Loteamento clandestino. Crime ambiental. Unidades de conservação. Ausência de regulamentação. Atipicidade da conduta. Falta de justa causa. Não ocorrência. Definição ampla. Não configuração de área de proteção ambiental. Impropriedade do writ. Dosimetria. Pena-base acima do mínimo legal. Ausência de fundamentos. Circunstâncias judiciais desfavoráveis. Aspectos inerentes ao tipo penal. Ofensa ao princípio da individualização da reprimenda. Multa. Fixação no máximo permitido em relação a um dos pacientes. Desproporcionalidade à reprimenda corporal.
Rel. Min. Gilson Dipp
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP: Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento a recurso de apelação interposto em favor de DORIVALDO XEFRAN, RUBENS MICAEL ARDELIAN e GENETON BEZERRA FARIAS, tão-somente para fixar o regime semi-aberto para o cumprimento das penas impostas na sentença, mantendo suas condenações pela prática dos crimes de loteamento clandestino e contra o meio ambiente. Consta dos autos que aos 21/02/2000 os pacientes e outros co-réus foram denunciados como incursos nos arts. 50, incisos I e III, e § único, incisos I e II, c/c art. 51, ambos da Lei n.º 6.766/79 (loteamento clandestino), e art. 40, c/c art. 53, ambos da Lei n.º 9.605/98, na forma do art. 69, do Código Penal (crime ambiental). O primeiro e terceiro pacientes foram denunciados, ainda, pelo crime previsto no art. 158, § 1º (por cinco vezes), na forma do art. 69, ambos do Código Penal. Encerrada a fase instrutória, sobreveio sentença proferida pelo Juízo da 29ª Vara Criminal da São Paulo/SP, julgando parcialmente procedente a denúncia para condená-los à pena de 03 anos de reclusão pelo delito de loteamento clandestino, bem como à pena de 04 anos de reclusão em relação ao delito ambiental, a serem cumpridas em regime fechado, absolvendo-os do delito do art. 158, § 1º, do Código Penal, bem como os demais co-réus de todas as imputações. Irresignados, apelaram a defesa e o Ministério Público, este requerendo a condenação dos demais co-réus e a aplicação da pena máxima aos pacientes, e aquela, preliminarmente, a nulidade do processo e da sentença e a prescrição dos delitos. No mérito, a absolvição dos réus, por ausência de provas, alegando, ainda, violação ao princípio da anterioriedade em relação ao crime ambiental e erro sobre a ilicitude do fato em relação ao crime de loteamento clandestino. Subsidiariamente, pugnou pela desclassificação do crime ambiental para a contravenção penal prevista na Lei n.º 4.771/65, e pela redução das penas impostas na sentença. O Tribunal a quo negou provimento ao recurso do Ministério Público e deu parcial provimento ao da defesa, tão somente para fixar o regime semi-aberto para o cumprimento das penas impostas aos réus na sentença, determinando, após o trânsito em julgado do acórdão, a expedição de mandado de prisão contra eles (fls. 191/203). No presente writ, pugna-se, liminarmente, pela suspensão da execução da pena até o julgamento final desta impetração. No mérito, pela anulação da sentença condenatória em relação ao delito previsto no art. 40, da Lei n.º 9.605/98, sob a alegação de inépcia da denúncia e atipicidade da conduta, bem como, em relação ao delito de loteamento clandestino, apenas na parte relativa à individualização da pena, por deficiência de fundamentação, devendo outra ser proferida com a observância dos limites legais. Para tanto, aduz-se que a área em que se realizou o loteamento irregular não seria Unidade de Conservação, e, consequentemente, Reserva Ecológica, nem ao tempo dos fatos e nem à época do oferecimento da denúncia, porquanto o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal foi disciplinado pela Lei n.º 9.985, de 18/07/2000, a qual, por sua vez, somente foi regulamentada pelo Decreto n.º 4.340, de 22/08/2002. Sustenta-se que a área onde foi realizado o referido loteamento não seria abrangida por Unidade de Conservação, conforme laudo oficial apresentado pela Superintendência da Polícia Científica do Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, e que a única legislação aplicável à época seria a Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal). Dessa forma, a conduta atribuída aos pacientes na denúncia seria atípica, por falta do objeto jurídico descrito no art. 40, da Lei n.º 9.605/98. De outro lado, aduz-se a deficiência de fundamentação da sentença quando da individualização da pena, utilizando-se o Julgador de fundamentos intrínsecos ao próprio tipo penal relativamente ao crime de loteamento clandestino para justificar a exasperação da pena. Por fim, sustenta-se que os pacientes são primários, bem como que o processo de regularização do loteamento irregular está em curso, o que teria sido desconsiderado pelo Tribunal a quo no julgamento do recurso de apelação. Liminar indeferida (fl. 155). Informações prestadas às fls. 206/207 pela autoridade apontada coatora, nas quais consta que foram acolhidos os embargos de declaração opostos pelos pacientes contra o acórdão impugnado, reconhecendo-se a atenuante do art. 65, inciso I, do Código Penal, ao paciente Dorivaldo Xerfan, o que resultou na redução das penas a ele aplicadas, e, consequentemente, na extinção de sua punibilidade em razão da prescrição da pretensão punitiva estatal (art. 107, inciso IV, do CP). Ainda nas referidas informações, consta que aos pacientes Rubens e Geneton foi concedido o direito de permanecerem em regime prisional aberto, na modalidade domiciliar, até que surjam vagas destinadas aos mesmos no regime semi-aberto, sem a necessidade de expedição de mandados de prisão. A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 229/232). É o relatório. Em mesa para julgamento.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator): Trata-se de habeas corpus, com pedido de liminar, contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que deu parcial provimento a recurso de apelação interposto em favor de DORIVALDO XEFRAN, RUBENS MICAEL ARDELIAN e GENETON BEZERRA FARIAS, tão somente para fixar o regime semi-aberto para o cumprimento das penas impostas na sentença, mantendo suas condenações pela prática dos crimes de loteamento clandestino e contra o meio ambiente. No presente writ, pugna-se, liminarmente, pela suspensão da execução da pena até o julgamento final desta impetração. No mérito, pela anulação da sentença condenatória em relação ao delito previsto no art. 40, da Lei n.º 9.605/98, sob a alegação de inépcia da denúncia e atipicidade da conduta, bem como, em relação ao delito de loteamento clandestino, apenas na parte relativa à individualização da pena, por deficiência de fundamentação, devendo outra ser proferida com a observância dos limites legais. Para tanto, aduz-se que a área em que se realizou o loteamento irregular não seria Unidade de Conservação, e, consequentemente, Reserva Ecológica, nem ao tempo dos fatos e nem à época do oferecimento da denúncia, porquanto o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e IV da Constituição Federal foi disciplinado pela Lei n.º 9.985, de 18/07/2000, a qual, por sua vez, somente foi regulamentada pelo Decreto n.º 4.340, de 22/08/2002. Sustenta- se que a área onde foi realizado o referido loteamento não seria abrangida por Unidade de Conservação, conforme laudo oficial apresentado pela Superintendência da Polícia Científica do Instituto de Criminalística da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, e que a única legislação aplicável à época seria a Lei n.º 4.771/65 (Código Florestal). Dessa forma, a conduta atribuída aos pacientes na denúncia seria atípica, por falta do objeto jurídico descrito no art. 40, da Lei n.º 9.605/98. De outro lado, aduz-se a deficiência de fundamentação da sentença quando da individualização da pena, utilizando-se o Julgador de fundamentos intrínsecos ao próprio tipo penal relativamente ao crime de loteamento clandestino para justificar a exasperação da pena. Por fim, sustenta-se que os pacientes são primários, bem como que o processo de regularização do loteamento irregular está em curso, o que teria sido desconsiderado pelo Tribunal a quo no julgamento do recurso de apelação. Passo à análise das irresignações. Inicialmente, diante das informações trazidas aos autos pela autoridade apontada coatora, julgo prejudicada a impetração em relação ao paciente DORIVALDO XERFAN, em razão de ter sido reconhecida pelo Tribunal a quo a extinção da sua punibilidade, na modalidade de prescrição da pretensão punitiva do Estado. No tocante aos pacientes Rubens e Geneton, verifico inicialmente que não merece ser acolhida a alegação de atipicidade da conduta em relação ao delito ambiental pelo qual foram condenados. Com efeito, o crime ambiental foi assim narrado na exordial acusatória (fls. 30/31): “(...) Os denunciados causaram ainda e, deliberadamente, com sua omissão, danos ao meio ambiente. Com as obras de implantação do loteamento, deram causa ao assoreamento das malhas de vários córregos que cortam a região e lagos nas proximidades, aterrando-os por completo, principalmente em razão da inexistência de obras de drenagem. Com as chuvas, partículas do solo - sem proteção da camada de vegetação, retirada para a implantação do loteamento - acabaram se sedimentando nas partes baixas da bacia hidrográfica. Um aterro de detritos orgânicos e entulhos diversos ali se instalou (v. fotografias às fls. 162, que mostra o assoreamento de um lago e as de fls. 217/220, 226/230). A região, na qual se encontra implantado o loteamento, é protegida pela Lei Federal nº 4771/65 (Código Florestal) : art. 2º: Consideram-se de preservação permanente as florestas e demais formas de vegetação natural'. a. ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima seja de 30m, para os cursos d'água desde o seu nível de menos de 10m. b. ao redor de lagoas, ou reservatórios naturais ou artificiais. art. 19: 'a exploração de florestas ou de formações sucessoras, tanto de domínio público como de domínio privado, dependerá de aprovação prévia do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renovávies - IBAMA, bem como da adoção de técnicas de condução, exploração, reposição floresta e manejo compatíveis com os variados sistemas que a cobertura arbórea forme'. Frise-se que a exploração de vegetação de preservação permanente é proibida em quaisquer condições, excetuando-se os casos de utilidade pública ou interesse social (art. 2º, 3º, do Código Florestal). Todos os denunciados, assim, com as condutas descritas acima, causaram dano direto à unidade de conservação, considerada área de proteção ambiental, já que o loteamento encontra-se inserido numa das encostas da Serra da Cantareira, que por sua vez, faz parte do 'Cinturão Verde de São Paulo'. Considerada como a maior floresta urbana do mundo, foi reconhecida pela UNESCO como 'Patrimônio da Humanidade' . Assim dispõe o art. 2º da Lei Estadual nº 898/75: 'São declaradas áreas de proteção e, como tais, reservadas, as referentes aos seguintes mananciais, cursos e reservatórios de água e demais recursos hídricos de interesse da Região Metropolitana da Grande São Paulo: III - reservatórios de Cantareira, no Rio Cabuçu de Baixo, até as barragens no município de São Paulo; Frise-se, por fim, que os denunciados causaram, quer por ação, quer por omissão deliberada - como acima exposto - a diminuição de águas naturais, com o assoreamento de córregos e lagos, e com o seu posterior aterramento.“ (...) Pelo exposto, DENUNCIO a V. Exa. RUBENS MICAEL ARAKELLAN, DORIVALDO XERFAN, (...), GENETON BEZERRA FARIAS, (...) como incursos nos arts. 50, inc. I e III, e §ú, inc. I e II, c.c. o art. 51 ambos da Lei nº 6766/79, e art. 40 c.c. o art. 53, ambos da Lei nº 9605/98, na forma do art. 69, do C. Penal; (...).(g.n.) O Juízo de Direito da 29ª Vara Criminal de São Paulo, por sua vez, acolheu a denúncia e condenou os pacientes pela prática do referido crime ambiental, considerando: “(...) A materialidade do delito de loteamento clandestino encontra-se fartamente comprovada pelo trabalho técnico realizado a fls. 14/63 e 74/75 - dos autos 'apenso II' e fotografias do loteamento a fls. 162/174. O mesmo se diga quanto ao crime contra o meio ambiente, consoante os laudos periciais que bem demonstram os danos causados ao meio natural pela implantação do loteamento (fls. 222/239 e 64/73 dos autos 'apenso II') e autos de infração ambiental, todos assinados pelo réu Dorivaldo que apresentava-se às autoridades estaduais como procurador legal do proprietário Rubens (fls. 623/624, 729 e 78/85 dos autos 'apenso II). A autoria, no tocante aos acusados loteadores, é inconteste. (...) A tentativa do réu Rubens em elidir sua responsabilidade também pelo dano ambiental, dizendo que 'centenas de pessoas invadiram-na e procederam ao desmatamento da área tal qual se apresenta atualmente', cai por terra quando analisado o laudo técnico de vistoria elaborado pelo engenheiro florestal, Alexandre P. Cavalcanti, do DEPRN. Este, em janeiro de 1999 atestou que da área total da propriedade que era 366.745,00 m2 ou 36,67ha, houve desmatamento irregular, principalmente nas áreas de preservação permanente com sua destruição total em 11,52ha, bem como que a área que os loteadores alegam que houve a invasão abrange 0,3ha, mas o restante do loteamento foi vendido de forma clandestina e intencionalmente, totalizando 1.250 lotes (fls. 74/75). (...) Por fim, restou sobejamente demonstrada que a conduta destes acusados, Rubens, Dorivaldo e Geneton, foi decisiva para os danos ambientais causados e que se mostraram irreversíveis . A fls. 57 do apenso II, tem-se que 'as áreas de preservação permanente foram totalmente destruídas, ou seja, os lagos existentes foram aterrados e os cursos d'água estão ocupados em suas margens sendo parte destes desviados', como se constata através das fotografias de fls. 160/163 do mesmo apenso . O laudo da Secretaria do Meio Ambiente, do Departamento Estadual de Proteção de Recursos Naturais - DEPRN - discrimina com detalhes todos os males causados ao meio ambiente em razão da implantação do loteamento ilegal (fls. 65/73 - do apenso II). E é a Dra. Promotora de Justiça a fls. 2.324 - vol. 09, quem destaca, do extenso trabalho pericial compilado que, “(...) Numa leitura detida do trabalho desenvolvido pela geógrafa Adriana Matrangolo, além de inúmeros danos ao meio ambiente, também ressalta que 'as declividades acentuadas do terreno e a falta de planejamento na distribuição das construções podem contribuir para o aparecimento de processos erosivos, o que certamente compromete corpos d'água a jusante da área, em razão do carreamento de material inconsolidado. Futuramente as próprias residências estarão comprometidas, pois possivelmente poderão ocorrer deslizamentos de terra na época das chuvas' - fls. 67“ Aliás, a constatação técnica da geógrafa é perceptível até mesmo a um leigo, bastando observar as fotografias juntadas a fls. 162/174 - vol. 01. E é esta profissional que atesta ser irreversível o dano ambiental causado: 'a restauração da vegetação suprimida e da fauna perdida nessa área são impossíveis de serem repostos com projetos de recuperação de área degradada' . As testemunhas de defesa em nada alteram o quadro probatório em relação a estes acusados. As condutas realizadas pelo réu Rubens se ajustam perfeitamente ao tipo penal previsto no artigo 50, incisos I e III, com o reconhecimento da forma qualificada mencionada no parágrafo único, incisos I e II, da Lei 6.766/79. Referidos tipos penais se aplicam igualmente em relação ao réu Dorivaldo, na condição de mandatário e de Geneton que concorreu de forma consciente para a prática dos ilícitos já mencionados. (...) Aduz, ainda, que a lei dos crimes ambientais também é inconstitucional porque fere o princípio da reserva legal, ante a expressão 'causar dano indireto' no art. 40, 'caput', da Lei 9.605/98. Secundária e irrelevante a discussão em torno da expressão contida no mesmo tipo penal em que incursos, porque imputa-se aos acusados a prática do crime ambiental pelo fato de terem causado dano direto. Vladimir e Gilberto Passos de Freitas na obra Crimes contra a natureza, definem como dano direto: 'deve-se considerar o efeito negativo produzido nos limites da unidade de conservação, decorrente de ação ou omissão provocada por obra, serviço, atividade ou empreendimento; atinge-a diretamente. E dano indireto, por sua vez, é o efeito negativo provocado no espaço territorial da unidade de conservação, resultante de ação realizada fora de seus limites' (p. 125/6, Ed. RT, 6ª. edição). Consoante a denúncia formulada contra os acusados, que restou comprovada ao término da instrução criminal, imputa-se aos acusados a prática de dano direto, confira-se: “(...) todos os denunciados, assim, com as condutas descritas acima, causaram dano direto à unidade de conservação, considerada área de proteção ambiental, já que o loteamento encontra- se inserido numa das encostas da Serra da Cantareira, que por sua vez, faz parte do 'Cinturão Verde de São Paulo'. Considerada como a maior floresta urbana do mundo, foi reconhecida pela UNESCO como 'Patrimônio da Humanidade' (fls. 08). (...) Isto posto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a ação penal que a Justiça Pública moveu contra os acusados e por terem infringido o disposto no artigo 50, incisos I e III, e § único, incisos I e II, c.c o art. 51, ambos da LEI Nº 6766/79, e artigo 40 c.c o artigo 53, ambos da Lei nº 9605/98 , na forma do artigo 69 do Código Penal CONDENO RUBENS MICAEL ARAKELIAN, à pena de 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 100 (cem) vezes o salário mínimo; DORIVALDO XERFAN, à pena de 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 50 (cinqüenta) vezes o salário mínimo e GENETON BEZERRA FARIAS à pena de 07 (sete) anos de reclusão e pagamento de 10 (dez) vezes o salário mínimo .“ (fls. 39, 43/45, 48 e 59 - g.n.). Verifica-se não haver reparos a serem feitos na sentença acerca da referida condenação pelo crime ambiental. Não merecem prosperar os argumentos no sentido de que a área em que se realizou o loteamento clandestino não seria “Unidade de Conservação“ à época do oferecimento da denúncia (20/01/2000), sob o fundamento de que o art. 225, § 1º, incisos I, II, e III da Constituição Federal somente teria sido regulamentado em 18/07/2000. Com efeito. Diversamente do alegado pelo impetrante, a Lei n.º 9.605/98 já trazia no texto original do § 1º do artigo 40 a definição de “Unidades de Conservação“, conforme se vê da sua redação original: “Art. 40. Causar dano direto ou indireto às Unidades de Conservação e às áreas de que trata o art. 27 do Decreto 99.274, de 6 de junho de 1990, independentemente de sua localização : Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos. § 1º Entende-se por Unidades de Conservação as Reservas Biológicas, Reservas Ecológicas, Estações Ecológicas, Parques Nacionais, Estaduais e Municipais, Florestas Nacionais, Estaduais e Municipais, Áreas de Proteção Ambiental, áreas de Relevante Interesse Ecológico e Reservas Extrativistas ou outras a serem criadas pelo Poder Público. “ Todavia, a fim de regulamentar o art. 225, § 1º, incisos I, II e III e VII da Constituição Federal, o legislador originário editou a Lei n.º 9.985, de 18/07/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). No referido diploma legal, determinou-se a divisão das Unidades de Conservação integrantes do SNUC em dois grupos: Unidades de Conservação de Proteção Integral e Unidades de Conservação de Uso Sustentável. Assim o fazendo, a referida lei fez constar a definição de ambos os grupos na nova redação dada ao § 1º do art. 40, bem como no § 1º do novo art. 40-A, da Lei n.º 9.605/98, respectivamente: “Art. 40 (caput) - § 1o Entende-se por Unidades de Conservação de Proteção Integral as Estações Ecológicas, as Reservas Biológicas, os Parques Nacionais, os Monumentos Naturais e os Refúgios de Vida Silvestre.“ “Art. 40-A (caput) § 1º Entende-se por Unidades de Conservação de Uso Sustentável as Áreas de Proteção Ambiental, as Áreas de Relevante Interesse Ecológico, as Florestas Nacionais, as Reservas Extrativistas, as Reservas de Fauna, as Reservas de Desenvolvimento Sustentável e as Reservas Particulares do Patrimônio Natural.“ Todavia, o caput dos referidos artigos com a nova redação dada pela Lei n.º 9.985/00 foi objeto de veto Presidencial (Mensagem nº 967 de 18/07/2000), de modo que foi mantida a redação original dada pela Lei n.º 9.605/98 ao art. 40, caput, o qual concede proteção mais ampla às referidas “Unidades de Conservação“, nos termos propostos pelo art. 225, § 1º, inciso III, da CF/88. Desta forma, a divisão em dois grupos feita pela nova lei às “Unidades de Conservação“ não possui qualquer utilidade para fins penais, eis que prevaleceu a sua definição mais abrangente e que mais se coaduna com a ampla proteção visada pelo legislador constitucional. Sobre a matéria, vale destacar as lições de Luis Regis Prado, in Direito Penal do Ambiente, Ed. RT, pgs. 315/316): “A criação das Unidades de Conservação, substancialmente impulsionada a partir da promulgação da Constituição Federal de 1988 (art. 225, § 1º, III) constitui hoje importante instrumento de prevenção da ocorrência de danos aos ecossistemas. Recentemente, a Lei 9.985/2000 (art. 7º, I e II) determinou a divisão das unidades de conservação integrantes do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC) em dois grupos, com características específicas: o primeiro é composto pelas Unidades de Proteção Integral (v.g., estação ecológica); o segundo, pelas Unidades de Uso Sustentável (v.g., reserva ecológica) . Para efeitos jurídicos-penais, porém, essa diferenciação é de reduzido significado, pois o caput do artigo 40 da Lei 9.605/1998, ainda em vigor, refere-se às Unidades de Conservação em sentido amplo. Isso porque sua nova redação, conforme o artigo 39 da Lei 9.985/2000, acabou sendo vetada. Assim, a descrição típica do artigo em tela não acolhe a distinção feita pelo parágrafo 1º e reiterada pelo artigo 40-A, parágrafo 1º. Aliás, essa interpretação (sistemática/teleológica) é a que mais se coaduna com a finalidade de reforço de tutela presente na lei nova.“ (g.n.) Assim, revelam-se descabidos os argumentos de falta de regulamentação e de conseqüente atipicidade da conduta dos pacientes, porquanto restou demonstrado na sentença condenatória que a conduta por eles praticada, consubstanciada no loteamento clandestino numa das encostas da Serra da Cantareira/SP, causou dano direto em área de preservação ambiental denominada “Cinturão Verde de São Paulo“. Outrossim, a alegação de que a referida área não estaria abrangida por “Unidade de Conservação“ não pode ser apreciada na via eleita, uma vez que a aferição de tal argumento demandaria análise do conjunto fático-probatório, inviável em sede de habeas corpus . Com efeito, é sabido que a via estreita do writ é incompatível com a investigação probatória, nos termos da previsão constitucional que o institucionalizou como meio próprio à preservação do direito de locomoção, quando demonstrada ofensa ou ameaça decorrente de ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, inciso LXVIII). A configuração de qualquer dessas hipóteses, dessarte, não restou prontamente evidenciada. Assim, não se mostra adequado o exame da questão acima aduzida, tendo em vista a necessidade de revolvimento do conjunto fático probatório, inviável na via eleita. A respeito, os precedentes desta Corte: “PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. DESCLASSIFICAÇÃO DO CRIME DE LATROCÍNIO PARA HOMICÍDIO CULPOSO. IMPOSSIBILIDADE. LIMITES ESTREITOS DO MANDAMUS QUE IMPEDEM ANÁLISE PROBATÓRIA. ORDEM DENEGADA. O habeas-corpus, remédio constitucional assecuratório do direito de locomoção, mercê de seu rito célere, não comporta o exame de temas que, para o seu deslinde, demandem dilação probatória. In casu, o pleito é a desclassificação de crime de latrocínio para homicídio culposo, pela via estreita do writ, o que requer aprofundado exame do conjunto fático-probatório, inviável na via eleita. Ordem DENEGADA.“ (HC 41564/SP - Ministro PAULO MEDINA - DJ 06.02.2006) “HABEAS CORPUS. REVISÃO CRIMINAL. LATROCÍNIO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA ROUBO QUALIFICADO. IMPOSSIBILIDADE. ANÁLISE DE PROVA: INCABIMENTO NA VIA ESTRITA DO REMÉDIO HERÓICO. 1. Inviável a desconstituição de decisão proferida pelo d. Julgador de 1º grau e mantida pelo Tribunal de origem, em sede de revisão criminal, o que só é possível em casos excepcionais, mediante a demonstração prima facie de flagrante ilegalidade; 2. O habeas corpus não é a via adequada para desconstituir julgado, notadamente se as provas levadas a juízo, foram devidamente analisadas, submetidas ao crivo do contraditório, por não se prestar ao exame aprofundado do conjunto fático-probatório; 3. Ordem denegada.“ (HC 42935 / PR - Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA – DJ 24.10.2005) “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. FRAUDE CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. NEGATIVA DE AUTORIA. INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. IMPROPRIEDADE DO WRIT. Não cabe ser examinado em sede de habeas corpus alegação de insuficiência de provas para a condenação, em face da vedação ao minucioso exame do material cognitivo colhido no processo. (Precedentes.) Writ não conhecido.“ (HC 21.077/RS - Rel. Min. FÉLIX FISCHER - DJ de 10/06/2002). Por fim, no tocante à alegada nulidade da sentença condenatória em razão da deficiência de fundamentação quanto à dosimetria das penas do crime de loteamento clandestino, melhor sorte não socorre o impetrante. Assim consignou a Magistrada singular ao aplicar aos pacientes as penas do referido delito: “(...) Passo à dosimetria das penas. Os acusados Rubens, Dorivaldo e Geneton são primários (fls. 1325, 1299 e 1225, respectivamente). Atenta ao preceito sancionador do artigo 50, incisos I e III, e § único, incisos I e II, c.c o artigo 51, ambos da Lei n.º 6.766/79, e considerando o dolo dos agentes que tiveram por alvo pessoas humildes, leigas e de boa fé; os motivos do crime que cingiram-se na ganância desmedida, haja vista que dividiram a gleba em 1.250 lotes que foram vendidos a R$ 18.000,00 cada um; a conduta dos acusados que demonstram total descaso para com os Poderes Públicos, vez que não se contiveram diante da ação civil pública proposta no ano de 1996, do inquérito policial instaurado no ano de 1998 e mesmo após a busca e apreensão de todo o material existente no escritório da associação, que inclusive foi fechado, decorridas duas semanas já se encontrava em franco funcionamento; bem ainda das conseqüências do crime para algumas das vítimas cujas residências correm o risco de desmoronamento, fixo a pena-base dos acusados nos termos do artigo 59 do Código Penal, em 03 (três) anos de reclusão e multa de 100 (cem) vezes, 50 (cinqüenta) vezes e 10 (dez) vezes o salário mínimo vigente à época dos fatos e corrigidos monetariamente desde então, respectivamente aos réus Rubens, Dorivaldo e Geneton, ante as diferentes condições financeiras dos acusados, apuradas através das declarações de renda de cada qual (fls. 274/303)“ (g.n.). O delito em tela, descrito no art. 50 da Lei n.º 6.766/79, praticado pelos pacientes na forma qualificada prevista no § único do referido dispositivo legal, possui em seu preceito secundário pena que varia entre 01 (um) e 05 (cinco) anos de reclusão, e multa de 10 (dez) a 100 (cem) vezes o salário mínimo vigente no País. Conforme se extrai da parte dispositiva da sentença impugnada, a Magistrada exasperou a pena-base em 02 (dois) anos, fixando-a em 03 anos de reclusão, valorando negativamente 04 (quatro) circunstâncias judiciais, das 08 existentes no art. 59 do Código Penal, a saber: a culpabilidade (dolo que teve por alvo pessoas humildes, leigas e de boa fé), os motivos do crime (a ganância na divisão da gleba de terra em 1.250 lotes a serem vendidos a 18 mil reais cada), a conduta social (descaso com os Poderes Públicos) e as conseqüências do crime (algumas das vítimas correm o risco de terem suas residências desmoronadas por força da erosão causada pelo loteamento). A exasperação da pena-base se encontra devidamente fundamentada e, diversamente do alegado pelo impetrante, as considerações tomadas pela Julgadora não são inerentes ao próprio tipo penal. Com efeito. O dolo intenso, a ganância, o desrespeito para com os Poderes Públicos e os riscos que correm os compradores dos lotes localizados nas terras irregularmente parceladas pelos pacientes constituem um plus ao crime de loteamento clandestino, praticado na sua forma qualificada. Ademais, não merecem prosperar os argumentos desenvolvidos na impetração no sentido de que a regularização do parcelamento do solo está em andamento, bem como que não seria verdade que a ação civil pública ajuizada contra os pacientes teria impedido a execução do loteamento e que as moradias existentes não correm risco de desabamento. Com efeito. O fato de “estar em marcha“ o processo de regularização do loteamento clandestino não retira a ilicitude da conduta dos pacientes, e nem demonstra que efetivamente será regularizado, sendo certo, ainda, que a autorização para o loteamento deve ser prévia a qualquer ato concreto praticado pelo “loteador“, o que foi absolutamente desconsiderado pelos pacientes. De outro lado, ainda que não tenham sido concedidas as liminares na ação civil pública ajuizada contra os pacientes, resta evidente que o Poder Público já questionava a conduta praticada pelos mesmos, os quais, todavia, deram continuidade ao loteamento do solo demonstrando total descaso com a Justiça, mesmo após a instauração de inquérito policial a fim de apurar a suposta prática de crimes. Por fim, cumpre destacar que o habeas corpus não é o meio adequado para examinar a alegação de que as moradias construídas nos loteamentos não correm risco de desabamento, eis que tal exame demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Deve ser prestigiada a conclusão da sentença condenatória e do acórdão que a manteve, eis que suficientemente fundamentada a majoração da pena-base imposta aos réus, não restando caracterizada, portanto, qualquer afronta ao art. 59 do Código Penal. A orientação reiteradamente firmada nesta Corte é no sentido de que somente nas hipóteses de erro ou ilegalidade prontamente verificável na dosimetria da reprimenda, em flagrante afronta ao art. 59 do Código Penal, pode esta Corte reexaminar o decisum em tal aspecto, o que não é o caso. Nesse sentido, os seguintes precedentes: “CRIMINAL. HC. ESTELIONATO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO. DIVERGÊNCIA DO QUANTUM DA REPRIMENDA EM RELAÇÃO CO-RÉU. DIVERSIDADE DE SITUAÇÕES PENAIS. ASPECTOS QUE NÃO SÃO INERENTES AO TIPO PENAL. ORDEM DENEGADA. A pena imposta ao paciente foi fundamentadamente fixada, com base na devida análise das circunstâncias judiciais pertinentes e em obediência aos critérios de lei Magistrado singular proceder à ressalva dos motivos que levaram ao indigitado quantum da pena-base aplicada ao paciente, considerando, diferentemente do co-réu, a personalidade voltada para a prática criminosa, a não-reparação do dano, bem como o fato de ser funcionário da Instituição pública lesada – que não são inerentes ao tipo penal. Exasperação da reprimenda do co-réu baseada apenas aos seus maus antecedentes. Improcedente a alegação de ofensa ao princípio da individualização da pena, decorrente da dosimetria diferenciada para cada co-réu, eis que fulcrada em motivação de caráter exclusivamente pessoal. Absoluta identidade das situações não evidenciada. Não demonstrada a identidade das situações pessoais entre o paciente e o co-réu, que teve a pena reduzida em razão da ausência de maus antecedentes, tem-se como descabido o pedido de extensão. Somente nas hipóteses de erro ou ilegalidade prontamente verificável na dosimetria da reprimenda – em flagrante afronta aos ditames legais –, pode esta Corte reexaminar o decisum em tal aspecto, o que não se verifica in casu. Ordem denegada“ (HC 28897 / RJ, de minha relatoria, DJ de 29.09.2003) “RHC. TENTATIVA DE ROUBO QUALIFICADO. NEGATIVA DE AUTORIA. PENA-BASE. QUANTUM. DOSIMETRIA. SISTEMA TRIFÁSICO. INOCORRÊNCIA DE NULIDADE. REGIME FECHADO. GRAVIDADE GENÉRICA. Em sede de habeas corpus não se acolhe discussão de cunho eminentemente meritório, isto é, que necessita da incursão probatória e da via cognitiva plena. Se o Juiz fixou a pena a partir de fundamentação adequada, não é possível redimensioná-la em sede de procedimento heróico, pois, para tanto, necessário o confronto de dados probatórios do processo. A gravidade genérica do crime de roubo não pode ser o único motivo para fixar o regime fechado, ainda mais se a fixação da pena-base levou em conta a inexistência de circunstâncias desfavoráveis, tendo sido ela estabelecida no mínimo legal. Recurso provido em parte tão-somente para fixar o regime semi-aberto a ser cumprido desde logo em razão de estar em curso a execução provisória da pena“. (RHC 16274 / SP, Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, DJ de 21.03.2005) “HABEAS CORPUS. APROPRIAÇÃO INDÉBITA PREVIDENCIÁRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. JUSTIFICAÇÃO. CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS AO PACIENTE. 1. Inexiste coação ilegal se no acórdão atacado explicitou-se, adequadamente, os motivos que levaram à fixação da pena-base acima do mínimo legal; 2. Não há que se falar na gravidade em abstrato do delito, como único elemento propiciador da apenação, ou na absoluta ausência de circunstâncias para mantença da pena-base acima do mínimo legal, quando restaram analisadas diversas circunstâncias afetas ao caso concreto, como, por exemplo, o elevado grau de culpabilidade do agente, a estrutura montada para realizar as fraudes, a desmedida ambição do paciente em auferir ganhos ilegais, visto ser pessoa de bom nível sócio-cultural, e as perversas conseqüências sociais do crime; 3. Ordem denegada“. (HC 40090/RJ, Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, DJ de 25.04.2005). Quanto à pena de multa, entretanto, a fixação dos dias-multa, considerado o disposto no art. 59 do CP, atingiu o patamar máximo de 100 dias-multa em relação ao paciente RUBENS MICAEL ARAKELIAN, no valor unitário de um salário mínimo, em virtude da abastada situação econômica do paciente. Verifica-se, então, que o aresto impôs no máximo legal a pena de multa, mesmo após reconhecer, em relação à pena de reclusão, a inexistência de circunstâncias capazes de promover sua fixação acima do patamar de 05 anos de reclusão, já que não valorou negativamente todas as circunstâncias judiciais. Evidencia-se, portanto, excessivo rigor e insuficiente fundamentação para a exacerbação do quantum de dias-multa, em afronta aos artigos 49 e 59 do Código Penal. A respeito, o julgado: “RECURSO ESPECIAL. PENAL. REVISÃO CRIMINAL. FIXAÇÃO DA PENA DE MULTA. NECESSIDADE DE DIMINUIÇÃO EM FACE DA REDUÇÃO DA PENA RECLUSIVA PELO TRIBUNAL A QUO. PROCESSOS SEM O TRÂNSITO EM JULGADO. EXASPERAÇÃO DA PENA-BASE. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA NÃO-CULPABILIDADE. 1. No momento da dosimetria da pena o magistrado deve observar as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal e demais circunstâncias a ela relativas, tanto para a aplicação da pena corporal quanto para a pena de multa. Precedente desta Corte. 2. Nesse contexto, tendo a pena de multa se amparado, na espécie, nos mesmos fundamentos para a fixação da pena reclusiva, nada mais justo que, reduzida a reprimenda corporal pelo Tribunal de origem, em sede de apelação, seja efetuada a mesma redução também para a pena de multa imposta ao Réu. 3. Na fixação da pena-base, inquéritos e processos em andamento não podem ser levados em consideração como maus antecedentes, em respeito ao princípio da não-culpabilidade. Precedentes do STJ e do STF. 4. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, provido para reduzir a pena de multa aplicada ao ora Recorrente, de 100 (cem) dias-multa, para 80 (oitenta) dias-multa. Ordem concedida de ofício a fim de que, mantida a condenação, o Tribunal a quo reduza do quantum da pena-base o acréscimo advindo da circunstância judicial relativa aos maus antecedentes, na primeira parte da operação.“ (REsp 332.620/BA, Rel. Ministra LAURITA VAZ, DJ 13.12.2004). Cabe ressaltar que a situação econômica do réu, avaliada como abastada na presente hipótese, é considerada para determinar o valor unitário de cada dia-multa, e, nessa parte, não há ilegalidade no aresto impugnado. Resta evidenciado, neste aspecto, constrangimento ilegal, cabendo a concessão parcial da ordem para reformar a sentença condenatória e o acórdão impugnado, tão-somente no tocante à dosimetria da pena de multa aplicada ao paciente RUBENS MICAEL ARAKELIAN, a fim de que outra seja fixada, com a adequada e proporcional fundamentação, conforme já estabelecido para a reprimenda privativa de liberdade, mantida a condenação dos pacientes, à exceção do paciente DORIVALDO XERFAN, que teve reconhecida a extinção da sua punibilidade pelo Tribunal a quo, estando prejudicada a impetração em relação à sua pessoa. Diante do exposto, concedo em parte a ordem, nos termos da fundamentação acima. É como voto.
EMENTA - CRIMINAL. HC. LOTEAMENTO CLANDESTINO. CRIME AMBIENTAL. CONDENAÇÃO MANTIDA PELO TRIBUNAL A QUO. ART. 40 DA LEI N.º 9.605/98. UNIDADES DE CONSERVAÇÃO. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO. ATIPICIDADE DA CONDUTA. FALTA DE JUSTA CAUSA. NÃO OCORRÊNCIA. DEFINIÇÃO AMPLA. VIGÊNCIA À ÉPOCA DOS FATOS E DA DENÚNCIA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO EVIDENCIADO. NÃO CONFIGURAÇÃO DE ÁREA DE PROTEÇÃO AMBIENTAL. IMPROPRIEDADE DO WRIT. DOSIMETRIA. PENA-BASE ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS. IMPROCEDÊNCIA. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DESFAVORÁVEIS. ASPECTOS INERENTES AO TIPO PENAL. OFENSA AO PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA REPRIMENDA. NÃO-OCORRÊNCIA. PENA DE MULTA. FIXAÇÃO NO MÁXIMO PERMITIDO EM RELAÇÃO A UM DOS PACIENTES. DESPROPORCIONALIDADE EM RELAÇÃO À REPRIMENDA CORPORAL. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. I . Hipótese na qual os pacientes, condenados pela prática do crime de loteamento clandestino e de crime contra o meio ambiente, alegam falta de justa causa para a ação penal em relação a este, sustentando a atipicidade da conduta praticada por ausência de regulamentação, bem como erro na dosimetria da pena em relação àquele. II . A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. III .A Lei n.º 9.605/98 já trazia no texto original do § 1º do artigo 40 a definição de “Unidades de Conservação“. IV.A fim de regulamentar o art. 225, § 1º, incisos I, II e III e VII da Constituição Federal, o legislador originário editou a Lei n.º 9.985, de 18/07/2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza (SNUC). V. Referido diploma legal determinou a divisão das Unidades de Conservação integrantes do SNUC em dois grupos: Unidades de Conservação de Proteção Integral e Unidades de Conservação de Uso Sustentável (arts. 40, § 1º e 40-A, § 1º). VI.O caput dos referidos artigos com a nova redação dada pela Lei n.º 9.985/00 foi objeto de veto Presidencial, de modo que foi mantida a redação original dada pela Lei n.º 9.605/98 ao art. 40, caput, o qual concede proteção mais ampla às referidas “Unidades de Conservação“, nos termos propostos pelo art. 225, § 1º, inciso III, da CF/88. VII. A divisão em dois grupos feita pela nova lei às “Unidades de Conservação“ não possui qualquer utilidade para fins penais, eis que prevaleceu a sua definição mais abrangente e que mais se coaduna com a ampla proteção visada pelo legislador constitucional. VIII. Revelam-se descabidos os argumentos de falta de regulamentação e de conseqüente atipicidade da conduta dos pacientes, porquanto restou demonstrado na sentença condenatória que a conduta por eles praticada, consubstanciada no loteamento clandestino numa das encostas da Serra da Cantareira/SP, causou dano direto em área de preservação ambiental denominada “Cinturão Verde de São Paulo“. IX.A alegação de que a referida área não estaria abrangida por “Unidade de Conservação“ não pode ser apreciada na via eleita, uma vez que a aferição de tal argumento demandaria análise do conjunto fático-probatório, inviável em sede de habeas corpus. X. O Julgador de 1º grau utilizou, como fundamento para a elevação da pena-base acima do mínimo legal, a culpabilidade dos pacientes (dolo que teve por alvo pessoas humildes, leigas e de boa fé), os motivos do crime (a ganância na divisão da gleba de terra em 1.250 lotes a serem vendidos a 18 mil reais cada), suas condutas sociais (descaso com os Poderes Públicos) e as conseqüências do crime (algumas das vítimas correm o risco de ter suas residências desmoronadas por força da erosão causada pelo loteamento). XI.O dolo intenso, a ganância, o desrespeito para com os Poderes Públicos e os riscos que correm os compradores dos lotes localizados nas terras irregularmente parceladas pelos pacientes constituem um plus ao crime de loteamento clandestino, praticado na sua forma qualificada, não sendo, pois, inerentes ao tipo penal. XII.O fato de “estar em marcha“ o processo de regularização do loteamento clandestino não retira a ilicitude da conduta dos pacientes, nem demonstra que efetivamente será regularizado, sendo certo, ainda, que a autorização para o loteamento deve ser prévia a qualquer ato concreto praticado pelo “loteador“, o que foi absolutamente desconsiderado pelos pacientes. XIII. Ainda que não tenham sido concedidas as liminares na ação civil pública ajuizada contra os pacientes, resta evidente que o Poder Público já questionava a conduta praticada pelos mesmos, os quais, todavia, deram continuidade ao loteamento do solo demonstrando total descaso com a Justiça, mesmo após a instauração de inquérito policial a fim de apurar a suposta prática de crimes. XIV. O habeas corpus não é o meio adequado para examinar a alegação de que as moradias construídas nos loteamentos não correm risco de desabamento, eis que tal exame demandaria, necessariamente, o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. XV. Deve ser prestigiada a conclusão da sentença condenatória e do acórdão que a manteve, eis que suficientemente fundamentada a majoração da pena-base imposta aos réus, não restando caracterizada, portanto, qualquer afronta ao art. 59 do Código Penal. XVI. Para a fixação da pena de multa considera-se, primeiramente, o disposto no art. 59 do Estatuto Punitivo para o estabelecimento do número de dias-multa, e, em seguida, a situação econômica do sentenciado para determinar o valor de cada dia-multa. Precedente do STJ. XVII. Não obstante o reconhecimento da existência de certa discricionariedade na dosimetria da reprimenda, relativamente à exasperação das penas aplicadas – independente de sua natureza, privativa de liberdade ou de multa –, é indispensável a sua fundamentação, com base em dados concretos, em eventuais circunstâncias desfavoráveis do art. 59 do Código Penal. XVIII. Se a pena-base da reprimenda corporal não foi imposta no máximo previsto em lei, tal patamar não pode ser aplicado para a pena de multa. XIX. Evidencia-se, portanto, excessivo rigor e insuficiente fundamentação para a exacerbação do quantum dos dias-multa em relação a um dos pacientes, em afronta aos artigos 49 e 59 do Código Penal. XX. A situação econômica do réu, avaliada como abastada na presente hipótese, é considerada para determinar o valor unitário de cada dia-multa, e, nessa parte, não há ilegalidade no aresto impugnado. XXI. Deve ser reformada a sentença condenatória e o acórdão impugnado, tão-somente no tocante à dosimetria da pena de multa aplicada ao paciente RUBENS MICAEL ARAKELIAN, a fim de que outra seja fixada, com a adequada e proporcional fundamentação, conforme já estabelecido para a reprimenda privativa de liberdade, mantida a condenação dos pacientes, à exceção do paciente DORIVALDO XERFAN, que teve reconhecida a extinção da sua punibilidade pelo Tribunal a quo. XXII. Ordem parcialmente concedida, nos termos do voto do Relator.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. A Turma, por unanimidade, concedeu parcialmente a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. “Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 29 de junho de 2006 (Data do Julgamento)