RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO -
PENAL E PROCESSUAL PENAL. INQUÉRITO POLICIAL. FORO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. NOVO POSICIONAMENTO DO STF. LIMITAÇÃO AOS CRIMES COMETIDOS DURANTE O EXERCÍCIO DO CARGO E RELACIONADOS ÀS FUNÇÕES DESEMPENHADAS. CRIME SUPOSTAMENTE COMETIDO POR PREFEITO EM MANDATO ANTERIOR DESCONTÍNUO À GESTÃO ATUAL. DECLÍNIO DE COMPETÊNCIA. 1. Ação penal proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face de F.D.S, atual Prefeito do Município de Brejo do Cruz-PB (mandatos 2005/2008, 2009/2012 e 2017/2020), G.F.A, J.N.S, A.G.F (membros da Comissão Permanente de Licitação), A.C.O.J (sócio-administrador de empresa) e E.N.S (sócio-administrador de empresas), por supostamente terem realizado dispensa indevida de licitação com elevação arbitrária de preços no Município de Brejo do Cruz/PB, no ano de 2007. 2. A exordial acusatória narra que, segundo fatos evidenciados no Inquérito Policial 0070/2013, teria ocorrido a falsificação de documentos públicos, a dispensa de licitação fora das hipóteses legais, para aquisição de produtos médicos para o Hospital Municipal Dr. Odilon Maia Filho, e fraude em licitação, em prejuízo à Fazenda Pública, mediante a elevação arbitrária de preços da proposta apresentada pela empresa vencedora do certame licitatório (Carta Convite 012/2007), relativo a recursos transferidos pelo governo federal, através da Fundação Nacional de Saúde - FUNASA, ao Município de Brejo do Cruz/PB, o que configuraria, em tese, a prática dos delitos previstos nos arts. 89 e 96, I, da Lei 8.666/1993, art. 299, parágrafo único, do Código Penal. 3. Atendendo a despacho de chamamento do feito à ordem para manifestação acerca da recente mudança de orientação jurisprudencial adotada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal sobre a prerrogativa de foro (Ação Penal 937/RJ, julg. 03/05/2018), a Procuradoria Regional da República pugnou pelo declínio de competência em favor do juízo de primeiro grau, em razão de o crime em apuração não guardar relação com o atual mandato de Prefeito do Município de Brejo do Cruz/PB. 4. Conforme entendimento recente do Plenário do Supremo Tribunal Federal, o foro por prerrogativa de função: aplicase apenas aos crimes cometidos durante o exercício do cargo e relacionados às funções desempenhadas pelo mandatário; e, após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo. (Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ). 5. No caso de crime relacionado a Prefeito, cometido, em tese, quando de mandato anterior (caso de mandatos contínuos ou descontínuos), é competente o TRF5 para processar e julgar o feito, considerando o disposto no art. 29, X, e no art. 60, § 4º, I, ambos da CF. A orientação jurisprudencial adotada pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal (Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ, julg. 03/05/2018) limita-se às hipóteses do art. 102, I, 'b' e 'c', da CF, que se encontra no Título IV (Da Organização Dos Poderes), Capítulo III (Do Poder Judiciário), Seção II (Do Supremo Tribunal Federal), da Constituição Federal. Em interpretação simétrica do art. 102, I, 'b' e 'c', em relação a outros dispositivos constitucionais, desde que inseridos no Título IV (Da Organização Dos Poderes) da CF, correta é a aplicação do precedente do Pleno do Supremo Tribunal Federal (Questão de Ordem na Ação Penal 937/RJ, julg. 03/05/2018). Ocorre que o art. 29, X, da CF, que determina o julgamento do Prefeito perante o Tribunal de Justiça, encontra-se inserido no Título III (Da Organização do Estado), Capítulo IV (Dos Municípios), da CF, ou seja, em Título diverso do abordado pela Suprema Corte na Questão de Ordem da Ação Penal 937/RJ. E não poderia ser diferente, pois a Constituição Federal deu tratamento diferenciado à hipótese, dispondo sobre o julgamento de Prefeito perante o Tribunal de Justiça quando trata dos preceitos a serem seguidos pela lei orgânica que rege o Município, e não quando trata da competência dos Tribunais. Tal questão está intimamente relacionada à autonomia municipal, característica básica do Estado Federativo (residindo esta na capacidade de autodeterminação dentro do círculo de competência traçado pela Constituição Federal), de modo que também ligada diretamente ao disposto no art. 60, § 4º, da CF, que veda proposta de emenda tendente a abolir a forma federativa de Estado, tratando-se de cláusula pétrea. A Constituição Federal particularizou o caso de Prefeito, sendo certo que a interpretação externada no precedente do STF não alcança o art. 29, X, da CF, pois, do contrário, estar-se-ia criando nova hipótese de competência não prevista na Carta Magna. Nessa ordem de ideias, o representante do Município, a teor do art. 29, X, da CF (repise-se, inserido no Título III - Da Organização do Estado - da CF), deve ser julgado perante o Tribunal de Justiça (tratando-se de verbas federais, pelo TRF), não havendo como fazer qualquer distinção jamais autorizada pela Constituição Federal. A corroborar essa tese, vale-se do voto condutor proferido pelo Ministro Luís Roberto Barroso nos autos da Ação Penal 937/STF (item 24), a partir do qual se depreende que a intenção da maioria dos Ministros daquela Corte é a de restringir a aplicação da norma constitucional referente ao foro por prerrogativa de função apenas quando sopesada tal norma com os princípios da igualdade e da república, não tendo sido feita qualquer menção ao princípio federativo, ao qual o art. 29, X, da CF está intimamente ligado. O esforço retórico contido no voto condutor do Ministro Luís Roberto Barroso é direcionado, apenas, como já dito, aos postulados da igualdade e da república, como fundamento a justificar a interpretação restritiva da norma constitucional de foro privilegiado. A questão sob o prisma do princípio federativo não foi ali enfrentada, de modo que não há de se aplicar o precedente do STF em relação ao art. 29, X, da CF, que determina a competência para julgamento de Prefeito. Como o Supremo Tribunal Federal não tratou do tema sob essa ótica, o art. 29, X, da Constituição Federal deve ser observado em sua plenitude (Considerações feitas pelo Relator). 6. Ocorre que, nos casos de crimes praticados em mandato anterior e descontínuo à atual gestão de Prefeito, o Pleno deste TRF5 reconheceu a inaplicabilidade da regra constitucional de prerrogativa de foro, nos termos da decisão do STF na Ação Penal 937/RJ, considerando que a autoridade perde o foro, sendo irrelevante que venha novamente ocupar a chefia do Poder Executivo do Município ou exercer outro mandato com foro por prerrogativa de função (TRF5, Pleno, Inq. 3667/CE, rel. p/ acórdão Des. Federal Fernando Braga, julg. 31/10/2018). Em hipótese idêntica (crime supostamente praticado por atual Prefeito em mandato anterior descontínuo): TRF5, Pleno, Inq. 3631, rel. Des. Federal Fernando Braga, julg. 24/10/2018. 7. Tendo sido o suposto crime cometido por Prefeito em mandato anterior descontínuo à gestão atual, há de ser declinada a competência para o juízo de primeira instância, nos termos dos precedentes deste TRF5 acima citados. 8. Vale registrar que, tratando-se de ação penal na fase de intimação da acusação e defesa para requerimento de diligências, não resta configurada a hipótese de prorrogação da competência mencionada no voto condutor da aludida AP 937/RJ do STF ("Após o final da instrução processual, com a publicação do despacho de intimação para apresentação de alegações finais, a competência para processar e julgar ações penais não será mais afetada em razão de o agente público vir a ocupar outro cargo ou deixar o cargo que ocupava, qualquer que seja o motivo"). 9. Declinação da competência para o juízo de primeira instância.
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