ACR – 9578/CE – 2004.81.00.016088-0 [0016088-48.2004.4.05.8100]

RELATOR : DESEMBARGADOR FEDERAL IVAN LIRA DE CARVALHO -  

Penal e processual penal. Crime contra o sistema financeiro nacional. Art. 16 da lei nº 7.492/1986. Crime de estelionato. Art. 171 do código penal. Crime de Quadrilha. Art. 288 do código penal. Esquema delitivo com estruturação voltada Para a prática criminosa. Consciência e vontade. Presença de liame subjetivo. Duração e permanência. Apelação do ministério público provida. Prescrição. Penas Fixadas na sentença e em sede de apelação do órgão acusador. Hipótese do art. 109, v, Do código penal. Transcurso de quadriênio necessário. Ocorrência. Extinção da Punibilidade. I. Noticia a denúncia a a atividade da sociedade Só Bens Sistema Nacional de Habitação, nome de fantasia Só Bens - Sociedade Civil S/C, que passou a atuar na praça de Fortaleza/CE, oferecendo promessa de crédito fácil, sem burocracia e sob condições supostamente mais vantajosas que aquelas apresentadas pelas financeiras e consórcios regulares, para concretizar o sonho da casa própria e/ou a aquisição de bens e equipamentos móveis como eletrodomésticos e veículos automotores, contudo constatando tratar-se de um golpe aplicado pela referida empresa em pelo menos 138 (cento e trinta e oito) pessoas documentadas nos autos, incidindo os acusados no tipificado no art. 16 da Lei nº 7.492/1986, no art. 171 c/c 71 e no art. 288, todos do Código Penal, vindo ao final a sentença condenar, pelo cometimento dos crimes do art. 16 da Lei nº 7.492/1986, do art. 171 c/c art. 71, bem como do art. 288, todos do Código Penal, em concurso material, os réus Alan Estrela Malafaya, às penas de 8 (oito) anos de reclusão e de 183 (cento e oitenta e três) dias multa, ao valor de 1 (um) salário mínimo; e Márcio Jardim Gusmão e Luiz Carlos de Sousa, ambos às penas de 6 (seis) anos e 10 (dez) meses de reclusão e de 116 (cento e dezesseis) dias-multa, ao valor de 1/2 (metade) do salário mínimo; condenar o réu Valdirley Hudson Ferreira, pelo cometimento dos crimes do art. 16 da Lei nº 7.492/1986 e do art. 171 c/c art. 71, ambos do Código Penal, às penas de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de reclusão e de 183 (cento e oitenta e três) dias-multa, ao valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo, absolvendo-o do crime de quadrilha, na forma do art. 386, VII, do Código de Processo Penal. II. Em seu apelo o órgão acusador insurge-se unicamente contra a absolvição do acusado Valdirley Hudson Ferreira pelo crime de quadrilha, pretendendo a reforma da sentença, nessa parte, para ser o réu condenado também pela prática do tipificado no art. 288 do Código Penal; enquanto que a defesa, em síntese, a inépcia da peça acusatória, por não individualizar a conduta de cada um dos ali nominados; a não ratificação em juízo da prova colhida em sede inquisitorial; atipicidade da conduta quanto ao crime do art. 16 da Lei nº 7.492/1986; quanto ao crime do art. 171 do Código Penal, a peça acusatória não narra qual o ardil ou o meio fraudulento utilizado, nem mesmo em que constituiu a obtenção de vantagem indevida ou ilícita; não configuração do crime de quadrilha; violação do sistema trifásico quando da dosimetria da pena; e haver sido considerados, para a dosagem da pena, antecedentes criminais sem trânsito em julgado. III. Ainda que a sentença demonstre ausência de prova suficiente ao vínculo associativo do acusado Valdirley Hudson Ferreira com os demais, é de se considerar, para a sua condenação pelo tipificado no art. 16 da Lei nº 7.492/1986, o reconhecimento de uma atividade de administração e gerência, além do que, todos os denunciados, oriundos de Goiania/GO, ao se deslocar para Fortaleza/CE, não tinham um simples propósito de ali atuar empresarialmente, mas sim com um fim criminoso, em claro liame subjetivo entre eles, além do que, concluir-se diferentemente de uma estruturação voltada para a prática criminosa, bem como sua habitualidade, é contrariar todo o conjunto probatório colacionado aos autos, pelo que é de se acolher o apelo manejado pelo órgão ministerial para, reformando a sentença neste ponto, condenar o réu pelo crime de quadrilha. IV. Apelação do Ministério Público Federal provida para, reformando a sentença neste ponto, condenar o réu Valdirley Hudson Ferreira pela prática do crime do art. 288 do Código Penal, fixando-lhe a pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de reclusão. V. A peça acusatória atende aos requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal, narrando os fatos de forma a permitir aos ali nominados o exercício do contraditório e da ampla defesa, situação essa, aliás, perfeitamente demonstrada nos autos, sendo produzidas as peças sem qualquer cunho genérico, mas sim em contraposição ao ali noticiado. Ademais, tratando-se de crime societário, não se mostra necessária uma minuciosa e individualizada descrição do agir, mas sim a demonstração da conduta delitiva que se imputa aos denunciados. VI. O detalhamento formulado no édito condenatório, destacando as provas colhidas na instrução processual e, a partir dali, firmando a sua convicção, afasta qualquer mácula por apontada utilização de provas obtidas em sede administrativa, sem sua ratificação em juízo. VII. A tipicidade da conduta descrita no art. 16 da Lei nº 7.492/1986 resta demonstrada ao se constatar, pelo carreado aos autos, que os réus buscam eximir-se de qualquer responsabilidade, intitulando-se apenas vendedores e que os demais corréus seriam detentores das funções de administração da empresa, situação essa constatada de forma lúcida na sentença, a par dos interrogatórios colhidos em juízo, e corroborada pelas demais provas carreadas, notadamente as declarações trazidas pelas testemunhas arroladas, a partir do que se firma a convicção de recair sobre todos os corréus a responsabilidade penal, na forma do art. 25 do mesmo diploma legal, e que a empresa por eles administrada, que operava sem a devida autorização, equiparava-se à instituição financeira na medida em que se apresentava ao público oferecendo promessa de crédito fácil, sem burocracia e sob condições supostamente mais vantajosas que aquelas apresentadas pelas financeiras e consórcios regulares, para concretizar o sonho da casa própria e/ou a aquisição de bens e equipamentos móveis como eletrodomésticos e veículos automotores. VIII. O crime estelionato resta comprovado quando se observa que o interessado em obter as "facilidades ofertadas" pela empresa deveria aderir à sociedade em conta de participação, mediante a integralização imediata de 5% (cinco por cento) do valor do fundo social, o que na prática correspondia ao valor da carta de crédito requerida para, em seguida, pagar o restante do capital solicitado em um plano de até 150 (cento e cinquenta) meses, com a condição de que, após o pagamento da quarta parcela, o novo sócio entraria em uma fila para recebimento do fundo social, por ordem cronológica, no prazo de 12 (doze) meses, o que não veio a acontecer, constatando tratar-se de um golpe aplicado pela referida empresa em pelo menos 138 (cento e trinta e oito) pessoas documentadas nos autos. IX. O sopesamento das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal não traz qualquer mácula, quando se observa a fixação da pena-base em quantum posicionado entre os patamares mínimo e mediano diante da presença, em desfavor dos corréus, do alto grau de reprovabilidade na conduta, dolo intenso, motivo, circunstâncias e consequências do crime. X. O apontado uso de processos criminais sem trânsito em julgado não foi pontuado, em desfavor dos corréus, como antecedentes, mas sim para intensificar a análise de uma personalidade voltada para a ilicitude, contudo não sendo esta circunstância a determinante para a fixação da pena-base nos moldes da sentença, mas todo o conjunto, de onde, repitase, destacam-se o do alto grau de reprovabilidade na conduta, dolo intenso, motivo, circunstâncias e consequências do crime. XI. Inaplicável ao caso concreto a redação trazida à codificação penal a Lei nº 12.234/2010, por posterior aos fatos narrados na denúncia (junho/2003 a junho/2004) e em prejuízo dos réus. XII. Superado em quase 6 (seis) anos o lapso temporal entre as datas da consumação dos fatos delitivos (junho/2004) e do recebimento da denúncia (18 de fevereiro de 2010), verifica-se a ocorrência da prescrição, por incidir a hipótese do art.109, V, do Código Penal, quanto ao crime do art. 16 da Lei nº 7.492/1986, em relação aos corréus Márcio Jardim Gusmão, Luiz Carlos de Sousa e Valdirley Hudson Ferreira, e quanto ao crime do art. 288 do Código Penal em relação a todos os corréus, com a consequente extinção da punibilidade, persistindo a pretensão quanto às demais condutas (art. 16 da Lei nº 7.492/1986, quanto a Alan Estrela Malafaya, e art. 171 c/c 71, ambos do Código Penal, quanto à totalidade dos corréus). 

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