Conflito de competência. Acidente aéreo. Atentado contra a segurança de transporte aéreo. Inobservância da lei, regulamento ou instrução e homicídio culposo. Delitos praticados por militares, controladores de vôo. Crimes de natureza militar e comum. Desmembramento. Princípio do ne bis in idem. Inexistência de conflito.
Rel. Min. Paulo Gallotti
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: Cuida-se de alegado conflito positivo de competência entre o Juiz Federal de Sinop, da Seção Judiciária de Mato Grosso, e a Juíza Auditora da 11ª Circunscrição Judiciária Militar do Distrito Federal, afirmando-se que, nesses Juízos, tramitam duas ações para a apuração da responsabilidade penal pelo acidente aéreo envolvendo o Boeing/737-800, prefixo PR-GTD, da Gol Linhas Aéreas, e o jato Embraer/Legacy 600, prefixo N600XL, da empresa americana Excel Air Service, que culminou com a queda da primeira aeronave no Município de Peixoto de Azevedo, naquele Estado, no dia 29 de setembro de 2006, com a morte de todos os seus ocupantes. Os autos dão conta que, no dia 25/5/2007, o Ministério Público Federal denunciou Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, ambos americanos, pilotos do jato Legacy da empresa Excel Air Service, como incursos “no art. 261, § 3º, c/c o art. 263, com pena cominada pelo art. 258, c/c o art. 121, § 4º (inobservância de regra técnica de profissão)“, todos do Código Penal, e os controladores de vôo e Sargentos da Aeronáutica Jomarcelo Fernandes dos Santos, Lucivando Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros e Felipe Santos dos Reis, estes por “dois crimes dolosos de atentado contra a segurança de transporte aéreo, em concurso formal“, sendo um “na modalidade fundamental (art. 261, caput, CP), quanto à periclitação da aeronave N600XL“, e outro “qualificado por cento e cinqüenta e quatro mortes (art. 261, § 1º, c/c o art. 263, ambos do Código Penal), em relação ao avião sinistrado de prefixo PR-GTD“. Posteriormente, em 11/9/2007, o Ministério Público Militar, em exercício no 2º Ofício da Procuradoria da Justiça Militar do Distrito Federal, ofereceu denúncia contra João Batista da Silva, Felipe Santos dos Reis, Lucivando Tibúrcio de Alencar e Leandro José dos Santos de Barros, pela prática do delito previsto no art. 324 do Código Penal Militar, e contra Jomarcelo Fernandes dos Santos, dando-o como incurso no art. 206, §§ 1º e 2º, do aludido diploma, tendo a Juíza-Auditora da Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar do Distrito Federal rejeitado a inicial acusatória nestes termos: “Analisando a denúncia apresentada, constatamos que, apesar de detalhar os fatos ocorridos no fatídico dia 29 de setembro de 2006, não o faz, contudo, com relação à específica conduta do 3º Sargento Jomarcelo ao imputar-lhe a prática de crime de homicídio culposo, concluindo simplesmente que 'esse denuncia do ignorou todas as normas de segurança de vôo, deixando de cumprir as determinações do ICA 100-12, estando, portanto, incurso no art. 206, §§ 1º e 2º, do Código Penal Militar'. De outro lado, ao imputar aos demais denunciados o crime tipificado no art. 324 do citado Código, apenas referiu, genericamente, o descumprimento de normas contidas no ICA (Instrução do Comando da Aeronáutica) nº 100-12, documento juntado aos autos, correspondendo às fls. 207 a 459, sem qualquer transcrição dos textos normativos em tese violados, tornando inepta a denúncia ao impedir que os denunciados se defendam das acusações que ali lhes são feitas. Em consequência, considerando os argumentos acima aduzidos, nos termos do art. 78, alínea 'a', do Código de Processo Penal Militar, não recebo a denúncia formulada pelo Ministério Público Militar.“ (fl. 29) O Juiz Federal, no dia 5 de outubro último, suscitou o conflito em decisão do seguinte teor: “No momento do recebimento da denúncia, optei por deliberar a respeito da competência para o julgamento da presente ação penal. É que havia, na ocasião, divergência entre o entendimento do ilustre Delegado da Polícia Federal que conduziu os trabalhos de investigação, para quem o processamento e julgamento dos controladores de vôo deveria ficar a cargo da Justiça Militar, e a opinião firmada sobre o assunto pelo representante do órgão do Ministério Público Federal, que entendia ser da Justiça Federal a competência para o feito. Embora o recebimento da denúncia, por si só, já fosse suficiente para que a competência federal ficasse implicitamente firmada (pois somente pode receber denúncia juiz que se julga competente), decidi, no entanto, expor expressamente os argumentos em favor da jurisdição federal, quando mais não fosse para que a parte eventualmente prejudicada pudesse refutá-los, se fosse o caso, em recurso que porventura interpusesse. Vem agora a notícia de que está em curso, na Justiça Militar, uma ação penal em que se discute sobre os mesmos fatos narrados na demanda que tramita neste Juízo. Não é conveniente para ninguém que perdure uma situação de incerteza em relação à Justiça competente para processamento dos controladores de vôo. Tudo recomenda que o Superior Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a matéria. Isso evitará, entre outras coisas, a realização de diligências desnecessárias pelo juízo que vier ao final ser julgado incompetente pelo STJ. Mas não é só isso. Deve-se levar em conta também a circunstância de que constitui flagrante constrangimento ilegal obrigar os réus a responderem pelos mesmos fatos perante dois órgãos jurisdicionais distintos. No feito que corre na Justiça Militar, houve rejeição, por inépcia, da denúncia apresentada pelo Ministério Público Militar. Como a matéria relacionada com a competência precede o exame da regularidade formal da peça acusatória, isso quer dizer que aquela digna justiça especializada, ao rejeitar a peça de acusação, acabou, por fim, aceitando a competência para o processamento e julgamento dos controladores pelos fatos relacionados com o acidente aéreo que envolveu um jato da Gol e o jato Legacy. (...) Ante o exposto, com fundamento do art. 105, I, 'd“, da Constituição Federal, suscito conflito positivo de competência perante o Superior Tribunal de Justiça.“ (fls. 30/41) Instado, o Ministério Público Federal, em preliminar, indicou existir prevenção, para o exame do feito, da Ministra Maria Thereza de Assis Moura, a quem foi distribuído, em 30/10/2006, o CC nº 72.283/MT, relativo ao mesmo acidente. No mérito, reconhecendo a existência do conflito, disse caber à Justiça Federal apreciar a questão. Na sessão de 28/11/2007, desta Terceira Seção, suscitei questão de ordem indagando se a anterior distribuição de conflito de competência gerava prevenção, nos termos do art. 71 do Regimento Interno. Sustentei, na oportunidade, em síntese, que a distribuição de conflito de competência não previne o relator para o exame dos feitos futuros atinentes à mesma causa, principalmente porque não emite o relator, na solução do conflito, qualquer juízo sobre o mérito da questão. A Terceira Seção, por maioria de votos, acolheu a questão de ordem para proclamar que a antecedente distribuição de conflito de competência não gera prevenção. É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI (RELATOR): Cuida-se de aparente conflito positivo de competência entre o Juiz Federal de Sinop, da Seção Judiciária de Mato Grosso, e a Juíza Auditora da 11ª Circunscrição Judiciária Militar do Distrito Federal, afirmando-se que, nesses Juízos, tramitam duas ações para a apuração da responsabilidade penal pelo acidente aéreo envolvendo o Boeing/737-800, da Gol Linhas Aéreas, e o jato Embraer/Legacy 600 da empresa americana Excel Air Service, que culminou com a queda da primeira aeronave no Município de Peixoto de Azevedo, naquele Estado, no dia 29 de setembro de 2006, quando morreram todos os tripulantes e passageiros. Na Justiça Federal se imputou aos americanos Joseph Lepore e Jan Paul Paladino, assim também aos controladores de vôo Felipe Santos dos Reis, Lucivando Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros e Jomarcelo Fernandes dos Santos, a prática do crime de atentado contra a segurança de transporte aéreo, tipificado no art. 261 do Código Penal. Posteriormente, foram denunciados, na Justiça Militar Federal, pelo mesmo fato, os controladores de vôo Felipe Santos dos Reis, Lucivando Tibúrcio de Alencar, Leandro José Santos de Barros e João Batista da Silva, pelo cometimento do crime de inobservância de lei, regulamento ou instrução, e Jomarcelo Fernandes dos Santos, este por homicídio culposo, previstos, respectivamente, nos arts. 324, e 206, §§ 1º e 2º, ambos do CPM. Alega o suscitante, em síntese, que “não é conveniente para ninguém que perdure uma situação de incerteza em relação à justiça competente para o processamento e julgamento dos controladores de vôo. Tudo recomenda que o Superior Tribunal de Justiça se pronuncie sobre a matéria. Isso evitará, entre outras coisas, a realização de diligências desnecessárias pelo juízo que vier ao final ser julgado incompetente pelo STJ. Mas não é só isso. Deve-se levar em conta também a circunstância de que constitui flagrante constrangimento ilegal obrigar os réus a responderem pelos mesmos fatos perante dois órgãos jurisdicionais distintos.“ (fl. 30) Contrariamente ao que afirma o suscitante, penso não existir conflito de competência a ser dirimido. Quatro dos controladores de vôo estão respondendo a processos, nas Justiças Federal do Mato Grosso e Federal Militar da Circunscrição Judiciária do Distrito Federal, pelo mesmo fato da vida, qual seja o acidente aéreo que ocasionou a queda do Boeing 737/800 da Gol Linhas Aéreas no Município de Peixoto de Azevedo, no Estado do Mato Grosso, mas com imputações distintas, inexistindo bis in idem. Os controladores de vôo Felipe, Lucivaldo, Leandro e Jomarcelo foram denunciados, junto à Justiça Federal, como incursos no art. 261 do Código Penal (atentado contra a segurança de transporte marítimo, fluvial ou aéreo), figura delituosa definida de modo diverso na legislação castrense. Com efeito, o delito de atentado contra transporte, previsto no art. 283 do CPM, como crime militar, pressupõe que a infração exponha a perigo “aeronave, ou navio próprio ou alheio, sob guarda, proteção ou requisição militar emanada de ordem legal, ou em lugar sujeito à administração militar“, ou ainda “praticar qualquer ato tendente a impedir ou dificultar navegação aérea, marítima, fluvial ou lacustre sob administração, guarda ou proteção militar“, circunstâncias não presentes na hipótese apreciada. Já na ação em curso na Auditoria da 11ª Circunscrição Judiciária Militar do Distrito Federal, Felipe, Lucivando e Leandro foram denunciados como incursos no art. 324 do Código Penal Militar (inobservância de lei, regulamento ou instrução), delito previsto exclusivamente no diploma repressivo castrense. Ainda na mesma auditoria da Justiça Militar, Jomarcelo responde por homicídio culposo, que tem igual definição na lei penal comum e na castrense, crime classificado pela doutrina como militar impróprio. A propósito, leciona Célio Lobão: “O Código Penal Militar distingue três espécies de crimes impropriamente militares: os previstos exclusivamente no diploma repressivo castrense; os definidos de forma diversa na lei penal comum; os com igual definição no Código Penal Militar e no Código Penal. Entretanto, a competência da Justiça Militar para apreciar essas infrações relaciona-se com a condição do sujeito ativo do delito, militar ou civil. No caso de sujeito ativo militar, é suficiente que os crimes não previstos na lei penal comum ou nela definidos de modo diverso (inciso I, art. 9º do CPM) estejam tipificados na Parte Especial do Código Penal Militar, sem violação da permissão constitucional de tutelar as instituições militares. No delito com definição igual nos diplomas especial e comum (inciso II, art. 9º do CPM), tornam-se necessários os requisitos de agente e ofendido militares, de local do crime sob a administração militar, de militar em serviço ou em comissão de natureza militar, de ofensa ao patrimônio sob administração militar e à ordem administrativa militar, excetuado o crime doloso contra a vida praticado contra civil.“ (in Direito Penal Militar Atualizado, 2ª edição, Editora Decálogo, págs. 92/93) Dispõe o art. 9º do Código Penal Militar: “Art. 9º Consideram-se crimes militares, em tempo de paz: (...) II - os crimes previstos neste Código, embora também o sejam com igual definição na lei penal comum, quando praticados: (...) c) por militar em serviço ou atuando em razão da função, em comissão de natureza militar, ou em formatura, ainda que fora do lugar sujeito a administração militar, contra militar da reserva, ou reformado, ou civil;“ Assim, o crime de homicídio atribuído a Jomarcelo Fernandes dos Santos deve, sim, ser submetido à jurisdição castrense, porquanto praticado, segundo a denúncia, por militar em serviço contra civis. Em outras palavras, os controladores de vôo responderão a dois processos distintos, um perante a Justiça castrense, pelos crimes militares, e outro na Justiça Federal, por crime comum. Aliás, mutatis mutandis, essa é a solução que se encontra no enunciado da Súmula nº 90/STJ, do seguinte teor: “Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele“ Confiram-se ainda: A - “CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO 'ARRAIS-AMADOR'. CONDUÇÃO DE EMBARCAÇÃO DE ESPORTE OU RECREIO. EMISSÃO PELA MARINHA DO BRASIL. OFENSA A SERVIÇO E INTERESSE MILITAR FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA MILITAR. QUADRILHA OU BANDO. CRIME COMUM. DESMEMBRAMENTO. JULGAMENTO PELO JUÍZO FEDERAL. A falsificação de carteira de habilitação para conduzir embarcação aquática de esporte ou recreio - categoria Arrais-Amador, expedida pela Marinha do Brasil, órgão integrante das Forças Armadas, ofende o interesse e o serviço prestado pela administração militar. O delito de formação de quadrilha ou bando, que não está previsto no Código Penal Militar, deverá ser julgado por Juízo Federal comum, pois praticada em concurso com o delito praticado contra o serviço militar federal. Observada a regra do art. 79, inciso I, do Código de Processo Penal, impõe-se a separação obrigatória do julgamento dos delitos praticados em concurso, impondo-se, assim, o desmembramento do processo. É possível a determinação de remessa dos autos a terceiro juízo, estranho ao conflito, ainda que não se tenha aventado a sua competência pelas instâncias inferiores. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Militar Federal para julgamento do delito de falsificação de documento, e a competência da 5ª Vara Federal de Ribeirão Preto/SP, ora suscitado, para apreciação do delito de formação de quadrilha ou bando.“ (CC nº 41.960/SP, Relator o Ministro PAULO MEDINA , DJU de 27/11/2007) B - “PROCESSUAL PENAL. COMETIMENTO SIMULTÂNEO DE CRIME MILITAR E CRIME PREVISTO NO CÓDIGO PENAL – INVASÃO DE DOMICÍLIO, LESÃO CORPORAL LEVE E ABUSO DE AUTORIDADE. CONEXÃO. IMPOSSIBILIDADE. SEPARAÇÃO DOS JULGAMENTOS. TRANSAÇÃO PENAL QUANTO AO CRIME DE ABUSO DE AUTORIDADE NÃO IMPLICA EM RECONHECIMENTO DE COISA JULGADA EM RELAÇÃO AOS CRIMES MILITARES - APLICAÇÃO DA SÚMULA 90 DO STJ. ORDEM DENEGADA. 1- Mesmo havendo a conexão entre o crime de abuso de autoridade, de competência da Justiça comum e de lesão corporal leve e violação de domicílio, previsto no Código Penal Militar, não é possível o seu julgamento por uma única das Justiças, diante de vedação expressa. 2- O crime de abuso de autoridade deve ser examinado pelo Juizado Especial e os de invasão de domicílio e lesão corporal leve pela Justiça Militar. 3- A transação penal ofertada aceita e homologada no Juizado Especial não constitui causa de extinção da punibilidade em relação aos crimes de lesões corporais leves e invasão de domicílio, previstos no Código Penal Militar. 4. Ordem denegada.“ (HC nº 81.752/RS, Relatora a Ministra JANE SILVA, DJU de 15/10/2007) C - “PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CRIME MILITAR. CRIME DE HOMICÍDIO. CONEXÃO. REUNIÃO DOS PROCESSOS. IMPOSSIBILIDADE. 1.Mesmo havendo a conexão entre o crime de homicídio e de furto de armas do patrimônio sob administração militar, não é possível a reunião do processo, diante de vedação expressa. 2. Conflito conhecido para declarar competente para o julgamento do crime de furto das armas o juízo da 1ª Auditoria da 3ª CJM do Rio Grande do Sul.“ (CC nº 77.138/RS, Relatora a Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, DJU de 20/8/2007) D - “PROCESSUAL PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇA COMUM E JUSTIÇA MILITAR. ABUSO DE AUTORIDADE E INVASÃO DE DOMICÍLIO, LESÃO CORPORAL LEVE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 90/STJ. - 'Compete à Justiça Estadual Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele'(Súmula 90/STJ). - Não há conflito positivo de competência se não existe manifestação de dois órgãos jurisdicionais que se considerem competentes para a mesma causa. - Conflito não conhecido.“ (CC nº 36.965/RS, Relator o Ministro VICENTE LEAL, DJU de 31/3/2003) E do Supremo Tribunal Federal: A - “HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. ALEGAÇÃO DE DUPLICIDADE DE PROCESSOS SOBRE OS MESMOS FATOS. CRIMES DE NATUREZA COMUM E CASTRENSE. CUMPRIMENTO DE TRANSAÇÃO PENAL E EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE NA JUSTIÇA ESTADUAL. COISA JULGADA MATERIAL. PERSECUÇÃO PENAL NA JUSTIÇA MILITAR. PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM: AUSÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA DOS FUNDAMENTOS APRESENTADOS. HABEAS CORPUS INDEFERIDO. 1. Eventual reconhecimento da coisa julgada ou da extinção da punibilidade do crime de abuso de autoridade na Justiça comum não teria o condão de impedir o processamento do paciente na Justiça castrense pelos crimes de lesão corporal leve e violação de domicílio. 2. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou entendimento no sentido de que, por não estar inserido no Código Penal Militar, o crime de abuso de autoridade seria da competência da Justiça comum, e os crimes de lesão corporal e de violação de domicílio, por estarem estabelecidos nos arts. 209 e 226 do Código Penal Militar, seriam da competência da Justiça Castrense. Precedentes. 3. Ausência da plausibilidade jurídica dos fundamentos apresentados na inicial. 4. Habeas corpus indeferido.“ (HC nº 92.912/RS, Relatora a Ministra CÁRMEN LÚCIA, DJU de 19/12/2007) B - “HABEAS CORPUS . POLICIAL MILITAR. CONDUTA RELACIONADA COM ATUAÇÃO FUNCIONAL. CRIMES TAMBÉM DE NATUREZA PENAL MILITAR. COMPETÊNCIA RECONHECIDA. 1. Policial militar. Existência de delitos tipificados ao mesmo tempo no CP e no CPM. Condutas que guardam relação com as funções regulares do servidor. Crime militar impróprio. Competência da Justiça Militar para o julgamento (CF, artigo 124). 2. Departamento de Operações de Fronteira do Estado de Mato Grosso do Sul. Polícia mista. Mesmo nas hipóteses em que entre as atividades do policial militar estejam aquelas pertinentes ao policiamento civil, os desvios de condutas decorrentes de suas atribuições específicas e associadas à atividade militar, que caracterizem crime, perpetradas contra civil ou a ordem administrativa castrense, constituem-se em crimes militares, ainda que ocorridos fora do lugar sujeito à administração militar (CPM, artigo 9º, II, 'c' e 'e'). 3. Nesses casos a competência para processar e julgar o agente público é da Justiça Militar. Enunciado da Súmula/STF 297 há muito tempo superado. 4. Crime de formação de quadrilha (CP, artigo 288). Delito que não encontra tipificação correspondente no Código Penal Militar. Competência, nessa parte, da Justiça Comum. Habeas corpus deferido em parte.“ (HC nº 82.142/MS, Relator o Ministro MAURÍCIO CORRÊA , DJU de 12/9/2003) Ante o exposto, não conheço do conflito de competência. Dê-se ciência aos Juízes antes mencionados. É como voto.
EMENTA - PENAL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. ACIDENTE AÉREO. ATENTADO CONTRA A SEGURANÇA DE TRANSPORTE AÉREO. INOBSERVÂNCIA DE LEI, REGULAMENTO OU INSTRUÇÃO E HOMICÍDIO CULPOSO. DELITOS PRATICADOS POR MILITARES, CONTROLADORES DE VÔO. CRIMES DE NATUREZA MILITAR E COMUM. DESMEMBRAMENTO. PRINCÍPIO DO NE BIS IN IDEM. INEXISTÊNCIA DE CONFLITO. 1. Não ofende o princípio do ne bis in idem o fato dos controladores de vôo estarem respondendo a processo na Justiça Militar e na Justiça comum pelo mesmo fato da vida, qual seja o acidente aéreo que ocasionou a queda do Boeing 737/800 da Gol Linhas Aéreas no Município de Peixoto de Azevedo, no Estado do Mato Grosso, com a morte de todos os seus ocupantes, uma vez que as imputações são distintas. 2. Solução que se encontra, mutatis mutandis, no enunciado da Súmula 90/STJ: “Compete à Justiça Militar processar e julgar o policial militar pela prática do crime militar, e à Comum pela prática do crime comum simultâneo àquele“. 3. Conflito não conhecido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do conflito de competência, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Votaram com o Relator a Sra. Ministra Laurita Vaz e os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Maria Thereza de Assis Moura, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Nilson Naves e Felix Fischer. Brasília (DF), 27 de fevereiro de 2008. (data do julgamento).
85 Responses