Furto qualificado. Estelionato. Quadrilha. Violação de sigilo bancário. Fraude por meio da internet. Prisão preventiva. Reiteração criminosa. Ordem denegada.
Rel. Min. Gilson Dipp
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator): Trata-se habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que denegou ordem anteriormente impetrada em favor de ANTÔNIO VINÍCIUS QUEIROZ MORAES, visando à revogação da prisão preventiva contra ele decretada. O paciente foi denunciado, juntamente com outros co-réus, pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 155, § 4º, incisos II, 171, caput, 288, do Código Penal, art. 10 da Lei Complementar n.º 105/2001, bem como art. 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613, pela suposta prática de fraudes cometidas por meio da Internet. Ainda na fase inquisitorial, o Magistrado singular decretou a prisão preventiva do paciente (fls. 24/36). Irresignada, a Defesa ajuizou pedido de revogação da custódia cautelar, tendo o Juízo monocrático indeferido o pleito. Em seguida, foi impetrado habeas corpus originário, reiterando o pleito de soltura do réu. O Tribunal a quo, entretanto, denegou a ordem, nos termos da seguinte ementa: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. CPP, ART. 312. FRAUDES BANCÁRIAS PERPETRADAS PELA INTERNET. ABALO NA CONFIABILIDADE DAS INSTITUIÇÕES FINANCEIRAS. CONVENIÊNCIA DA SEGREGAÇÃO PARA GARANTIA DA ORDEM ECONÔMICA. 1. Justifica-se a decretação da prisão preventiva para salvaguarda da ordem econômica quando exsurge dos elementos levados ao conhecimento do juízo a participação do agente em quadrilha envolvida com a prática, em larga escala e através da rede mundial de computadores, de fraudes contra o sistema bancário, porquanto elevada a potencialidade de abalo no nível de confiança das instituições financeiras oficiais. 2. Em razão do rito célere de processamento do habeas corpus, os fatos alegados no writ devem ser provados de plano, através da apresentação de prova pré-constituída. A ausência na impetração, pois, de demonstração de ser o paciente possuidor de condições desfavoráveis (ocupação lícita, domicílio certo e bons antecedentes) consiste em circunstância que, em princípio, respalda a necessidade de sua segregação “ (fl. 55). Daí a presente impetração, por meio da qual se reitera o pleito de soltura do paciente, sustentando a ausência de fundamento legal para a manutenção da custódia preventiva, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP. Aduz-se, ainda, que o paciente ostenta bons antecedentes, é primário e reside com os pais. A liminar foi indeferida à fl. 180. A Subprocuradoria-Geral da República opinou pela denegação da ordem (fls. 183/189). É o relatório. Em mesa para julgamento.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP (Relator): Trata-se habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, que denegou ordem anteriormente impetrada em favor de ANTÔNIO VINÍCIUS QUEIROZ MORAES, visando à revogação da prisão preventiva contra ele decretada. O paciente foi denunciado, juntamente com outros co-réus, pela suposta prática dos crimes previstos nos artigos 155, § 4º, incisos II, 171, caput, 288, do Código Penal, art. 10 da Lei Complementar n.º 105/2001, bem como art. 1º, inciso VII, da Lei nº 9.613, pela suposta prática de fraudes cometidas por meio da Internet. Em razões, sustenta-se, em suma, ausência de fundamento legal para a manutenção da custódia preventiva, ante a ausência dos requisitos previstos no art. 312 do CPP. Aduz-se, ainda, que o paciente ostenta bons antecedentes, é primário e tem residência fixa com seus pais. Não merece prosperar a irresignação. O decreto prisional possui o seguinte teor: “ (...) Com efeito, o novo relatório das interceptações telefônicas apresentado pela autoridade policial (fls. 238/250) mostra que os papéis desempenhados por ALBERTO e VINICIUS na atividade investigada podem ser mais significativos do que inicialmente referido. (...). Quanto a VINICÍUS, há indicativos de que, efetivamente, ele possui sólidos conhecimentos de informática, e, embora não esteja sediado em Florianópolis, mantém relações estreitas com IGOR e o assessora em suas ações. (...) O que acima foi dito mostra que, no presente caso, a segurança e a credibilidade da própria ordem econômica estão em risco, em face do volume dos desvios até agora perpetrados pelos hackers, cujos montante, embora certamente considerável, ainda pende de apuração, mas, principalmente, em face dos dissabores e dos prejuízos que eles estão causando a quantidades crescentes de correntistas e ao próprio sistema bancário. Mas, além da garantia da ordem econômica, a prisão dos investigados que desempenham papeis mais importantes na trama delituosa é necessária por conveniência da instrução criminal e para assegurar a aplicação da lei penal. Pelo que até aqui foi apurado, os investigados movimentam-se com bastante facilidade. Portanto, não é demais inferir que, caso as suas prisões preventivas não sejam decretadas, alguns deles, muitos deles ou todos eles poderão facilmente evadir-se, não sendo demais imaginar que possam até mesmo deslocar-se para o exterior, de onde poderão perseverar na prática delituosa (fls. 38/46). O Tribunal a quo, por sua vez, ao manter o decreto prisional, asseverou que: “ (...) Resta assim, analisar a presença, na hipótese vertente, dos pressupostos da custodia provisória. Observa-se, a respeito, que o juízo impetrado decretou a prisão preventiva do paciente, entre outros, com a finalidade de salvaguarda da ordem econômica, em vista dos prejuízos que a organização criminosa vem causando “a quantidades crescentes de correntistas e ao próprio sistema bancário“, havendo a possibilidade de efetuação de operações ilegais da ordem de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Ressaltou o julgador a quo, outrossim, que a medida também apresentar-se-ia necessária por conveniência à instrução criminal e para assegurar a futura aplicação da lei penal, porquanto os investigados poderiam facilmente evadir do distrito da culpa. Não obstante o crime tenha ocorrido sem violência ou grave ameaça, a manutenção da custodia se faz necessária, haja vista investigar-se, no caso, a existência de quadrilha especializada em fraudar o sistema bancário, por intermédio da rede mundial de computadores, que, apesar de sediada em Florianópolis/SC, possuiria ramificações em diversos Estados-Membros da Federação, apresentando-se, por conseguinte, indene de duvida a inegável repercussão negativa na ordem econômica, não apenas em vista dos prejuízos causados a terceiros titulares das contas-correntes saqueadas, mas principalmente em decorrência da conduta criminosa ter atingido a própria credibilidade do sistema bancário. De fato, no caso em testilha, vislumbra-se razoável atribuir ao grupo desvendado o perfil de autentica organização criminosa, ( pois evidente a existência de certa hierarquia e divisão de funções entre seus membros), que, para a consecução de seus intentos, utilizaria meios tecnológicos sofisticados, procedendo, ainda, o recrutamento de outras pessoas, de fora do núcleo da organização, titulares das contas-correntes onde depositados os recursos provenientes das fraudes financeiras. (...) Acrescenta-se, ainda, que o modus operandi da quadrilha é de difícil constatação, por ser praticado através da rede mundial de computadores, o que autoriza a ilação da necessidade da contenção dessas ilicitudes. (...) De igual sorte, a necessidade de imposição da prisão processual com o escopo de assegurar a regular instrução criminal justifica-se para garantir a coleta de provas imprescindíveis à formação da opinio delict do parquet, sobretudo diante da facilidade de ocultação dos elementos probatórios dos crimes cometidos pela internet, bem como em virtude de alguns membros do alto e médio escalão do esquema criminoso estarem (segundo salientado pelo magistrado a quo no decisum hostilizado) influindo na busca da verdade real mediante a eliminação de elementos probatórios. (...) No caso em tela, todavia, observa-se que o writ não traz elementos suficientes a demonstrar , sob este viés, o desacerto da decisão objurgada, muito pelo contrário, posto que o impetrante não comprovou, mediante a apresentação de documentos, o domicilio certo do paciente, bem como ser ele detentor de bons antecedentes ou ocupação lícita. (...) A propósito, insta salientar, inclusive, que a escuta telemática das linhas telefônicas utilizadas por integrantes da organização desvelou que Antonio Vinicius deteria maior conhecimento na área de informática e de programas auto infect do que o próprio Igor, sendo certo que em algumas conversas interceptadas, Igor consulta o nominado sobre programas key logger, (fl. 94), programa esse responsável pelo registro e capturação dos dados bancários de usuários de microcomputadores. (...) Assim sendo, in casu, incide também a vedação contida no art 7º da Lei nº 9.034/95 que, ao dispor sobre os meios operacionais para a prevenção e a repressão de ações praticadas por quadrilhas, exclui a possibilidade de concessão de liberdade provisória, com ou sem fiança, “aos agentes que tenham tido intensa e efetiva participação na organização criminosa“, como se delineia a situação fática pertinente a Antônio Vinícius (fls. 48/53). Não se vislumbra, portanto, deficiência na fundamentação da medida constritiva imposta ao paciente. A hipótese dos autos evidencia que o paciente seria um membro importante, com grande conhecimento em informática, de grupo hierarquicamente organizado com o fim de praticar fraudes por meio da Internet, concernentes na subtração de valores de contas bancárias, em detrimento de diversas vítimas e instituições financeiras. Nesse contexto, considerando as peculiaridades concretas das práticas supostamente criminosas e o posto do acusado na quadrilha, a sua liberdade poderia ensejar, facilmente, a reiteração da atividade delitiva, indicando a necessidade de manutenção da custódia cautelar. Com efeito. As eventuais fraudes podem ser perpetradas na privacidade da residência, do escritórios ou, sem muita dificuldade, em qualquer lugar em que se possa ter acesso à rede mundial de computadores. Dessa forma, a real possibilidade de reiteração criminosa, constatada pelas evidências concretas do caso em tela, é suficiente para fundamentar a segregação do paciente para garantia da ordem pública. Nesse sentido, trago à colação os seguintes precedentes desta Corte: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. DENÚNCIA. ARTS. 171, § 3°, 288, AMBOS DO CÓDIGO PENAL, E 10 DA LEI COMPLEMENTAR 105/2001. PRISÃO PREVENTIVA. DECISÃO PÚBLICA E ECONÔMICA. FRAUDES PELA INTERNET. CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL DEMONSTRADA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. ORDEM DENEGADA. 1. A prova da materialidade do delito (desvio de recursos via internet) e os veementes indícios de autoria, aliados à necessidade precípua de garantia da ordem pública e econômica (proteção do meio social da ação ilícita dos membros da quadrilha) justificam o decreto de prisão preventiva, tendo em vista que restou demonstrada satisfatoriamente a sua necessidade, não havendo falar em constrangimento ilegal. 2. Com efeito, a facilidade de uso pelo paciente de programa de computador capaz de capturar senhas e contas-correntes por meio da internet, movimentando recursos expressivos e trazendo prejuízo a inúmeras vítimas autoriza a custódia cautelar, inclusive por conveniência da instrução criminal . 3. Por outro lado, conforme pacífico magistério jurisprudencial, eventuais condições pessoais favoráveis ao paciente, tais como primariedade e bons antecedentes, não garantem o direito à revogação da custódia cautelar, tendo em vista que a necessidade de sua manutenção restou demonstrada pela presença dos requisitos previstos no art. 312 do Código de Processo Penal. 4. Ordem denegada.“ (HC 40.537/PA, DJ de 26/09/2005, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA) “CRIMINAL. HC. FRAUDES POR MEIO DA INTERNET. PRISÃO PREVENTIVA. GRAVIDADE DO CRIME. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. IRRELEVÂNCIA. PEDIDO DE EXTENSÃO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. ORDEM PARCIALMENTE CONHECIDA E DENEGADA. I . Hipótese em que o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de estelionato e formação de quadrilha, pois seria integrante de grupo hierarquicamente organizado com o fim de praticar fraudes por meio da Internet, concernentes na subtração de valores de contas bancárias, em detrimento de diversas vítimas e instituições financeiras do Brasil e do exterior. II . O réu ocupava, em tese, a função de programador, responsável técnico pelo software e pelos e-mails por onde circulavam grande quantidade de informações bancárias. III .Não há ilegalidade na decretação da custódia cautelar do paciente, tampouco no acórdão confirmatório da segregação, pois a fundamentação encontra amparo nos termos do art. 312 do Código de
Processo Penal e na jurisprudência dominante. IV. A gravidade do delito pode ser suficiente para motivar a segregação provisória como garantia da ordem pública. Precedente. A liberdade do réu poderia, facilmente, ensejar a reiteração da atividade delitiva, tendo em vista que praticada via computador . I . Condições pessoais favoráveis do agente não são garantidoras de eventual direito subjetivo à liberdade provisória, se a manutenção da custódia encontra respaldo em outros elementos dos autos. II .O pleito de extensão dos efeitos do decisum que concedeu liberdade provisória a alguns co-réus não foi examinado pelo Tribunal a quo. III .A análise da matéria por esta Corte ocasionaria indevida supressão de instância. IV.Ordem parcialmente conhecida e denegada.“ (HC 34.965/PA, DJ de 20/09/2004, de minha Relatoria). Não há, portanto, constrangimento ilegal a ser sanado na via eleita. Diante do exposto, denego a ordem. É como voto.
EMENTA - CRIMINAL. HC. FURTO QUALIFICADO. ESTELIONATO. QUADRILHA. VIOLAÇÃO DE SIGILO BANCÁRIO. FRAUDES POR MEIO DA INTERNET. PRISÃO PREVENTIVA. POSSIBILIDADE CONCRETA DE REITERAÇÃO CRIMINOSA. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA DEMONSTRADA. PRESENÇA DOS REQUISITOS AUTORIZADORES. ORDEM DENEGADA. I. Hipótese na qual o paciente foi denunciado pela suposta prática dos crimes de furto qualificado, estelionato, formação de quadrilha e violação de sigilo bancário, pois seria membro importante, com grande conhecimento em informática, de grupo hierarquicamente organizado com o fim de praticar fraudes por meio da Internet, concernentes na subtração de valores de contas bancárias, em detrimento de diversas vítimas e instituições financeiras. II. Não há ilegalidade na decretação da custódia cautelar do paciente, tampouco no acórdão confirmatório da segregação, pois a fundamentação encontra amparo nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal e na jurisprudência dominante. III. As peculiaridades concretas das práticas supostamente criminosas e o posto do acusado na quadrilha revelam que a sua liberdade poderia ensejar, facilmente, a reiteração da atividade delitiva, indicando a necessidade de manutenção da custódia cautelar. IV. As eventuais fraudes podem ser perpetradas na privacidade da residência, do escritórios ou, sem muita dificuldade, em qualquer lugar em que se possa ter acesso à rede mundial de computadores. V. A real possibilidade de reiteração criminosa, constatada pelas evidências concretas do caso em tela, é suficiente para fundamentar a segregação do paciente para garantia da ordem pública. VI. Ordem denegada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça. “A Turma, por unanimidade, denegou a ordem. “Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Felix Fischer votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 12 de junho de 2006(Data do Julgamento)
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