Paciente condenado por lavagem de dinheiro, evasão de divisas e falsidade ideológica. Declaração de suspeição pelo Relator para o julgamento da apelação. Necessidade de nova distribuição do feito no âmbito do tribunal. Correta interpretação conferida pelo órgão especial.
Rel. Min. Paulo Gallotti
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: Cuida-se de habeas corpus impetrado em favor de Herry Rosemberg, apontando-se como autoridade coatora a Sexta Turma do Tribunal Federal da 2ª Região que se afirmou competente para julgar a Apelação Criminal nº 2003.510.1500281-0, afrontando decisão anterior do Órgão Especial daquela Corte que havia determinado, diante de declaração de suspeição, a redistribuição do feito entre todos os integrantes do Tribunal. Colhe-se dos autos que o paciente foi denunciado, em ação movida também contra outras pessoas, como incurso nos arts. 288 e 299, ambos do Código Penal; art. 22, parágrafo único, da Lei nº 7.492/86; art. 1º, caput, e incisos V, VI e VII, c/c os §§ 2º e 4º, da Lei nº 9.613/98, na forma dos arts. 29 e 69 do Código Penal, sendo condenado pelo Juízo da 3ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Rio de Janeiro. Em decorrência dessa ação, diversas ordens de habeas corpus foram impetradas no Tribunal Federal da 2ª Região, todas distribuídas por prevenção à 2ª Turma. No entanto, no HC nº 2003.51.01.526887-7, igualmente distribuído ao mencionado órgão colegiado, o Desembargador relator, invocando motivo de foro íntimo, declarou-se suspeito e determinou sua redistribuição, indo os autos ao Des. Federal Castro Aguiar, integrante também da 2ª Turma, que, por despacho, os remeteu à Presidência do Tribunal para que a redistribuição fosse realizada entre todos os membros julgadores daquela Corte, cabendo ao Des. Federal André Kozlowski, componente da 6ª Turma. No julgamento do writ, a 6ª Turma acolheu questão preliminar argüida pelo Ministério Público Federal e suscitou conflito negativo de competência, que tomou o nº 2003.02.01.008101-7. Diante desse incidente, o impetrante do HC nº 2003.51.01.505176-5, relativo à mesma ação penal, suscitou o Conflito de Competência nº 2003.02.01.010987-8. Em ambos os feitos, o Órgão Especial do Tribunal Federal da 2ª Região disse ser do relator, o Des. Federal André Kozlowski, a competência para o julgamento dos habeas corpus, em acórdão assim ementado: “PROCESSUAL CIVIL. HABEAS CORPUS . CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUSPEIÇÃO. ARTIGOS 16, 263 E 266, TODOS DO RITRF - 2ª REGIÃO. - O Plenário já se manifestou no sentido de que o caput do artigo 16 do Regimento Interno deste TRF, com a alteração dada pela Emenda Regimental nº 17/2002, enumera três matérias a serem consideradas em que o relator é o âncora, quais sejam: o habeas corpus , o mandado de segurança e o habeas data, não havendo que se recorrer, portanto, aos seus parágrafos, por cuidarem de outras matérias. - A discussão em tela não tem vinculação a preceito regimental, mas sim a uma situação em que o próprio relator se declarou suspeito em relação a um habeas corpus e afirmou a sua não-suspeição, implicitamente, ao se dar por competente relativamente aos outros acusados, em outros procedimentos. - Deve ser seguida, no caso, a orientação de que, uma vez declarada a suspeição, cuida-se esta de suspeição processual e não de uma suspeição para determinado recurso ou sucedâneo. É suspeição, portanto, para o processo. - O Colégio votante só se modifica em razão de impedimento ou de suspeição, mas isso no curso do julgamento. Assim, para o julgamento de um recurso, não pode haver a formação de dois Colégios votantes, simultaneamente, porque um Juiz poderá ter uma opinião diferente da de outro, e isso quebraria o padrão de julgamento. - A declaração de suspeição, ao afastar a jurisdição, torna aquela distribuição inexistente. Conseqüentemente, se uma distribuição não vingou, já que o Juiz distinguido com a distribuição não detinha jurisdição, em razão da suspeição, a conseqüência lógica é a regimental (artigos 263 e 266): remessa do processo ao Presidente da Corte para livre distribuição. O 'livre' opõe-se a vinculado, o que significa que não está preso à Turma. - A Sexta Turma recebeu o mesmo habeas corpus que, pelo caput do art. 16 do Regimento, atrairá todos os outros feitos que se relacionem com a causa, não havendo que se cogitar do parágrafo 3º do mesmo artigo. Em razão disso, todos os casos que estão em tramitação e os que vierem a surgir, deverão ser remetidos não à Sexta Turma, mas ao Desembargador Federal André Kozlowski, que é o Relator prevento, conforme o caput do art. 16. - Não há como se afastar a aplicação dos artigos 263 e 266 do RITRF - 2ª Região, para se aplicar um parágrafo de outro artigo, porque o caput do art. 16 se refere a habeas corpus , mandado de segurança e habeas data, perfeitamente em sintonia com os artigos citados. - Procedência de ambos os incidentes: o de competência e o conflito, os dois conflitos, um que se originou de uma suspeição e o outro propriamente de competência, para afirmar a competência do Relator da Sexta Turma, o Desembargador André Kozlowski. - Decisão por maioria.“ (fls. 249/250) Posteriormente, o Des. André Kozlowski foi sucedido, na Sexta Turma, pela Desa. Federal Maria Helena Cisne, que, já nos autos da apelação criminal manejada contra a sentença que condenou o paciente e co-réus, declarou-se suspeita em decisão do seguinte teor: “Com espeque no art. 97 do CPP, e considerando que um dos patronos da ré Marlene Rozen - o Dr. Paulo Freitas Ribeiro - é advogado da minha família, dou-me por suspeita para julgar o presente feito. Assim sendo, considerando o disposto no art. 56, III, do Regimento Interno, bem como a decisão do Órgão Especial que reconheceu a competência da 6ª Turma no julgamento do CC nº 2003.02.01.010987-8, encaminhem-se os autos à DIDRA a fim de que sejam redistribuídos para um de seus membros.“ (fl. 11) Redistribuído o feito dentre os componentes da 6ª Turma, foi sorteado o Des. Federal André Fontes. O presente habeas corpus ataca aquela decisão da Des. Federal Maria Helena Cisne, embora aponte como autoridade coatora a 6ª Turma do Tribunal Federal da 2ª Região, procurando demonstrar que foi desobedecida a anterior expressa determinação do Órgão Especial da Corte. Enfatiza o impetrante que “o presente habeas corpus se insurge contra essa decisão, manifestamente contrária ao decidido pelo Órgão Especial, por ocasião do julgamento dos conflitos negativos de competência acima aludidos. Isso porque ao julgar os conflitos de competência, que tiveram como escopo a interpretação do Regimento Interno do Tribunal, no sentido de se interpretar a competência em virtude de suspeição do relator, o Órgão Especial entendeu que a distribuição nessa hipótese deveria ser feita entre todos os membros do Tribunal e não entre os membros da Turma. Em outras palavras e com mais objetividade, o mesmo episódio de suspeição do relator que ocorrera na 2ª Turma se repetiu na 6ª Turma, mediante a suspeição da relatora Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, tendo-se dado diferentes interpretações ao Regimento Interno e contrariando o decidido pelo Órgão Especial“. Prestadas as informações, deferi liminar para sobrestar o andamento da Apelação Criminal nº 2003.51.01.500271-0 até a apreciação definitiva do writ. A Subprocuradoria-Geral da República manifestou-se pela concessão do habeas corpus. É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI (RELATOR): A meu ver, a ordem realmente deve ser concedida. Primeiro, noto que se mostra possível o enfrentamento de matéria relativa à competência no âmbito do habeas corpus, tendo em conta ser o juízo natural princípio constitucional, em última ratio, assegurador da observância do devido processo legal, podendo importar em violação do direito de liberdade do paciente. Vejam-se os seguintes precedentes: A - “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . FORO PRIVILEGIADO POR PRERROGATIVA DE FUNÇÃO. CABIMENTO DO WRIT. AÇÃO PENAL POR ATO ADMINISTRATIVO PRATICADO NO EXERCÍCIO DO CARGO. EX-PREFEITO. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL DE APELAÇÃO. PREVALÊNCIA DA LEI Nº 10.628/2002 ENQUANTO NÃO SOBREVIER O JULGAMENTO DE MÉRITO DA ADIN Nº 2.797. ORDEM CONCEDIDA. 1. Segundo a jurisprudência dominante, é cabível a impetração de habeas corpus para verificar questão relativa à competência jurisdicional, em face da garantia constitucional expressa no art. 5º, inc. LIII, da Constituição Federal. (...) 4. Ordem concedida, sem prejuízo dos atos processuais praticados anteriormente, considerando que o processo penal foi ajuizado em data anterior à edição da lei atacada.“ (HC nº 35.853/PR, Relator o Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, DJU de 6/12/2004) B - “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . LIMITES. JUIZ NATURAL. GARANTIA CONSTITUCIONAL. O habeas corpus é meio adequado ao exame de argüição pertinente a competência jurisdicional, em face da garantia constitucional pertinente à perpetuatio iurisditionis (art. 5º, LIII, CF/88). Recurso provido para cassar o acórdão, para que outro seja proferido, de modo a julgar o pedido como entender de direito.“ (RHC nº 12.641/ES, Relator o Ministro PAULO MEDINA , DJU de 15/9/2003) C - “PROCESSUAL PENAL. ACÓRDÃO OMISSO SOBRE AS ALEGAÇÕES DA PETIÇÃO DE HABEAS CORPUS . 1. Em regra, o habeas corpus é via adequada para decidir questões de competência, nulidades, prescrição e cerceamento do direito de defesa, a não ser que dependam de exame aprofundado de provas. 2. Ordem deferida parcialmente para cassar o acórdão e determinar que outro seja proferido pelo Tribunal, com apreciação detalhada das alegações da petição inicial do habeas corpus .“ (HC nº 4.463/RJ, Relator o Ministro ASSIS TOLEDO , DJU de 1º/7/1996) No que diz com o mérito, tenho que, afirmada a suspeição pela Desembargadora Federal Maria Helena Cisne, os autos deveriam ser remetidos à Presidência para nova distribuição dentre todos os membros da Corte, e não apenas no âmbito da Sexta Turma, cumprindo-se a anterior decisão do Órgão Especial já mencionada. Importante observar que o Órgão Especial do Tribunal Federal da 2ª Região detém a atribuição regimental de resolver as questões internas relativas à competência. Reza o artigo 11 de seu Regimento Interno: “Art. 11. Compete ao Órgão Especial processar e julgar: (...) VII - as questões incidentes em processos de competência das Seções ou das Turmas, que lhe tenham sido submetidas, bem assim os conflitos de competência entre os relatores do Órgão Especial, entre as Seções e entre as Turmas de Seções diversas ou, ainda, entre Turmas e Seções diferentes, entre relatores de Seções diversas;“ Ao decidir o citado Conflito de Competência nº 2003.02.01.008101-7, no que interessa, assentou o Órgão Especial do Tribunal de origem: “O art. 16, que já nos rendeu, no passado, tanta dificuldade, tanto sofrimento hermenêutico, finalmente tomou uma forma que até então parecia não oferecer dificuldade. Tivemos aqui um julgamento, não faz muito tempo, em que esse Plenário adotou a interpretação, ou seja, quando é que se aplica o caput e quando é que se abandona o caput para aplicar os parágrafos. Essa interpretação - todos nos recordamos - foi muito simples. O caput enumera três matérias a serem consideradas, em que o relator é o ancora, na feliz imagem da eminente Desembargadora Federal Vera Lúcia Lima, ou seja, habeas corpus , mandado de segurança e habeas data. Os parágrafos tratam de outras matérias porque, quanto a essas, não há porque se recorrer aos parágrafos. O parágrafo 3º, que foi invocado pelo nobre relator, é claríssimo, dispondo que: 'Se o relator não estiver mais no Tribunal, ou na Turma, a prevenção será do órgão julgador, devendo ser o feito levado à livre distribuição entre seus membros'. Portanto, é a hipótese de o relator se desvincular do Tribunal, por aposentadoria ou por um outro motivo. Promoção ou um outro motivo. No caso concreto, nem essa hipótese de o Juiz do Tribunal deixar o Tribunal, ou também de deixar a Turma. Então, nem uma situação, nem outra, se configura no caso concreto. O eminente Desembargador Federal Paulo Espírito Santo continua na Segunda Turma e, felizmente, no nosso Tribunal. Portanto, parece-me que isso está claríssimo. A questão, então, vai para os artigos 263 e 266. No art. 263, temos que: 'Se o impedimento ou suspeição for do relator ou revisor, será declarado por despacho nos autos. Se for do relator, irá o processo ao Presidente para nova distribuição; sendo do revisor, o processo passará ao Juiz que se lhe seguir na ordem de antiguidade'. Portanto, não há dúvida alguma, sob o aspecto sistêmico, em se conjugar o caput do art. 16, seus parágrafos, em especial o 3º, e o art. 263 do nosso Regimento. Ou seja, no caso não era revisor, e portanto, a Turma, conseqüentemente, não estará preventa. Se fosse o revisor, estaria, por previsão regimental. No art. 266, isso se enfatiza, não há qualquer aspecto conflitivo entre os dois preceitos: 'Se o juiz tido por suspeito for o relator ou o revisor e se reconhecer a suspeição, por despacho nos autos, ordenará a remessa dos mesmos ao Presidente para nova distribuição, tratando-se do relator, ou passará ao juiz que se lhe seguir na ordem de antigüidade, se for o revisor'. De modo que o nosso Regimento, felizmente, na versão atual, não envolve uma discussão maior. (...) Nesse caso concreto em que não houve afastamento do Juiz do Tribunal - ele não está aposentado, não foi promovido, não morreu e nem deixou a Turma -, não há previsão para se atribuir ao órgão julgador uma competência que o Regimento não prevê. Ele só prevê, pelo § 3º, exatamente, nas hipóteses de o Juiz deixar o Tribunal por algum motivo. A declaração de suspeição, ao afastar a jurisdição, torna aquela distribuição inexistente, tal como muito bem sustenta nas informações o Desembargador Federal Castro Aguiar. Portanto, a jurisdição continua existindo, mas ela é do Tribunal. Por uma questão de distribuição interna de serviço, ela se faz pelo Plenário, pelo Órgão Especial, pelas Seções e pelas Turmas, mas a jurisdição - todos sabemos, é comezinho - é una e indivisível. O que há é uma divisão de trabalho, mas a jurisdição, toda ela, é do Tribunal. Como o Tribunal só julga através de juízes, são os juízes do Tribunal, como muito bem acentuou a Desembargadora Federal Julieta Lunz. É do Tribunal. Conseqüentemente, se uma distribuição não vingou, ela abortou, já que o Juiz distinguido com a distribuição não detinha jurisdição - ele próprio afirmou, em razão da suspeição -, a conseqüência lógica é a regimental, está nos arts. 263 e 266: remeter o processo ao Presidente do Tribunal para livre distribuição. O que é uma livre distribuição? Significa que não está presa. O 'livre' opõe-se a vinculado. Significa que não está preso à Turma. Eu não posso chegar a uma outra conclusão. Nessas premissas, a Sexta Turma recebeu o mesmo habeas corpus que, pelo caput do art. 16 do Regimento, atrairá todos os outros feitos que se relacionem com a causa, não havendo que se cogitar do § 3º. Conseqüentemente, todos os casos, que estão em tramitação e os que vierem a surgir deverão ser remetidos não à Sexta Turma, mas ao Desembargador André Kozlowski, que é o relator prevento, conforme o caput do art. 16. Sei que a outra interpretação é consistente, é muito bem fundamentada, mas creio que apresentou essa fissura, ao aplicar o § 3º do art. 16, que, evidentemente, não tem essa aplicação. Não há como afastar os artigos específicos (263 e o 266), para aplicar um parágrafo do art. 16, porque o caput se refere a habeas corpus , mandado de segurança e habeas data, perfeitamente em sintonia com os artigos 263 e 266 do nosso Regimento. Conseqüentemente, julgando em conjunto, como o fez o relator, estou julgando procedentes ambos os incidentes: o de competência e o conflito, os dois conflitos, um que se originou de uma suspeição e o outro propriamente de competência, para afirmar a competência do Relator da Sexta Turma, o Desembargador André Kozlowski.“ (fls. 41/46) De fato, a meu ver, essa é a melhor interpretação a ser dada ao Regimento Interno do Tribunal Federal da 2ª Região, no ponto. Com efeito, tanto seus artigos 263 e o 266 são claros ao dispor que em caso de suspeição ou impedimento do relator, o feito deve ser remetido ao Presidente para nova distribuição. Não se trata, como bem assinalado, de hipótese de saída do relator do Tribunal ou da Turma, quando ocorreria a prevenção desta, com a redistribuição dos feitos daquele aos seus demais componentes. Assim, com a declaração de suspeição do Desembargador Paulo Espírito Santo nos autos do HC nº 2003.51.01.526887-7, não havia mesmo a prevenção da Segunda Turma. Pelo contrário, e isso foi acertadamente decidido pelo Órgão Especial, o feito foi novamente distribuído entre todos os membros do Tribunal. Agora, diante da declaração de suspeição da Desembargadora Maria Helena Cisne nos autos da apelação criminal, impondo-se a adoção do mesmo procedimento, ou seja, o recurso deveria ter sido remetido ao Presidente para novo sorteio entre todos os membros do Tribunal, e não só entre os integrantes da Sexta Turma. Por isso, é bom que se enfatize que o Órgão Especial, ao julgar o mencionado conflito, não declarou competente a Sexta Turma para o julgamento do HC nº 2003.51.01.526887-7, mas sim o Desembargador André Kozlowski, a quem ele foi distribuído livremente. Confira-se o seguinte excerto do parecer do Ministério Público Federal: “A evolução histórica do juiz natural, expresso no art. 5º, incisos XXXVII e LIII, da Carta Magna, evidencia uma linha constante: resguardar as garantias do cidadão perante o Poder Judiciário. Nesse contexto, a norma infraconstitucional, leia-se Código de Processo Penal e legislação extravagante, bem como o regimento interno de cada Tribunal (pois a própria lei ordinária remete aos regimentos internos a disciplina dos processos que têm curso na superior instância, ex vi dos arts. 560, 618, 628, 638 e 666, todos do CPP), devem atuar de forma reflexa ao princípio do juiz natural. A competência dos Tribunais em dispor sobre os seus regimentos internos deflui da sua própria autonomia, e o tradicional reconhecimento desse poder se alça a preceito constitucional. Dessa forma, as questões denominadas interna corporis refogem da ordem processual comum, para se incluir na disciplina regimental, em obséquio à autonomia do Poder Judiciário e ao resguardo da vida interna dos Tribunais diante da intervenção dos legisladores. Dispõe o art. 103, caput, da Lei Adjetiva Penal: 'No Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais de Apelação, o juiz que se julgar suspeito deverá declará-lo nos autos e, se for revisor, passar o feito ao seu substituto na ordem da precedência, ou, se for relator, apresentar os autos em mesa para nova distribuição.' Por sua vez, os arts. 263 e 266, do RITRF/2ª Região prescrevem: 'Art. 263. Se o impedimento ou suspeição for do relator ou revisor, será declarado por despacho nos autos. Se for o relator, irá o processo ao Presidente para nova distribuição; sendo o revisor, o processo passará ao juiz que se lhe seguir na ordem da antigüidade'. 'Art. 266. Se o juiz tido por suspeito for o relator ou o Revisor e se reconhecer a suspeição, por despacho nos autos, ordenará a remessa dos mesmos ao Presidente, para nova distribuição, tratando-se do relator, ou passará ao Juiz que se lhe seguir na ordem da antigüidade, se for o revisor'. In casu, o próprio Tribunal a quo, no julgamento dos conflitos de competência levados a seu conhecimento, decidiu que a declaração de suspeição afasta a jurisdição, tornando aquela distribuição inexistente. Ainda no aresto, in litteris : '(...) Conseqüentemente, se uma distribuição não vingou, já que o juiz distinguido com a distribuição não detinha jurisdição, em razão da suspeição, a conseqüência lógica é a regimental (artigos 263 e 266): remessa do processo ao eminente Presidente da Corte para livre distribuição. O 'livre' opõe-se ao vinculado, o que significa que não está preso à Turma'. Não se pode negar, por outro lado, a autenticidade da interpretação que o próprio Tribunal deu ao Regimento que adotou, devendo ser aplicada, no caso vertente (exceção de suspeição por membro da 6ª Turma), a mesma solução dada quando da exceção de suspeição ocorrida no âmbito da 2ª Turma, qual seja, a remessa dos autos ao Presidente daquela Corte para que se proceda nova distribuição, observada a especialização das Turmas, contida na novel Resolução nº 36, de 25 de novembro de 2004.“ (fls. 766/768) Diante do exposto, concedo o habeas corpus para que a Apelação Criminal nº 2003.510.1500281-0 seja remetida ao Presidente do Tribunal Federal da 2ª Região para nova distribuição. É como voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS. PACIENTE CONDENADO POR LAVAGEM DE DINHEIRO, EVASÃO DE DIVISAS E FALSIDADE IDEOLÓGICA. DECLARAÇÃO DE SUSPEIÇÃO PELO RELATOR PARA O JULGAMENTO DA APELAÇÃO. NECESSIDADE DE NOVA DISTRIBUIÇÃO DO FEITO NO ÂMBITO DO TRIBUNAL. CORRETA INTERPRETAÇÃO CONFERIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TRIBUNAL FEDERAL DA 2ª REGIÃO A RESPEITO DE SEU REGIMENTO INTERNO. ORDEM CONCEDIDA. 1 - Mostra-se possível o enfrentamento de matéria relativa à competência no âmbito do habeas corpus, tendo em conta ser o juízo natural princípio constitucional, em última ratio, assegurador da observância do devido processo legal, podendo importar em violação do direito de liberdade do paciente. 2 - Consoante acertado entendimento proferido pelo Órgão Especial do Tribunal Federal da 2ª Região ao decidir o Conflito de Competência nº 2003.02.01.008101-7, em caso de declaração de suspeição de Desembargador, os autos devem ser novamente distribuídos entre todos os membros daquela Corte. 3 - Habeas corpus concedido para que a Apelação Criminal nº 2003.510.1500281-0 seja remetida ao Presidente do Tribunal Federal da 2ª Região para nova distribuição.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Medina, Hélio Quaglia Barbosa, Nilson Naves e Hamilton Carvalhido votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 4 de agosto de 2005 (data do julgamento). MINISTRO PAULO GALLOTTI, Presidente e Relator.