RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO -
PENAL E PROCESSO PENAL. AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA. CRIME CONTRA A ORDEM TRIBUTÁRIA. ART. 1º, I, DA LEI Nº 8.137/90. PRIMEIRO RÉU DEPUTADO ESTADUAL. COMPETÊNCIA TRF. QUESTÃO DE ORDEM NA AÇÃO PENAL Nº 937. MARCO TEMPORAL. MULTA POR ABANDONO DO PROCESSO. INAPLICÁVEL. SEGUNDO RÉU "LARANJA". MATERIALIDADE COMPROVADA. AUSÊNCIA DE PROVA DO DOLO. ABSOLVIÇÃO. 1. Cuida-se de ação penal proposta pelo Ministério Público Federal em face de J.S.S. e F.A.A, imputando-lhes a prática do crime previsto no art. 1º, inciso I, da Lei 8.137/90, c/c arts. 29 e 69 do Código Penal. 2. Segundo a narrativa constante da denúncia, os acusados J.S.S e F.A.A, este na condição de titular da firma individual F.A.A. (CNJP 02.865.385/0001-85), enquanto o primeiro como suposto proprietário/sócio-gerente de fato da mencionada firma, teriam omitido, livre e conscientemente, rendimentos auferidos nos anos-calendário 1999, 2000, 2001 e 2002, suprimindo o pagamento de tributos federais. 3. O STF estabeleceu um marco temporal a partir do qual a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente deixar o cargo que ocupava. No caso, a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais se deu em 30/11/2017, data anterior à decisão do STF (julgado em 03.05.2018), que adotou o novo entendimento com eficácia ex nunc, devendo ser prorrogada a competência para julgamento da presente ação, conforme fixado no próprio precedente que resultou na Questão de Ordem na Ação Penal nº 937 4. Para configuração do instituto do abandono processual, faz-se necessária a presença do animus de definitividade, que se dá quando o advogado, sem motivo imperioso, deixa de promover os atos e diligências que lhe competiam durante o curso processual, de maneira reiterada, demonstrando a vontade de não atuar em favor daquele que é parte no processo. No entanto, a omissão na prática de um único ato processual, quando a intimação se deu apenas por publicação, inviabiliza a aplicação da referida penalidade, máxime quando sequer foi oportunizado ao causídico o exercício do direito de resposta. Como se não bastasse, cabe ressaltar que, embora tenha apresentado procuração nos autos, o referido advogado informou, por ocasião da audiência de instrução, que a defesa do acusado F.A.A estava sendo patrocinada pelo Núcleo de Prática da OAB de Caicó/RN. E, acerca deste ponto, o Superior Tribunal de Justiça tem precedentes no sentido de que, os Núcleos de Prática Jurídica, possuem a prerrogativa de intimação pessoal, por exercerem atividade equivalente à de Defensor Público, sendo insuficiente a intimação apenas por publicação (STJ - Resp: 957220, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJe07/04/2010). 5. Na hipótese, a materialidade delitiva restou comprovada por meio de provas documentais constantes do inquérito policial, em especial a Representação Fiscal para Fins Penais e demais documentos que a acompanham, especialmente os Autos de Infração e as Declarações de Imposto de Renda da Pessoa Física. Com efeito, as informações colhidas no Relatório Fiscal oriundo de convênio firmado entre a Secretaria da Receita Federal e o Governo do Estado da Paraíba, dão conta de que a firma individual declarou ao Fisco Estadual, nos anos de 1999 a 2002, receitas na ordem de R$ 9.129.541,60. 6. A constituição do crédito tributário se deu em 27 e 28/08/2003, tendo sido apurado um montante devido de R$ 2.845.830,87, referentes aos tributos IRPJ (R$ 786.834,82), CSLL (R$ 414.099,01), PIS (R$ 258.022,29), COFINS (R$ 1.190.874,56), SIMPLES (R$196.000,19), conforme se verifica dos autos do IPL anexo. 7. A configuração do tipo penal traçado no inciso I do art. 1º da Lei 8.137/91, na modalidade omissiva, pressupõe tenha havido a supressão ou redução de tributo, a ser alcançada pela conduta-meio de omissão. Na modalidade comissiva, faz-se necessária a falsa prestação de informações sobre fato jurídico relevante do ponto de vista tributário. Assim é que, o elemento fraude há de estar presente e incidir sobre um acontecimento de interesse para a legislação tributária. 8. Com essas considerações, se afasta uma das teses apresentadas pelo corréu J.S.S., no sentido de que a acusação apresentada em face dele, na verdade, se amoldaria ao tipo previsto no inciso I, do art. 2º, do mesmo diploma legal. É que este último tipo prevê, diversamente, conduta tendente a eximir (isentar) de recolhimento o contribuinte, ou seja, já há uma isenção prevista em lei, à qual o agente busca se enquadrar, mas de forma inidônea, também falseando ou omitindo informações. 9. Quanto à autoria do segundo réu, titular da firma individual, em que pese tenha ele afirmado, por ocasião do interrogatório policial, que administrava sozinho a empresa, os depoimentos colhidos por ocasião da instrução processual se mostraram suficientes a evidenciar situação fática diversa. Neste contexto, além de não se poder perder de vista o conteúdo da imputação (crime contra a ordem tributária a partir de omissão de informações), a pressupor o dolo na conduta, as evidências colhidas por ocasião da instrução probatória permitem identificar que o corréu F.A.A detinha, não apenas a condição de mero 'laranja' na firma, mas, sobretudo, a posição de alguém inconsciente acerca da contabilidade da referida firma e, notadamente, dos fatos descritos na denúncia. Quanto a este ponto, a testemunha arrolada pela acusação, que admitiu ter sido contadora da empresa investigada entre os anos de 1999 e 2004, confirmou, em seu depoimento em juízo, haver sido contratada por Bento Jó (falecido em 21/11/2009) para prestar serviços de contabilidade relativamente apenas aos tributos estaduais, sendo que, o corréu F.A.A., apareceu apenas uma vez em seu escritório, acompanhado por Bento Jó, para assinar o contrato de locação e documento para abertura da firma F.A.A, ficando todas as tratativas da empresa por conta do primeiro falecido (Bento Jó). Além disso, consoante evidenciado em documento juntado ao IPL, era Bento Jó quem recebia os talonários de notas fiscais na coletoria estadual de São Bento/PB, constando, inclusive, várias assinaturas suas na condição de recebedor, as quais foram confirmadas como sendo dele no Laudo de Exame Documentoscópico da Polícia Federal. 10. Ademais, consoante descrito na Representação Fiscal para Fins Penais, 67% das vendas da firma investigada se destinavam às empresas em nome dos filhos de Bento Jó, do que se admite como verossímil a suspeita, presente no Relatório Fiscal, de que a empesa em nome do corréu de F.A.A. foi criada com o objetivo de gerar crédito de ICMS para as empresas de propriedade dos filhos de Bento Jó. 11. A corroborar com este cenário, mereceu credibilidade a versão apresentada pelo réu F.A.A. - que atualmente exerce a profissão de mototaxista em São Bento/PB e não constituiu advogado particular durante toda a tramitação do processo - em seu interrogatório, ocasião em que esclareceu ser analfabeto funcional (sabe apenas escrever o próprio nome), sendo Bento Jó quem conduzia toda a parte burocrática da empresa, ficando ele no acompanhamento dos trabalhos da tecelagem, com 4 (quatro) funcionários. Ainda neste tocante, cabe referir que o corréu F.A.A. tem história de atuação no ramo de tecelagem (como tecelão), tendo se apresentado verossímil a tese de que acreditava ser 'sócio'/empregado da empresa (inclusive recebia salário), não tendo ele a noção acerca da movimentação financeira da firma (por ocasião de seu interrogatório, foi tomado por genuína surpresa ao ser confrontado com a informação de que a firma movimentou nove milhões de reais em quatro anos). Ausência de dolo. 12. Já com relação ao acusado J.S.S., conforme o relato constante da denúncia, sua responsabilidade quanto ao delito que lhe é imputado consistiria no fato de que se trataria de uma espécie de administrador de fato da firma individual F.A.A.. E, a título de prova de tal condição de 'administrador de fato', apresentou o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL uma transação ocorrida entre a firma investigada e a Fábrica de Pedra S/A - Fiação e Tecelagem, na qual consta a compra de mercadorias no valor total de R$ 35.100,00, com utilização de dois cheques assinados pelo réu J.S.S., havendo, ainda, menção, na Ordem de Serviço relativa à transação, ao telefone da pessoa jurídica CONFIOS (da qual é sócio J.S.S.), além de constar, ao final do mencionado documento, uma anotação do nome de J.S.S (de caneta e em letra de forma), como titular da compra. 13. Ocorre que tal documento se traduz, no máximo, em indício de que J.S.S. mantinha relação comercial com a firma F.A.A., não servindo, em absoluto, para evidenciar a sua condição de 'administrador de fato' da mencionada firma, muito menos para indicar a sua condição de autor/partícipe do crime tributário que lhe é imputado. Neste tocante, cabe referir que, para além da fragilidade probatória quanto à tese apresentada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a primeira testemunha arrolada pela acusação (contadora da firma) sequer conhecia a pessoa do acusado J.S.S pelo nome, só lembrando dele quando feita a referência ao apelido, visto ter sido prefeito da municipalidade em anos posteriores aos fatos. 14. Demais disso, as demais testemunhas arroladas pela acusação, que, na época dos fatos, eram funcionários da Fábrica de Pedra S/A - Fiação e Tecelagem, disseram não conhecer o réu, além de haverem afirmado não se lembrar da transação referida na denúncia. Dessa forma, nenhuma das testemunhas ouvidas soube informar acerca da existência de qualquer vínculo do réu com a firma individual F.A.A., de modo que, uma única transação comercial, em um intervalo que 4 anos, se mostra absolutamente insuficiente para comprovar a alegada condição de 'administrador de fato' da referida empresa. 15. Não bastasse isto, mostrou-se verossímil a tese sustentada pelo corréu (era sócio de uma empresa de tecelagem e de um posto de gasolina e conhecia Bento Jó), por ocasião de seu interrogatório, no sentido de que fez negócios com o falecido Bento Jó, mediante a assinatura de cheques não nominais, sendo possível que tais títulos tenham sido posteriormente transferidos em outras transações realizadas pelo extinto, sobretudo em se considerando que, à época dos fatos, vigia a CPMF. 16. Destarte, ausente qualquer indicativo de dolo, devem os réus ser absolvidos da imputação que lhes foi feita na denúncia. 17. Ação Penal julgada improcedente.
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