Porte ilegal de arma e corrupção ativa. Prisão preventiva. Conveniência da instrução criminal. Motivação idônea. Decurso de prazo. Constrangimento ilegal caracterizado. Ordem concedida.
Rel. Min. Paulo Medina
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator): Habeas corpus, com pedido liminar, impetrado pelos advogados Ismar R. Lago e Fabíola Pacheco em favor de HILDGER RAMY MATOS FERREIRA, contra acórdão da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça da Bahia que, denegando a impetração originária, manteve a prisão do Paciente. A prisão decorreu de flagrante delito no dia 7 de maio de 2005. Paciente e co-réu denunciados em 23 de maio, sendo-lhes imputadas as condutas definidas pelos tipos do artigo 14, da Lei nº 10.826/2003, e artigo 333, do Código Penal - porte ilegal de arma e corrupção ativa. Interrogado em Juízo, o Paciente admite a prática do crime de corrupção ativa, mas nega ser dono da arma apreendida. Segundo a defesa, foi-lhe negado, no mesmo ato, o direito à liberdade provisória. Impetrou habeas corpus originário, cuja ordem restou denegada nos termos da seguinte ementa (fls. 015): “Habeas Corpus. Prisão em Flagrante. Existência de Pressupostos da Prisão Preventiva. Liberdade Provisória. Indeferimento. Para o magistrado manter a prisão em flagrante deverá motivar o seu despacho, e demonstrar a necessidade dessa prisão cautelar. Ordem denegada“. Daí a impetração. Em síntese, sustentam os Impetrantes a injustiça e ilegalidade da decisão, pela ausência dos requisitos ensejadores da prisão preventiva e, além disso, a ausência da necessidade da custódia antecipada, bem como a inexistência de fundamentação judicial idônea para manutenção do flagrante. Requerem a concessão da ordem para a soltura do Paciente. Indeferi a liminar, dispensando informações (fls. 028-029). O Ministério Público Federal apresenta parecer pela denegação da ordem, ao entendimento de que a decisão que decretou a preventiva está suficientemente fundamentada. Foi enviada pelo Cartório da Vara de origem, Comarca de Conceição do Jacuípe, BA, cópia, via fac-símile, da decisão de decretação da preventiva, em 15 de junho de 2005 - cuja juntada aos autos fica desde já determinada. É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator): Para decretar a prisão preventiva do Paciente e do co-réu Aldo Lima da Silva, o Juízo de primeiro grau invocou a conveniência da instrução criminal e garantia de aplicação da lei penal. Para fundamentar esse entendimento, apontou dois fatos: - não residirem os acusados no distrito da culpa - o que estaria a indicar a “possibilidade“ de fuga; - haver o Paciente oferecido um veículo ao policial, na tentativa de convencê-lo a não realizar a prisão em flagrante - o que estaria a demonstrar que, solto, poderia trabalhar contra a instrução criminal. Conforme consta do acórdão combatido, são essas as informações prestadas pelo magistrado à Corte Estadual (fls. 016): “...o paciente foi preso em flagrante no dia 06 de maio de 2005... que existiam 04 indivíduos no interior do veículo FORD FOCUS, fortemente armados... que foram encontrados em poder dos acusados armas de fogo (escopeta e dois revólveres)... que o paciente ofereceu ao comandante da guarnição policial um veículo para que fosse 'liberado'... revelando os autos que na referida data, possivelmente, o paciente subtraiu um veículo FORD FOCUS 2004/05 de assalto, na cidade do Salvador, de uma médica de nome“... O Tribunal decidiu pela manutenção da preventiva com base nessas razões que são, como se vê, apenas em parte, iguais àquelas que serviram de fundamento ao decreto prisional. Há no julgado menção explícita ao fundamento da “manutenção da ordem pública“, da seguinte forma (fls. 017): “(...) Portanto, no conceito de ordem pública visa-se também prevenir a reprodução de fatos criminosos, conforme se extrai do julgado acima transcrito. E há informações nos autos de que o paciente estaria praticando, de forma reiterada, atividades criminosas“. Ao teor do acórdão, sequer é possível falar-se na subsistência da “garantia da aplicação da lei penal“ como motivo de prender, visto não haver qualquer referência à possibilidade de fuga mencionada no decreto prisional. No julgamento de segundo grau, a “garantia de aplicação da lei penal“ deu lugar à “necessidade de manutenção da ordem pública“, pois, exceto pela menção à tentativa de corromper o policial, somente se faz alusão à gravidade do crime praticado e à presumível periculosidade do agente. Não estou afirmando que o entendimento expresso pelo Tribunal é inaplicável ao caso, mas que, a despeito da propriedade do argumento, não foi essa causa valorada no decreto preventivo. Atenho-me, pois, às razões invocadas pelo Juízo monocrático. Em que pese, como demonstrado, um certo divórcio entre os motivos indicados no acórdão e aqueles apontados na decisão de primeiro grau, entendo que o autor da ordem de prender tinha motivação idônea para tanto. É inegável que o comportamento do Paciente, no momento de sua prisão em flagrante, estava a exigir imediata providência da autoridade, dando concreção à cautelaridade. Não bastasse a suspeita que contra ele pesava quanto à prática do crime de porte de armas - fato que autoriza um prognóstico quanto à prática de outras infrações -, o Paciente atreveu-se a tentar corromper o condutor, desafiando uma reação do Poder Judiciário. O fato foi admitido pelo acusado, na ocasião do interrogatório judicial, alegando que foi tomado pelo desespero de estar sendo preso (fl. 019): “(...) que são verdadeiros os fatos descritos na denúncia quanto ao crime de corrupção ativa (...)“. Em tais condições, é perfeitamente legítima a custódia provisória que, nas circunstâncias, justifica-se corretamente na linha da conveniência da instrução. Como destaca Roberto Delmanto Júnior, reportando-se a decisões do Supremo Tribunal Federal (As modalidades de prisão provisória e seu prazo de duração. Rio/SP: Renovar, 2001, p. 173): “No que toca à conveniência da instrução criminal, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, decidiu no sentido de que não pode o decreto de prisão preventiva se 'basear em meras suposições, cumprindo apontar fatos concretos, vinculados à atuação do acusado, que comprovem atitudes contrárias aos interesses da instrução'.“ O decreto prisional, como visto, aponta fato concreto dessa natureza que, inclusive, é admitido pelo acusado. A propósito, a segunda parte do seguinte aresto da Suprema Corte (RHC 79.200/RJ, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ, 09-12-2005, p. 016): “1. (omissis) 2. Prisão preventiva: idoneidade da motivação atinente à conveniência da instrução criminal. A coação de testemunha - objeto inclusive da denúncia - é fato bastante para manter a prisão da paciente com fundamento na conveniência da instrução criminal que, no procedimento do Júri, não se esgota com a pronúncia. Reforça o fundamento a circunstância de haver a paciente sido pronunciada também pelo crime contra a administração da Justiça. A “possibilidade“ de fuga, ao contrário, parece-me um tanto abstrata, não tendo base empírica suficiente para sustentar-se e, talvez, por isso mesmo, o Tribunal não tenha se ocupado do seu exame. Por si, o fato de residir fora do distrito da culpa não transmuda o acusado em potencial fugitivo. Entendo justificado o decreto prisional, mas apenas pela necessidade de resguardar a regularidade e o bom andamento da atividade probatória, vez que guarda com ela uma relação de natureza instrumental. Não posso deixar de considerar, porém, o fato de que já se passou mais de um ano da prisão em flagrante (07 de maio de 2005), como também da prisão preventiva (15 de junho de 2005). Inexiste nos autos informação recente quanto à situação processual do Paciente, de modo que não há como saber ao certo até mesmo se a instrução foi ou não encerrada - a julgar pela certidão de fl. 010, a resposta seria positiva. Certo é que, a essa altura, não mais subsiste a prisão provisória fundada no motivo pelo qual foi decretada. Isso porquê: 1) se a fase de instrução processual chegou ao fim, juntamente com ela se extinguiu a própria razão de ser da custódia preventiva; 2) se a fase de instrução ainda não acabou, torna-se manifesto o excesso de prazo na constrição da liberdade pessoal. Em qualquer das duas situações, a manutenção da prisão a esse título converte-se em evidente constrangimento ilegal passível de ser sanado na via do habeas corpus . Posto isso, CONCEDO ordem, para revogar a prisão preventiva decretada com fundamento na conveniência da instrução criminal, determinando a imediata soltura do Paciente, se por outra razão não estiver preso.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PORTE ILEGAL DE ARMA E CORRUPÇÃO ATIVA. PRISÃO PREVENTIVA. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. MOTIVAÇÃO IDÔNEA. DECURSO DE PRAZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. ORDEM CONCEDIDA. - Decreto prisional com fundamentação idônea: acusado que oferece veículo a policial com a intenção de evitar sua prisão em flagrante está sujeito à custódia provisória que, nas circunstâncias, justifica-se corretamente na linha da conveniência da instrução. - Prisão preventiva decretada para resguardar a regularidade e o bom andamento da atividade probatória não pode subsistir depois de encerrada a fase de instrução e nem mesmo prolongar-se por mais de 1 (um) ano, ainda que não concluída aquela fase processual. - Ordem concedida para revogar a prisão preventiva decretada com fundamento na conveniência da instrução criminal, determinando a imediata soltura do Paciente, se por outra razão não estiver preso.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Brasília (DF), 29 de junho de 2006 (Data do Julgamento).
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