatos que envolvem o fornecimento de merenda escolar ao Município de Fortaleza/CE, com a utilização indevida de verbas públicas do Ministério da Educação, que ocorreu com a dispensa indevida de licitação fora das hipóteses legais, bem como fraude e superfaturamento dos gêneros alimentícios, imputando a Denúncia aos Réus os crimes tipificados nos arts. 89, 90, 91, 92 e 96, da Lei nº 8.666/93, 288, do Código Penal e 1º, § 1º, II, da Lei nº 9.613/98. 2. Sentença que julgou procedente em parte o pedido, para, inicialmente, absolver os Réus José Cals Gaspar Júnior, Alexandre de Castro Carls Gaspar, Davi Bezerra Neto, Francisco Robério Rodrigues Romero de todas as imputações; Jessé Bezerra de Araújo das condutas típicas descritas no 91, I, da Lei nº 8.666/93 e do art. 1º, V, da Lei nº 9.613/98; e Rose Mary Freitas Maciel dos crimes previstos nos arts. 91, I, da Lei nº 8.666/93 e 89, da Lei nº 8.666/93), e José Sérgio Teixeira Benevides e Francisco Vilmar Pinto do delito previsto no art. 92, da Lei nº 8.666/93, e condenar Jessé Bezerra de Araújo pela prática dos delitos dos arts. 89, 90 e 92 da Lei n º 8.666/93, e José Sérgio Teixeira Benevides e Francisco Vilmar Pinto dos crimes descritos nos arts. 89, 90 e 96, I da Lei nº 8.666/93. 3. Recurso do Ministério Público Federal que requer a condenação de Alexandre Castro Cals Gaspar, procurador da empresa J&D Comercial Ltda. fornecedora de merenda escolar à Prefeitura de Fortaleza/CE nos crimes previstos nos arts. 89, 91, 92, 95 e 96, I, da Lei nº 8.666/93 e no art. art. 1º, § 1º, II, da Lei nº 9.613/98; Rose Mary Freitas Maciel, na qualidade de Secretária do Desenvolvimento Social do Município de Fortaleza, cargo assumido em junho de 1999, como responsável pela contratação das empresas sem o devido procedimento licitatório nos delitos dos arts. 89 e 96, I ,d a Lei nº 8.666/93, e de Francisco Romero Robério, responsável pela empresa Hortofácil, do Estado do Paraná, que teria utilizado a empresa para depositar e sacar os cheques recebidos das outras firmas para os Corréus Sérgio Benevides, Francisco Vilmar e Alexandre Gaspar, adquirirem diversos imóveis e móveis, requerendo a condenação deles nos crimes previstos no art. 1º, § 1º, II, da Lei nº 9.613/98. 4. Provas dos autos que não indicam a participação dolosa de Alexandre Castro Cals Gaspar, Rose Mary Freitas Maciel e Francisco Robério nos crimes licitatórios ou de lavagem de dinheiro. 5. Alexandre de Castro Cals Gaspar era mero empregado da J&D fornecedora de alimentos, sem poder de decidir as táticas assumidas pela empresa, subordinado ao Corréu Jessé Araújo, tendo agido no intuito de buscar soluções operacionais para a J&D, ao buscar uma parceria com a empresa Hortofácil para a entrega de suprimentos para a merenda escolar, restringindose a cumprir suas atribuições funcionais, sem participação nos procedimentos licitatórios. 6. Francisco Robério Rodrigues Romero, que à época dos fatos trabalhava com recolhimento de lixo da Prefeitura de Fortaleza/CE, teve participação pontual, restrita a uma procuração da Hortofácil e a depósitos bancários efetivados em sua conta corrente, em nome da amizade que tinha com Sérgio Benevides, não tendo se beneficiado com o dinheiro do Convênio ou recebido qualquer comissão, desconhecendo a origem do dinheiro que era depositada em sua conta, acreditando apenas que fazia um favor a uma pessoa influente da Prefeitura e a procuração dada pela Hortofácil não fora utilizada ou tivera qualquer relevância nos fatos além de sua mera existência. 7. Rose Mary Freitas Maciel assumiu a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social em junho de 1999, respondendo por três setores (Saúde, Educação e Assistência Social), cujo excesso de trabalho impossibilitava o controle direto de todas as atividades exercidas, não tendo agido com dolo de burlar a Lei de Licitações ao homologou a dispensa de licitação em dezembro de 1999, resultando na contratação com a Hortafácil, pois visava apenas aproveitar os recursos liberados pelo Governo Federal nos dias 30 de novembro e 1º de dezembro de 99, para não correr o risco de ter de devolver os recursos, deixando os alunos da rede municipal, no período de janeiro a maio de 2000, sem merenda, uma vez que não existia outra fonte financeira para a merenda, dando continuidade à política de dispensa de licitação que ela encontrou quando assumiu o cargo. 8. Apelações de Jessé Bezerra de Araújo, condenado pela prática dos delitos dos arts. 89, 90 e 92 da Lei n º 8.666/93, e José Sérgio Teixeira Benevides e Francisco Vilmar Pinto, condenados pelos crimes descritos nos arts. 89, 90 e 96, I da Lei nº 8.666/93, sustentando a nulidade da sentença pelo cerceamento de defesa em face do indeferimento da oitiva de testemunhas por eles indicados, pela ausência de provas da autoria do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93 e da impossibilidade de prática do crime previsto no art. 96, I, do CP, porque seria crime próprio, restrito ao licitante ou contratante, e eles seriam meros intermediários entre as empresas e a prefeitura, conduta perfeitamente legítima. 9. Apelantes José Sérgio Teixeira Benevides e Francisco Vilmar Pinto condenados, na sentença, às penas de 03 (três) anos de detenção e 02 (dois) anos de detenção pela prática do crime previsto no art. 90, da Lei nº 8.666/93 e Jessé Bezerra de Araújo às penas de 02 anos de detenção pela prática do crime previsto no art. 90, da Lei nº 8.666/93 e de 02 (dois) anos de detenção, para o crime previsto no art. 92, da Lei nº 8.666/93. 10. Os lapsos temporais a serem considerado são os previstos no art. 109, IV e V, do Código Penal, ou seja, 04 (quatro) anos para a hipótese de o máximo da pena fixada não exceder 04 (quatro) anos de reclusão, e 08 (oito) anos para a hipótese de o máximo da pena fixada não exceder 04 (quatro) anos de reclusão. 11. Entre a data do último fato delituoso referente ao crime do art. 90, da Lei nº 8.666/93 (ano de 1998) e a data do recebimento da denúncia (10.10.2007) com trânsito em julgado da sentença para a Acusação, transcorreram mais de 09 (nove) anos. Com relação ao crime previsto no art. 92, da Lei nº 8.666/93, entre a data do último fato delituoso (ano de 2000) e a data do recebimento da denúncia (10.10.2007) com trânsito em julgado da sentença para a Acusação, transcorreram mais de 06 (seis) anos. 12. Prescrição concretizada pela pena em concreto, uma vez que, às penas imputadas aos Apelantes com relação aos arts. 90 e 92, da Lei nº 8.666/93, correspondem os prazo prescricionais de 08 (oito) e 04 (quatro) anos, ex vi do disposto no art. 110, do Código Penal, período que foi ultrapassado, considerando-se o intervalo entre a data dos fatos delituosos (1998 e 2000) e a do recebimento da denúncia (10.10.2007). Extinção da punibilidade que se declara apenas para as penas dos crimes do art. 90 e 92, da Lei nº 8.666/93. 13. Cerceamento ao direito de defesa não configurado pelo indeferimento do pedido de oitiva de testemunha e de substituição da mesma, porquanto cabe ao Juiz decidir pela conveniência e necessidade das diligências previstas no art. 499 (hoje art. 402), CPP, devendo desconsiderá-las quando entender que são meramente procrastinatórias. 14. Provas da materialidade e da autoria delitiva, com relação ao crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93. No período auditado em que ocorreram os fatos (1998-2000), foram repassados recursos da ordem de R$ 10.824.955,40 (valores nominais), sendo que, em média, 63,3% das aquisições foram realizadas por dispensa de licitação, o que representa R$ 6.467.070,00. 15. Entre as condutas, destaca-se a dispensa de licitação na qual a empresa J&D vendeu R$ 218.291,43 de alimentos, cujo representaten era Jessé Araújo, recebeu o pagamento em abril de 1999 e somente sete meses depois, em novembro de 1999, a mercadoria foi integralmente entregue. Adicione-se a esse elemento o fato de ter havido superfaturamento e, mais, não entrega integral de parte da mercadoria paga com recursos da merenda escolar, bem como as NF''s 51, 52, 57, e 58 que foram integralmente pagas em dezembro de 1998, no valor de R$ 216.483,43, tendo a entrega ocorrido apenas em novembro de 1999, quase um ano após o recebimento do valor, consubstanciando-se a prática de pagar antecipadamente, contrariando o art. 62 da Lei nº 4.320/64. 16. Provas de que Francisco Vilmar e Sérgio Benevides, então Deputado e parente do Prefeito de Fortaleza/CE à época dos fatos, receberam cheques em valor entre R$ 77.000,00 e R$ 80.000,00, correspondente à comissão por eles terer servido de intermediários entre as empresas fornecedoras de gêneros alimentícios para a merenda escolar e a Prefeitura de Fortaleza- CE, favorecendo empresas sem licitação e com produtos superfaturados. Corréu Jessé Bezerra de Araújo, proprietário de pessoa jurídica beneficiada (J&D), que afirmou pagar comissões para que fosse viabilizada a oferta de seus produtos à Prefeitura Municipal de Fortaleza/CE. 17. A conduta delitiva descrita no inciso I, do art. 96, da Lei nº 8.666/93, pode ser praticada por qualquer outra pessoa, além do licitante e do contratado, que haja intermediado ou participado do ato de entrega da mercadoria ou da alteração desta, o que implica no reconhecimento de que, nestas ações, o verbo do tipo penal permite concluir que se trata de crime comum. Além dsso, ausente qualquer impedimento a que haja concurso de agentes no âmbito da prática prevista no art. 96, inciso I, da Lei nº 8.666/93, bastando que seja provado o dolo do co-autor ou partícipe em colaborar para a prática do ato incriminado. 18. Com relação a Sérgio Benevides, a r. sentença, em atenção às circunstâncias judiciais previstas no art. 59, do CP, fixou as penas-bases dos crimes dos arts. 89 e 96, I da Lei nº 8.666/93 em 01 (um) ano acima do mínimo legal (quatro anos), por as haver valorado negativamente. O Apelante, no que toca à conduta social e consequências do delito granjeou conceito desfavorável relativo às circunstâncias judiciais, o que autoriza a fixação da pena-base em quantum acima do mínimo legal, conforme já decidiu o egrégio Superior Tribunal de Justiça (HC 25341/SP - T5 - Rel. Min. Gilson Dipp - DJ 22/04/2003 - p. 245). 19. Embora o cálculo da pena-base não seja necessariamente uma operação de aritmética entre o máximo e o mínimo legal, pode o juiz, de modo justificado, atribuir maior peso a determinadas circunstâncias diante das peculiaridades do caso. Precedentes do STJ. 20. Manutenção das penas de Sérgio Benevides em 04 (quatro) anos de detenção, para o crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93 e 04 (quatro) anos de detenção, para o delito disposto no art. 96, I, da Lei nº 8.666/93 tornada definitiva à míngua de agravantes e atenuantes e causas de aumento ou de diminuição de pena e da pena de multa em 600 (seiscentos) diasmulta, mantido o valor de 300 (trezentos) para cada delito, cada um deles no valor de 1/10 (um décimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 21. Francisco Vilmar Pinto teve as penas-bases dos crimes dos arts. 89 e 96, I da Lei nº 8.666/93 no mínimo legal, em face da valoração positiva dos requisitos do art. 59, do CP. Manutenção da condenação em 03 (três) anos de detenção, para o crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93 e 03 (três) anos de detenção, para o delito previsto no art. 96, I, da Lei nº 8.666/93, e da pena de multa em 20 (vinte) dias-multa, sendo 10 (dez) para cada delito, cada um deles no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 22. Para Jessé Bezerra de Araújo, persiste apenas a condenação ao mínimo legal de 03 (três) anos de detenção, pela prática do crime previsto no art. 89, da Lei nº 8.666/93, em face da extinção da punibilidade pela declaração da prescrição retroativa com relação aos crimes previstos nos arts. 90 e 92, da Lei nº 8.666/93. Apelante que requereu a redução da pena, em face da presença da atenuante da confissão espontânea, prevista no art. 65, III, “d“, do Código Penal. Aplicação da Súmula nº 321, do STJ “A incidência de circunstância atenuante não pode conduzir a redução da pena abaixo do mínimo legal“. Manutenção da pena privativa de liberdade e de multa de 10 (dez) dias-multa, cada um deles no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época dos fatos. 23. Substituição da pena privativa de liberdade de Jessé Bezerra da Silva por duas penas restritivas de direitos, a serem indicadas pelo Juízo das Execuções Penais, nos termos do art. 44, do Código Penal. 24. Declaração, de ofício, da extinção da punibilidade da pena privativa de liberdade dos Réus quanto ao crime previsto no art. 90, da Lei 8.666/93, e apenas com relação a Jessé Bezerra da Silva, a extinção da punibilidade do crime dos crimes do art. 90 e 92, da Lei nº 8.666/93, em face da consumação da prescrição retroativa (pela pena em concreto), nos termos dos arts. 110, §§ 1º e 2º, c/c art. 109, inciso IV e V, todos do Código Penal . 24. Apelações do MPF e dos Réus improvidas. Concessão de “habeas corpus“ de ofício apenas para substituir a pena privativa de liberdade de Jessé Bezerra da Silva por duas penas restritivas de direitos.
Relator : Desembargador Federal Geraldo Apoliano