MSTR – 103140/PE – 0009923-83.2014.4.05.0000

RELATOR : DESEMBARGADOR JOSÉ MARIA DE OLIVEIRA LUCENA -

Processual penal. Mandado de segurança. Crimes de organização criminosa, gestão Temerária de instituição financeira, lavagem de dinheiro e apropriação indébita. Medidas cautelares. Sequestro, arresto e bloqueio de valores. Materialidade e Indícios de autoria. Configuração. Indisponibilidade de todos os bens e direitos. Desproporcionalidade. Segurança concedida em parte. 1- Trata-se de mandado de segurança em matéria criminal, com pedido de liminar, impetrado por PROMOBEM PERNAMBUCO ADMINISTRAÇÃO E PROMOÇÃO DE SERVIÇOS LTDA e outros em contrariedade à decisão da MM. Juíza Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco que decretou medidas cautelares nos autos da Representação Criminal n.º 0018538-96.2011.4.05.8300. 2- Narra a inicial que, no aludido decisum, foram decretadas medidas assecuratórias (sequestro, bloqueio de valores etc), ainda na fase investigatória, em desfavor de JÚLIO EMILIO CAVALCANTI PASCHOAL NETO, HERMES COUTINHO PASCHOAL, GUSTAVO COUTINHO PASCHOAL, CLÁUDIO DA ROCHA PASCHOAL e suas empresas (GRUPO PROMOBEM, E2 COMUNICAÇÃO E PUBLICIDADE LTDA. e SISTEMA RECIFENSE DE MÁQUINAS LTDA.), assim como contra ZANONE TAVARES PEDROSA, à época, gerente da empresa PERNAMBUCO DA SORTE, pertencente ao GRUPO PROMOBEM PERNAMBUCO. Tais medidas assecuratórias incidiram tanto sobre o patrimônio pessoal dos investigados quanto sobre o das pessoas jurídicas envolvidas. 3- Defendendo a regularidade das atividades desempenhadas pelo grupo investigado, os impetrantes alegam/requerem, em síntese: a) a inércia da autoridade coatora em adotar medidas emergenciais para sanar as graves consequências advindas do bloqueio das contas bancárias e da paralisação das atividades de todas as empresas envolvidas, a saber: dívidas trabalhistas, rescisões de contratos trabalhistas e verbas rescisórias de aproximadamente 500 (quinhentas) pessoas, débitos tributários, vencidos e/ou a vencer, contratos de prestação de serviço (advocacia e contabilidade), rescisão do contrato de locação do imóvel sede da empresa, folha de pagamento, entre outros; b) os fundamentos da decisão de sequestro/arresto são genéricos, baseados em diferentes espécies de medidas assecuratórias previstas na legislação com requisitos peculiares a cada uma delas, a saber, o sequestro propriamente dito, o arresto e as medidas citadas na Lei de Lavagem de Dinheiro, o que inviabiliza o exercício do contraditório e da ampla defesa; c) a autoridade coatora determinou o arresto/sequestro sobre a integralidade do patrimônio sem quantificar o montante a ser resguardado para justificar tão grave constrição, presumindo-se a existência de dano; e d) o desbloqueio dos bens móveis e imóveis do impetrante ZANONI TAVARES PEDROSA, mero gerente da empresa PROMOBEM PERNAMBUCO. 4- Ao final, pugnaram pela concessão de liminar para suspender o ato combatido, com a liberação de valores das contas bancárias bloqueadas para pagamento das despesas epigrafadas. No mérito, requereram a confirmação dos efeitos do pedido liminar, bem como a decretação da ilegalidade da decisão constritiva pela flagrante generalidade (por não ter "quantificado o valor do futuro ressarcimento pelo hipotético dano causado"), com a liberação de todos os bens apreendidos (móveis, imóveis e ativos financeiros). Subsidiariamente, pedem a liberação das contas correntes (pessoas físicas e jurídicas), dos bens móveis, dos automóveis e embarcações, tendo em vista a permanência da constrição sobre os imóveis, nomeando-se os impetrantes fiéis depositários para que possam administrar o patrimônio constrito. 5- O juízo a quo, deferiu o pedido de medidas assecuratórias (sequestro/arresto de bens móveis, imóveis, contas bancárias e ativos financeiros de propriedade das empresas impetrantes e de seus dirigentes), tomando por base os o artigo 125 e seguintes do Código de Processo Penal, além do art. 4º, da Lei n.º 9.613/98 (lavagem de dinheiro). 6- No decisório impugnado, foram decretadas medidas assecuratórias (sequestro e arresto), ainda na fase investigatória, em desfavor de JÚLIO EMILIO CAVALCANTI PASCHOAL NETO, HERMES COUTINHO PASCHOAL, GUSTAVO COUTINHO PASCHOAL, CLÁUDIO DA ROCHA PASCHOAL e suas empresas (GRUPO PROMOBEM, E2 COMUNICAÇÃO E PUBLICIDADE LTDA. e SISTEMA RECIFENSE DE MÁQUINAS LTDA.), assim como contra ZANONE TAVARES PEDROSA, à época, gerente da empresa PERNAMBUCO DA SORTE, pertencente ao GRUPO PROMOBEM PERNAMBUCO. Tais medidas assecuratórias incidiram tanto sobre o patrimônio pessoal dos investigados quanto sobre o das pessoas jurídicas envolvidas. 7- Os autos dão conta de que os impetrantes estão sendo investigados (denúncia recebida em 23/02/2015, no curso da presente ação) por atuação criminosa na prática do jogo do bicho e na comercialização de títulos de capitalização com suposta apropriação indevida de valores decorrentes da cessão de cotas, por meio de desvirtuamento da operacionalização dos aludidos títulos, o que configuraria, em tese, o cometimento dos delitos capitulados no art. 2º, da Lei n.º 12.850/2013 (organização criminosa), no art. 4º, parágrafo único, da Lei n.º 7.492/86 (gestão temerária de instituição financeira), no art. 58 do Decreto-lei n.º 3.688/41 (contravenção de jogo do bicho - declinada a competência para a Justiça Estadual), no art. 1º da Lei n.º 9.613/98 (lavagem de dinheiro) e no art. 168 do Código Penal (apropriação indébita). 8- Examinando-se o conjunto probatório carreado aos autos, mostram-se presentes indícios das condutas típicas apontadas e da proveniência ilícita, senão da totalidade, mas de grande parte dos bens constritos, o que, só por si, já se mostra suficiente para a decretação das medidas de constrição previstas, seja no art. 125 e seguintes do CPP, seja no art. 4º, da Lei n.º 9.613/98. 9- Por outro lado, os impetrantes não lograram êxito em demonstrar ter apresentado no primeiro grau provas da origem lícita do patrimônio dos envolvidos, o que, a rigor, demanda dilação probatória, incabível em sede de mandado de segurança. Ora, se por um lado os impetrantes invocam a licitude da origem de seu patrimônio, não trouxeram aos autos provas que corroborassem tal alegativa. 10- Da leitura da decisão de recebimento da denúncia proferida nos autos da Ação Penal n.º 0001415- 46.2015.4.05.8300, verifica-se a existência de provas da materialidade delitiva e de indícios de autoria relativamente aos denunciados, ora impetrantes. 11- Em decorrência das supostas condutas delituosas (organização criminosa, gestão temerária de instituição financeira, lavagem de dinheiro e apropriação indébita), foram elaborados os Relatórios de Fiscalização - SUSEP nº 64/2014, nº 65/2014 e nº 66/2014, os quais constataram que a APLUB CAPITALIZAÇÃO S/A e a SUL AMÉRICA CAPITALIZAÇÃO - SULACAP utilizaram inadequadamente os produtos que foram submetidos à aprovação daquela SUSEP, no caso, "GOIÁS DÁ SORTE", "BAHIA DÁ SORTE" e "PERNAMBUCO DÁ SORTE". Consta, ainda, Termo Circunstanciado de Ocorrência lavrado em decorrência da apreensão de 39 terminais de Jogo do Bicho, em uma das sedes da Sonho Real; informações bancárias e fiscais decorrentes das quebras de sigilo bancário e fiscal devidamente autorizadas; os Relatórios de Inteligência Financeira (RIF) nº 12.791 e nº 12.801; Autos Circunstanciados de Interceptação Telefônica nº 01/2014, nº 02/2014; nº 03/2014; nº 04/2014 e nº 05/2014, entre outros, tudo a indicar a estrutura da organização criminosa e seus respectivos integrantes, inferindo-se, a partir destes documentos, indícios de autoria delituosa relativamente aos acusados. 12- Convém não deslembrar que o próprio denunciado GUSTAVO COUTINHO PASCHOAL, perante a autoridade policial, admitiu que, juntamente com seus três irmãos (JÚLIO EMILIO CAVALCANTI PASCHOAL NETO, HERMES COUTINHO PASCHOAL e CLÁUDIO DA ROCHA PASCHOAL), é proprietário das empresas de títulos de capitalização localizadas nos Estados do AM, PA, PI, BA, GO, ES, AL, PB e PE, e que ZANONI TAVARES PEDROSA é o principal responsável pela parte comercial destas nove empresas. Há suficientes indícios da prática delituosa imputada aos denunciados, pelo que a manutenção das medidas constritivas é providência que se impõe. 13- Caracterizada a movimentação contábil/financeira à margem do controle da autoridade pública competente (ainda que sob o manto da legalidade), e havendo fortes indícios de sua proveniência ilícita, inequivocamente devem ser mantidas as medidas constritivas, diante da forte presunção de constituírem esses bens produto ou proventos do crime, tendo tais medidas o fito de assegurar a eficácia da futura decisão judicial (eventual reparação do dano e pagamento das despesas processuais e das penas pecuniárias). 14- A previsão de medidas cautelares em sede criminal não vulnera o princípio constitucional da presunção de inocência, porquanto nenhum princípio constitucional é absoluto, todos estando submetidos a uma interpretação sistemática da Constituição, de forma que caberá ao Juiz, na análise do caso concreto, decidir com base na proporcionalidade, isto é, na necessidade concreta de se decretar a medida ou não. 15- De outro giro, a constrição do patrimônio dos envolvidos, igualmente, não ofende o direito à propriedade, porquanto sua decretação, consistindo em medida excepcional, pauta-se pelo preenchimento dos pressupostos legais, quais sejam, a prova da infração e os indícios de autoria, o que restou observado no caso dos autos. As medidas assecuratórias previstas na legislação processual penal pátria não importam em "perda do domínio, que só ocorrerá após o trânsito em julgado de eventual decreto condenatório" (TRF 4.ª Região, 8.ª Turma, ACR n.º 200471000318009/RS, Rel. Des. Federal Élcio Pinheiro de Castro, DJU 23.02.2005). 16- Como salientado pelo próprio órgão ministerial, a indisponibilidade de todos os bens móveis e imóveis e o bloqueio de todos os ativos financeiros, viola os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade dispostos na Constituição da República, destacando ele que, nestes moldes, a medida atinge a subsistência não só dos impetrantes, mas também de sua família. Seria, nos dizeres do Ministério Público, incabível a constrição patrimonial sobre todos os bens, especialmente considerando que, até o presente momento, não foi fornecido um parâmetro limitador da medida constritiva. 17- Por outro lado, os impetrantes diligenciaram a juntada das declarações de imposto de renda 2013/2014 (pessoas físicas e jurídicas), a partir das quais se observa a existência de imóveis, veículos e embarcações de valor expressivo, o que, a despeito das graves imputações dirigidas aos denunciados, a priori, já representa uma garantia considerável de eventual prejuízo a ser reparado. 18- Irrazoável manter-se o bloqueio da totalidade dos bens de titularidade dos impetrantes quando o próprio MPF reputa desproporcional tal medida. 19- Manutenção das seguintes medidas constritivas: I - sequestro de todos os bens imóveis que estejam registrados em nome dos impetrantes e em nome das suas empresas; II - bloqueio, através do sistema BACEN/JUD, de 50% (cinquenta por cento) dos valores depositados em instituições financeiras do país em nome das empresas dos impetrantes, que também figurem no polo ativo da presente ação mandamental. Com essa decisão, resta sem efeito a liminar na medida em que os valores ora liberados farão frente às despesas tuteladas por ela. Os valores depositados em instituições financeiras - 50% do montante existente de titularidade das pessoas jurídicas e 100% de titularidade das pessoas físicas - devem ser liberados imediatamente. 20- Quanto aos veículos e embarcações apreendidos - de titularidade dos impetrantes (pessoas físicas e jurídicas) - fica mantido o sequestro já realizado. No entanto, para sua preservação e conservação, devem ser entregues aos seus respectivos proprietários, no prazo máximo de 10 (dez) dias, mediante a assinatura de Termo de Compromisso de Fiéis Depositários. Os leilões ficam suspensos de imediato. 21- A apreciação do pedido de liberação dos valores/bens ora determinados cabe ao juízo de primeiro grau mediante prévia comprovação da titularidade dos aludidos bens/direitos, com a apresentação/assinatura dos respectivos documentos pertinentes. 22- Prejudicado o pedido de desbloqueio de valores em favor do impetrante ZANONI TAVARES PEDROSA, bem como a alegação de inércia da autoridade coatora em adotar medidas emergenciais, porquanto já deferido/apreciado pelo juízo de primeiro grau. Segurança concedida em parte. 

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