Prisão preventiva. Ausência de fundamentação. Requisitos do artigo 312 do CPP. Inocorrência.
Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (Relator): Cuida-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de MARCÍLIO GOMES DE OLIVEIRA, contra decisão proferida pelo Desembargador-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Acre. Narra a impetração que o paciente foi indiciado indiretamente, em 31 de agosto de 2005, por suposta colocação e manutenção em cárcere privado de funcionários da Fazenda Luiz Gomes, que vinha sendo objeto de invasão por diversas famílias. Sustenta que a representação pela prisão preventiva fundou-se no clamor público e no comprometimento da ordem pública, “sem no entanto mencionar qualquer fato concreto a justificar a medida excepcional“. Pugna pela revogação do decreto constritivo. Liminar indeferida (fl. 20); informações prestadas (fls. 45/59). O Ministério Público Federal opina pela concessão da ordem (fls. 61/63). É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA (Relator): 1. Com razão o i. representante ministerial. 2. Encontra-se o magistrado obrigado fundamentar suas decisões sob pena de nulidade; sua manifestação deve, por óbvio, estar arrimada em elementos concretos, obtidos a partir das circunstâncias expressamente evidenciadas nos autos processuais. A jurisprudência deste Superior Tribunal de Justiça é uníssona nesse sentido: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . ROUBO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO. PEDIDO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 312 DO CPP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO CONCRETA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA. 1. A manutenção preventiva no cárcere, por ser medida excepcional que restringe a liberdade individual, em face da presunção de não-culpabilidade, exige a devida fundamentação calcada em elementos concretos que indiquem a necessidade da custódia cautelar. 2. In casu, o indeferimento da liberdade provisória teve por lastro, unicamente, a gravidade do delito e, dela decorrente, a suposta repercussão social do crime, deixando a fundamentação de contemplar qualquer outra situação capaz de justificar a manutenção da prisão processual do paciente para a garantia de ordem pública. Precedentes. 3. As condições pessoais do paciente são favoráveis à concessão do benefício e, apesar de não garantirem, por si, o direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas em face da ausência de fundamentação concreta que justifique a constrição excepcional da liberdade. 4. Writ concedido.“ (HC 38.987/PB, 6ª Turma, de minha relatoria, DJ 7/3/2005); “PROCESSUAL PENAL. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. PEDIDO DE CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA. RÉU PRIMÁRIO. AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. O risco à garantia da ordem pública, da instrução criminal e da aplicação da lei penal deve estar amparado em elementos concretos e objetivos, não atendendo às exigências legal e constitucional a vedação da liberdade provisória embasada na lei ou na gravidade do delito. ORDEM CONCEDIDA para determinar que a Paciente aguarde em liberdade o julgamento da ação penal.“ (HC 40.141/SP, 6ª Turma, Rel. Min. Paulo Medina, DJ 1º/8/2005). 3. A prisão processual encontra fronteiras na limitação constitucional que proíbe a manutenção no cárcere, quando admitida a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI, da CF).
Por sua vez, o art. 312 do Código de Processo Penal autoriza a decretação da prisão preventiva como garantia da ordem pública e da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal. Decorre, dessarte, da disciplina constitucional das liberdades públicas, que, mesmo no caso de prisão em flagrante delito, o acusado livrar-se-á solto, se não estiverem presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva. Entretanto, não se pode olvidar que a decisão acerca da prisão preventiva exige devida fundamentação (art. 93, IX, da CF), a qual não se pode cingir a afirmar a gravidade in abstrato do delito ou, de modo genérico, a necessidade de garantia da ordem pública ou da correta aplicação da lei, bem como a conveniência da instrução criminal. Acerca da gravidade do delito, cumpre frisar que, caso admitida de modo abstrato como circunstância afastadora da liberdade provisória em todos os crimes cujo tipo penal tem por elementos a violência ou a grave ameaça, isso seria o mesmo que içá-los à categoria dos delitos insuscetíveis do livramento provisório. 4. Na presente hipótese, limitou-se o magistrado singular a destacar o caráter preventivo da medida, sem apontar, concretamente, os fatos ensejadores da constrição. Observe-se: “(...) Nessa senda, vislumbro estar presente, no caso in concreto , o fundamento da garantia da ordem pública, da aplicação da lei penal e da conveniência da instrução criminal. É que somente com a decretação da medida excepcional poder-se-á impedir que os representados continuem a praticar delitos como o ora em questão ou impedir que estes ameaçem as vítimas. A prática desses crimes sempre despertam indignação e clamor social, causando ainda medo aos trabalhadores rurais, sobretudo quando se trata de uma comunidade rural com grande incidência de crimes desta espécie. De outro giro, também vislumbro presente o fundamento da conveniência da instrução criminal e da garantia da aplicação da lei penal. É que somente com a decretação da medida excepcional poder-se-á impedir que os representados procedam a novas ameaças às vítimas. Ademais, há que se impedir que os acusados reincidam nas mesmas práticas delitivas. Impõem-se, portanto, a medida como garantia do próprio prestígio da justiça e da segurança da atividade jurisdicional“ (fl. 32). Como bem destacou o i. representante ministerial, verbis: “A detenção cautelar, quando assume contornos de 'antecipação de sanção penal', tem sido repelida pela jurisprudência como abusiva e censurável (STJ - REsp 700119/GO, rel. Min. Gilson Dipp, DJU 27.06.2005, p. 441; STF - HC 80.277-SP, rel. Min. Maurício Corrêa, DJU 04.05.01). A orientação do Supremo Tribunal Federal, homenageando o princípio de que a prisão 'é uma exceção à regra da liberdade ' (HC 80.282-SC, rel. Min.Nelson Jobim, DJU 02.02.01), tem sido sempre no sentido de que é preciso 'que se evidenciem, com fundamento em base empírica idônea, razões justificadoras da imprescindibilidade da adoção, pelo Estado, dessa extraordinária medida cautelar de privação da liberdade ' (HC 74.666-RS, rel. Min. Celso de Mello, DJU 11.10.02)“ (fl. 63, grifos no original). 5. Diante do exposto, CONCEDO a ordem pretendida, para revogar o decreto de prisão preventiva, mediante assinatura de termo de compromisso de comparecimento a todos os atos processuais, sob pena de nova decretação. É como voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. PRISÃO PREVENTIVA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REQUISITOS DO ARTIGO 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. INOCORRÊNCIA. 1. Encontra-se o magistrado obrigado fundamentar suas decisões sob pena de nulidade; sua manifestação deve, por óbvio, estar arrimada em elementos concretos, obtidos a partir das circunstâncias expressamente evidenciadas nos autos processuais; 2. A prisão processual encontra fronteiras na limitação constitucional que proíbe a manutenção no cárcere, quando admitida a liberdade provisória, com ou sem fiança; 3. Acerca da gravidade do delito, cumpre frisar que, caso admitida de modo abstrato como circunstância afastadora da liberdade provisória em todos os crimes cujo tipo penal tem por elementos a violência ou a grave ameaça, isso seria o mesmo que içá-los à categoria dos delitos insuscetíveis do livramento provisório; 4. Ordem concedida para revogar o decreto de prisão preventiva.
ACÓRDÃO - Vistos relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em conceder a ordem de habeas corpus , nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Paulo Medina votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Nilson Naves. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Brasília (DF), 18 de maio de 2006
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