AgRg no HABEAS CORPUS Nº 308.536 – MG (2014/0288879-8)

RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ -  

Agravo regimental em habeas corpus. Furto qualificado. Furto de água de companhia de abastecimento. Princípio da Insignificância. Aplicação. Impossibilidade. Agravo não Provido. 1. Além da subsunção formal da conduta humana a um tipo penal, deve haver uma aplicação seletiva, subsidiária e fragmentária do Direito Penal, para aferir se houve ofensividade relevante aos valores tidos como indispensáveis à ordem social. 2. Esta Corte Superior tem entendido ser inviável a aplicação do princípio da insignificância na hipótese de furto qualificado pelo rompimento de obstáculo, ante a audácia demonstrada pelo agente, a caracterizar maior grau de reprovabilidade da sua conduta. 3. O reconhecimento do privilégio legal – direito subjetivo do réu – exige a conjugação de dois requisitos objetivos, consubstanciados na primariedade e no pequeno valor da coisa furtada, que, na linha do entendimento pacificado neste Superior Tribunal, deve ter como parâmetro o valor do salário mínimo vigente à época dos fatos. 4. A conduta do paciente – da subtração da água mediante rompimento de obstáculo (lacre do hidrômetro e uso de um by pass) não se revela como de escassa ofensividade penal e social, visto que a lesão jurídica não se resume à água subtraída da empresa vítima, mas, mas da imposição de uma série de riscos a toda sociedade. Em tempos de escassez hídrica, aquele que furta água não precisa se preocupar em economizar, pois sobre ele não incidirão dispositivos como bandeiras tarifárias, multas por excesso de consumo etc. 5. Ademais, as perdas de água não se apresentam apenas como um problema econômico decorrente da falta de pagamento pela água consumida, pois têm implicações mais amplas, com repercussões significativas no que concerne à saúde pública, com a possibilidade de contaminação da rede por ligações clandestinas, à necessidade de investimentos para as ações de redução ou manutenção das perdas, – que não são cobertos pelo eventual pagamento da água furtada –, à perda de funcionamento eficiente do sistema, entre outros. 6. A importância em se coibir a prática do furto de bem tão precioso para a vida e a cidadania tem movido inúmeras agências governamentais e internacionais em torno da preservação da água, a ponto do Painel de especialistas em perdas de águas da IWA (Associação Internacional da Água) estabelecer entre as metas de manejo da água – desde a captação, passando pelo tratamento, até a distribuição – a necessidade de reduzir os impactos dos furtos que causam perdas desnecessárias para o sistema de distribuição. 7. A prática disseminada das ligações clandestinas de água – os "gatos" – acabam por ter um último efeito deletério: por aumentarem demasiadamente os índices de perda das companhias de abastecimento – risco esse avaliado pelos bancos no momento de avaliar os projetos de investimento – inviabilizam o acesso a linhas de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento e do Banco Mundial, atrasando, assim, o cronograma de expansão das companhias de abastecimento e de saneamento, postergando, assim, o acesso da população mais carente à água limpa e à rede de coleta de resíduos, direitos humanos garantidos na Constituição Federal de 1988. 8. Situação que se diferencia – pela exclusividade da tese defensiva da insignificância da conduta – da julgada no RHC nº 59.656-MG, em que a Sexta Turma, por maioria, deu provimento ao recurso (este relator ficou vencido), por considerar que o pagamento do débito perante a companhia de água antes do oferecimento da denúncia extingue a punibilidade, mediante aplicação analógica do disposto nos arts. 34 da Lei nº 9.249/1995 e 9º da Lei nº 10.684/2003. 9. Agravo regimental não provido. 

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