Habeas Corpus Nº 48.993/rs

Delito previsto no artigo 49 da Lei 9605/98. Paciente inimputável. Sentença absolutória. Imposição de medida de segurança por prazo indeterminado. Prescrição pela pena máxima cominada em abstrato. Ordem concedida.

Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima


RELATÓRIO
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA: Trata-se de habeas corpus , com pedido liminar, impetrado em favor de PATRÍCIA MARIA GRAPIGLIA – absolvida da prática do delito previsto no art. 49 da Lei 9.605/98, por três vezes, na forma do art. 71, caput, do Código Penal, com fundamento no art. 386, inciso V, do Código de Processo Penal, e inserida na medida de segurança de internação por prazo indeterminado. Insurge-se o impetrante contra acórdão proferido pela Quarta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que negou provimento ao apelo da paciente (ACR 70011839792). Sustenta que a medida de segurança adotada é desproporcional em relação ao delito cometido, visto que o dano ambiental foi ínfimo e o crime apenado com detenção, motivo pelo qual a paciente deveria ter sido submetida a tratamento ambulatorial, nos termos do art. 97 do CP. Assevera que a paciente se encontra em liberdade há mais de dois anos (fls. 2/4) e nada fez que pudesse colocar em risco a sociedade. Aduz, ainda, que o acórdão impugnado não poderia ter decidido contrariamente à recomendação do Ministério Público Estadual, que se manifestou pela extinção da punibilidade pela ocorrência da prescrição em relação à paciente e a sua comparsa, em virtude do decurso de dois anos entre o recebimento da denúncia (23/1/03) e a prolação da sentença (23/2/05), sendo tal prazo suficiente para o reconhecimento da prescrição retroativa pela pena concretizada, considerando-se o quantum de pena a que a co-ré foi condenada. Requer, assim, seja concedida liminar para suspender os efeitos da sentença que determinou a internação da paciente, até o julgamento final deste writ, e, no mérito, seja declarada a extinção da sua punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva do Estado, ou, subsidiariamente, seja submetida a tratamento ambulatorial, levando-se em conta a ausência de gravidade do delito praticado. O pedido formulado em sede de cognição sumária foi por mim parcialmente deferido “apenas para suspender os efeitos da sentença que aplicou a medida de segurança de internação à paciente, a fim de que seja submetida a tratamento ambulatorial, nos termos do art. 97 do CP, até o julgamento do mérito deste writ, caso não exista recomendação de internação por outro motivo“ (fl. 78). Naquela oportunidade, solicitadas informações à autoridade apontada como coatora, foram elas devidamente prestadas (fls. 90/134) e vieram com cópia do acórdão impugnado e da sentença. O Ministério Público Federal, em parecer exarado pelo Subprocurador-Geral da República SAMIR HADDAD, opinou pela denegação da ordem, por não haver “falar em prescrição, porquanto a paciente foi absolvida, não tendo sido, portanto, aplicada uma reprimenda corporal, mas uma medida de segurança por tempo indeterminado“ (fl. 137). Em contato com o Juízo de primeira instância, em 24/9/07, foi informado a esta Corte, pelo servidor Onildo, que a paciente ainda não iniciou o cumprimento da medida de segurança aplicada. É o relatório.

 
VOTO -
MINISTRO ARNALDO ESTEVES LIMA (Relator): Tenho que a ordem deve ser concedida por ter ocorrido, na hipótese, a prescrição da pretensão executória estatal. O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RHC 86.888/SP, pacificou entendimento, segundo o qual, ainda que imposta medida de segurança, incide o instituto da prescrição, estipulando que “A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal“ (Rel. Min. Eros Grau, Primeira Turma, DJ de 2/12/05). Do mesmo modo, o Superior Tribunal de Justiça já decidiu que “A medida de segurança se insere no gênero sanção penal, do qual figura como espécie, ao lado da pena. Por tal razão, o Código Penal não necessita dispor especificadamente sobre a prescrição no caso de aplicação exclusiva de medida de segurança ao acusado inimputável, aplicando-se, assim, nestes casos, a regra inserta no art. 109, do Código Penal“ (HC 41.744/SP, Rel. Min. LAURITA VAZ, Quinta Turma, DJ 20/6/05). Assim, sendo aplicável o instituto, tem-se que – no caso do inimputável, em que não é proferida uma sentença condenatória, não havendo uma pena em concreto – para o cálculo da prescrição, deve ser considerada a pena máxima em abstrato aplicada ao delito. Nesse sentido, Luiz Regis Prado ensina que: Admitidas todas as hipóteses de extinção da punibilidade para as medidas de segurança, aceita-se, de conseqüência, que essas estão também submetidas à prescrição. Logo, é possível tanto a prescrição da pretensão punitiva (antes do trânsito em julgado da sentença) como da pretensão executória (após o trânsito em julgado da sentença). O prazo prescricional é o mesmo das penas, regulado pelos artigos 109 e 110 do Código Penal, mas para sua aplicação faz-se mister distinguir o inimputável do semi-imputável. O semi-imputável, como visto anteriormente, sofre uma condenação e tem uma pena devidamente cominada. Assim, o prazo deve ser regulado pela pena aplicada in concreto . Diversamente, o inimputável recebe sentença absolutória, daí a imposição de se considerar a pena máxima cominada in abstracto ao delito para fins de contagem de lapso prescricional. A prescrição da pretensão punitiva in abstracto é idêntica para inimputáveis e semi-imputáveis. As outras duas modalidades de prescrição da pretensão punitiva (retroativa e intercorrente) só são possíveis para o agente semi-imputável, já que na hipótese de inimputável não será prolatada sentença condenatória. Quanto à prescrição da pretensão executória, mais uma vez é necessária a distinção entre semi-imputáveis e inimputáveis. Para estes, o prazo prescricional deve ser regulado pelo máximo da pena abstratamente cominada, enquanto para aqueles considera-se a pena fixada na sentença e posteriormente substituída nos termos do artigo 98 do CP. (“Curso de Direito Penal Brasileiro“, volume 1: parte geral, arts. 1º a 120. 6ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2006, p. 700) Aliás, esta Corte já decidiu que “Tratando-se de sentença absolutória, em razão da inimputabilidade do réu, o prazo da prescrição é regulado pelo máximo da pena prevista in abstrato para o delito, pois, sendo o réu absolvido, não tem pena concretizada em sentença (HC 56.980/SP, Rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, DJ 16/10/06). Assim, imputada à paciente a prática do delito previsto no art. 49 da Lei 9.605/98 – o qual, em seu preceito secundário, comina pena de detenção de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente –, verifica-se a prescrição em 4 (quatro) anos, nos termos do art. 109, V, do Código Penal. Portanto, praticada a conduta em 18/1/02 e 19/1/02; recebida a denúncia em 19/9/02; proferida sentença em 23/02/05; e não estando a paciente cumprindo a medida imposta, conforme fls. 91, 113 e informações do Juízo de primeira instância, a meu ver, encontra-se prescrita a pretensão executória estatal. Tenho que, apesar de ter sido proferida sentença, classificada como absolutória imprópria, em 23/2/05, ela não é causa de interrupção da prescrição, já que o inc. IV do art. 117 do Código Penal prevê que o curso da prescrição interrompe-se com a sentença condenatória recorrível. Nesse ponto, citando entendimento desta Corte, Guilherme de Souza Nucci é categórico ao afirmar que: Sentença impondo medida de segurança: é inadimissível para interromper a prescrição, não somente porque é, conforme regra processual penal, sentença absolutória (embora denominada imprópria ), como também porque não consta expressamente no rol taxativo do art. 117. Nessa linha: “De feito, a sentença que aplica medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento próprio (art. 96, I, do Código Penal) está distante da abrangência do art. 117 do mesmo diploma, por isso que inelástica sua moldura“ (STJ, HC 12.477/SP, 6ª T., Rel. Fontes de Alencar, 5/10/00, v.u., DJ 27/11/00). (“Código Penal Comentado“, 5ª ed. rev., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 480) Sobre o assunto, ensina Cezar Roberto Bitencourt: Já o inimputável não é condenado, ao contrário, é absolvido e, em conseqüência, sofre a medida de segurança. Assim, não se lhe precisa a duração da privação de liberdade, que fica indeterminada... Em relação à prescrição devemos analisar as seguintes espécies: a) Prescrição da pretensão punitiva Ocorre antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória e pode subdividir-se em: prescrição in abstrato , prescrição retroativa e prescrição intercorrente. Essas três subespécies de prescrição só podem ocorrer quando o agente for semi-imputável, ao passo que se for inimputável somente será possível a primeira hipótese, isto é, a prescrição abstrata, uma vez que, sendo absolvido, nunca terá uma pena concretizada na sentença. Aliás, para este, o inimputável, é a única possibilidade de prescrição, que pode ocorrer antes ou depois da sentença que aplicar a medida de segurança e será sempre pela pena abstratamente cominada ao delito praticado. b) Prescrição da pretensão executória Quando se tratar de inimputável , o prazo prescricional deve ser regulado pelo máximo da pena abstratamente cominada, já que não existe pena concretizada . Em relação ao semi-imputável a solução é outra: conta-se o prazo prescricional considerando-se a pena fixada na sentença e, posteriormente, substituída. (“Tratado de Direito Penal: parte geral“, volume 1, 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2006, págs. 842/843) Portanto, transcorrendo mais de entre 4 (quatro) anos entre o recebimento da denúncia (19/9/02), última causa interruptiva da prescrição, e a presente data, prescrita a pretensão executória estatal, já que, conforme informações do Juízo de primeira instância, a paciente ainda não iniciou o cumprimento da medida de segurança aplicada. Ante o exposto, concedo a ordem para declarar a prescrição da pretensão executória estatal. É como voto.

 
EMENTA -
HABEAS CORPUS . DELITO PREVISTO NO ART. 49 DA LEI 9.605/98. PACIENTE INIMPUTÁVEL. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. IMPOSIÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA POR PRAZO INDETERMINADO. PRESCRIÇÃO PELA PENA MÁXIMA COMINADA EM ABSTRATO. ORDEM CONCEDIDA. 1. “A medida de segurança é espécie do gênero sanção penal e se sujeita, por isso mesmo, à regra contida no artigo 109 do Código Penal“; portanto, passível de ser extinta pela prescrição. 2. Por não haver uma condenação ao se aplicar a medida de segurança ao inimputável, a prescrição é contada pelo máximo da pena cominada em abstrato pelo preceito secundário do tipo, no caso 1 (um) ano. 3. A sentença que aplica medida de segurança, por ser absolutória, não tem o condão de interromper o curso do prazo prescricional, nos termos do inc. IV do art. 117 do Código Penal. 4. Na hipótese, transcorridos mais de 4 (quatro) anos, de acordo com o art. 109, V, do CP, entre o recebimento da denúncia em 19/9/02 e a presente data, está prescrita a pretensão executória estatal. 5. Ordem concedida para declarar a prescrição da pretensão executória estatal.

 

ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG), Felix Fischer e Laurita Vaz votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 04 de outubro de 2007(Data do Julgamento)

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