Penal. Processo penal. Tráfico internacional de pessoas. Art. 231, caput, do Cpb. Teoria da atividade. Norma penal vigente na época dos fatos. Redação atual. Ampliativa. Aplicação. Prostituição. Ato de exploração sexual. Atipicidade. Sentença Mantida. Recurso improvido. 1. O MPF ofereceu denúncia em desfavor de KAREEN SONIA OPAZO GONZALEZ e ARILÚCIO ARAÚJO DE AZEVEDO pelo cometimento, em tese, dos crimes previstos no art. 231, caput, do CPB (por dezesseis vezes); art. 231, caput, do CPB, c/c art. 14, II, todos do CPB (por cinco vezes); bem como art. 288, caput, do CPB, todos em concurso material (art. 69 do CPB). 2. Para tanto, aduziu o parquet que os acusados, de modo consciente e voluntário, nos idos de 2005/2006, teriam integrado organização criminosa que tinha por objetivo providenciar o envio de mulheres brasileiras a Portugal para que lá exercessem a prostituição. As aludidas mulheres eram "contratadas" para trabalharem em casas noturnas localizadas em Portugal e conhecidas como "casas de alternes", onde recebiam para acompanhar os clientes enquanto esses bebiam, ganhando parte do lucro obtido com a venda de bebidas. Segundo a acusação, por vezes, as moças eram convidadas pelos clientes para realizarem programas sexuais, chegando mesmo a serem bolinadas em partes íntimas enquanto os acompanhavam nas bebidas. A saída das mulheres para o exterior - a maioria delas, dançarinas - era proporcionada pelos acusados, cabendo à KAREEN os contratos e a ARILÚCIO o aliciamento com proposta de trabalho. 3. Assim, compondo bando formado também por outros agentes, os acusados teriam chegado a enviar dezesseis mulheres para o exterior para fins exercerem a prostituição, consumando assim o crime previsto no art. 231, caput, do CPB. Também teriam tentado enviar mais cinco mulheres com a mesma finalidade, ocasião em que a acusada foi presa em flagrante, perpetrando assim o crime previsto no art. 231, caput, do CPB em sua forma tentada. 4. Após a merecida instrução, todavia, o juízo exarou sentença absolutória, ao argumento de que, após apreciar todas as provas, não teria restado suficientemente comprovado que as supostas vítimas eram enviadas para o estrangeiro com o fito de exercerem a prostituição. Ainda segundo o magistrado de primeiro grau, na realidade, as moças eram contrataras apenas para acompanharem os homens enquanto estes bebiam nas "casas de alterne", recebendo de acordo com o valor das bebidas vendidas e em momento algum sendo compelidas a praticarem a prostituição. Também não teria restado comprovado que os acusados retinham os documentos das moças, tampouco as obrigavam a ficar trabalhando no local, impedindo-as de regressarem ao Brasil. Assim, diante da ausência de provas do cometimento do crime previsto no art. 231, caput, do CPB, imperiosa seria a absolvição. Da mesma forma, improcedente também seria a condenação pelo crime previsto no art. 288 do CPB, já que a organização da qual os acusados participavam não tinha por finalidade perpetrar crimes. 5. Inconformado, o MPF recorreu da sentença, sob os seguintes fundamentos: 1) o crime previsto no art. 231, caput, do CPB seria formal, consumando-se com a simples promoção, intermediação ou facilitação da saída de pessoas do país com o fito de exercerem a prostituição no estrangeiro, sendo, portanto, irrelevante se, de fato, vieram a exercê-la; 2) nos autos, existiriam sim provas de que as mulheres haviam sido aliciadas e enviadas para Portugal pelos réus com a finalidade de lá exercerem a prostituição, pouco importando se, de fato, chegaram a exercê-la; 3) a prostituição não se resumiria ao ato sexual marcado pela conjunção carnal mediante pagamento, configurando-a, portanto, a prática de qualquer ato libidinoso destinado a satisfação sexual de outrem, que figurasse como prestador de serviços, o que tornaria ainda mais evidente a materialidade e autoria delitivas, nos moldes sinalados pela acusação. 6. Cumpre rememorar alguns postulados do Direito Penal Pátrio, dentre eles o insculpido no art. 4º do CPB, que trata do tempo do crime. Como claramente se infere do dispositivo, o CPB adotou a Teoria da Atividade, segundo a qual o crime se considera praticado no momento da conduta - comissiva ou omissiva -, ainda que o resultado ocorra em momento diverso. Tal teoria - Teoria da Atividade - tem repercussões bastante relevantes na aplicação da lei penal, sobretudo quando se mostra imperioso perquirir a legislação a ser considerada como regente do caso sob apuração. 7. Atentando para o caso dos autos, tendo as condutas havidas por delituosas, em tese, ocorrido nos idos de 2006, é certo que se deve perquirir a redação do tipo penal previsto no art. 231, caput, do CPB naquela data e não na atual. É que, no Direito Penal, vigora o princípio da irretroatividade da lei penal, a menos que seja para beneficiar o réu (art. 5º, LX, da CF). 8. Na atualidade, o art. 231 do CPB - com a alteração promovida pela Lei nº 12.015, de 2009 -, considera consumado o crime de tráfico internacional de pessoas quando alguém promove ou facilita a entrada ou saída de alguém do país com a finalidade clara de exercer a prostituição ou outra forma de exploração sexual. A finalidade da entrada/saída, atentando para a redação atual do dispositivo, portanto, é mais abrangente que a de outrora: não apenas o exercício da prostituição, mas qualquer outra forma de exploração sexual antevista é suficiente para tipificar a prática daquele que promove ou facilita a entrada/saída de alguém do território nacional, consoante a nova redação. 9. Já na redação anterior, estipulada pela Lei n.º 11.106, de 2005, a finalidade da entrada/saída era o exercício da prostituição, não se cogitando em configuração do crime previsto no art. 231 do CPB quando a pessoa era vítima de outra forma de exploração sexual diferente daquela, como arremata a atual redação (2009). 10. Os fatos havidos por delituosos nos presentes autos remontam aos idos de 2006/2007, sob a égide, pois, da redação anterior, acima declinada. Dessa constatação, chega-se à outra: os apelados somente poderiam ser condenados pelo crime previsto no art. 231, caput, do CPB caso restasse comprovado que promoveram a saída das mulheres para Portugal com a finalidade específica de lá exercerem a prostituição e não apenas outra forma de exploração sexual. 11. Das provas carreadas, restou comprovado que, de fato, os apelados viabilizaram o envio das jovens para o exterior. Todavia, não restou suficientemente esclarecido se a finalidade almejada era a prostituição. Aliás, ao que tudo indica, as mulheres eram contratadas para laborarem em casas noturnas conhecidas como "casas de alternes", fazendo companhia aos homens nas mesas e ganhando pela bebida servida. Ainda que tal prática - inclusive levando em conta eventuais excessos dos "clientes" - pudesse ser considerada forma de exploração sexual, é fato que não se confunde com a prostituição. Não se está aqui afastando o fato de esse tipo de atividade ser prática de exploração sexual. Ocorre que, como visto, na época dos fatos (2006/2007), o crime previsto no art. 231 do CPB somente se configurava quando a finalidade da entrada/saída era a prostituição. 12. É fato que, nos dias atuais, caso comprovado o envio de mulheres para Portugal - ou outro país qualquer - com a finalidade de trabalharem em casas de "alternes", a conduta poderia ser tipificado no art. 231, caput, do CPB, com a redação trazida pela Lei nº 12.015, de 2009. Todavia, tendo em conta a Teoria da Atividade e, sobretudo, a impossibilidade de a lei penal retroagir para prejudicar o réu, no caso em apreço, impossível tal interpretação. 13. Sentença mantida. 14. Recurso improvido.
REL. DES. FERNANDO BRAGA
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