Delação premiada. Pedido de acesso aos autos de investigação preambular em que foram estabelecidos acordos. Indeferimento. Sigilo das investigações.
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Adoto no relatório a narrativa dos fatos trazida no parecer ministerial, in verbis : “Trata-se de habeas corpus, substitutivo de recurso ordinário, impetrado em favor de ROBERTO BERTHOLDO , contra acórdão do e. Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4ª Região), que negou ao acusado o direito de acesso aos autos de procedimento criminal sigiloso em que foi firmado acordo de delação premiada com ANTONIO CELSO GARCIA. Eis o v. acórdão, litteris: “PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 1O DA LEI 9.296/96. ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA. NEGATIVA DE ACESSO. CERCEAMENTO DE DEFESA. INOCORRÊNCIA. ATOS PROCESSUAIS. PROVAS. NULIDADE. IMPEDIMENTO DO JUIZ. ALTERAÇÃO DO QUADRO FÁTICO. 1. Não existe ilegalidade na decisão que negou à defesa acesso aos autos procedimento inquisitivo que contém informações sigilosas, referentes a outras pessoas e situações investigadas, tendo em vista que o material probatório pertinente ao acusado foi encartado nos autos da ação penal instaurada em seu desfavor, sendo adequadamente submetido ao crivo do contraditório e ampla defesa. 2. Restando evidenciada notória alteração da situação processual na instância de origem, qual seja, superveniência de ato sentencial onde as alegações de impedimento do juízo e nulidade das provas obtidas foram tratadas explicitamente sob novos fundamentos, sem que isso tenha sido objeto de inconformismo do Impetrante, revela-se prejudicada a análise dessa tese, eis que, no ponto, não subsistem os fundamentos fáticos que deram origem à propositura deste remédio constitucional.“ (fl. 3935) Consta dos autos que ANTONIO CELSO GARCIA (vulgo “Tony Garcia“) foi preso preventivamente no curso do processo nº 2003.70.00.0021364-3. No curso do feito, divulgou e forneceu indícios relacionados a supostos crimes perpetrados em co-autoria por ROBERTO BERTHOLDO - ora paciente - Sérgio Renato Costa Filho e Sérgio Rodrigues de Oliveira, dentre outros. Foram instaurados Procedimentos Criminais Diversos perante a 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR. Ao que consta, “Tony Garcia“ e o Ministério Público Federal firmaram acordo de delação premiada, nos autos do PCD nº 2004.70.00.015190-3, sendo o réu, por força desse acordo, posto em liberdade com o objetivo de colher provas relativas aos acontecimentos noticiados pelo Parquet naquela oportunidade. A par disso, o MM. Juízo Federal da 2ª Vara Criminal de Curitiba/PR autorizou a realização de uma série de medidas destinadas a investigar os eventos noticiados (interceptação telefônica dos terminais utilizados pelos investigados, quebra do sigilo bancário dos agentes e das empresas de sua propriedade, escutas ambientais em áudio e vídeo etc), coletando-se robusto conjunto probatório, indicando a suposta prática dos delitos de interceptação clandestina (art. 10 da Lei nº 9.296/96), tráfico de influência e lavagem de dinheiro. Diante de tais fatos, o Ministério Público Federal denunciou ROBERTO BERTHOLDO , bem como Sérgio Renato da Costa Filho e Sérgio Rodrigues de Oliveira, pela prática, em tese, do crime previsto no art. 10 da Lei nº 9.296/96 (por quarenta e uma vezes), na forma do art. 69 do Código Penal. Na mesma oportunidade, o Parquet Federal ofereceu uma outra denúncia (a ser distribuída por dependência a primeira), imputando ao paciente os delitos previstos nos arts. 332, § 1º, do CP (por duas vezes), e art. 1º, V, § 1º, II, da Lei nº 9.613/98, em concurso material. Atendendo requerimento formulado pelo órgão ministerial, o MM. Juiz Federal Substituto da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR, em 28 de outubro de 2005, decretou a prisão preventiva de ROBERTO BERTHOLDO , “para garantia da ordem pública, da instrução criminal e a fim de assegurar a aplicação da lei penal“. Diante do decreto prisional, a defesa do réu impetrou habeas corpus perante o e. TRF-4ª Região, alegando, em síntese, que “Antonio Celso Garcia comunicou ao Juiz Federal Sérgio Moro que ele seria vítima do crime de interceptação telefônica, supostamente cometido por Roberto Bertholdo, com a participação do próprio delator. [...] Moro passou a investigar o acusado logo após ter sido comunicado por Tony que seria vítima do crime descrito no art. 10 da Lei 9.296/96, praticado por Bertholdo. [...] Em 1º de fevereiro de 2005, esse Magistrado autorizou uma ampla devassa na vida pessoal e na atividade profissional do acusado“. Destacaram os impetrantes, ainda, que o referido MM. Juiz Federal, sendo a suposta vítima do crime de interceptação ilegal de comunicações telefônicas (art. 10 da Lei nº 9.296/96), estaria impedido de autorizar as medidas investigatórias, pleiteando a declaração da nulidade dos atos praticados, e o reconhecimento da ilicitude das provas coletadas, as quais ensejaram a instauração de processo-crime em desfavor de ROBERTO BERTHOLDO . Alegaram, igualmente, violação da garantia constitucional da ampla defesa, porquanto não teria sido franqueado aos advogados do acusado acesso à “decisão que permitiu ao delator Tony Garcia tornar- se um meio de prova da força-tarefa, colhendo todo o material probatório que respaldou as acusações contra o réu“. Julgando o writ, a c. 8ª Turma do e. TRF-4ª Região denegou a ordem, nos termos do voto proferido pelo Exmº. Desembargador Federal, Dr. ÉLCIO PINHEIRO DE CASTRO (fls. 3932/3934). No presente habeas corpus, os il. causídicos alegam que o conteúdo das delações premiadas é imprescindível para o exercício da ampla defesa de ROBERTO BERTHOLDO , pois ele estaria sendo criminalmente processado por fatos originados das informações prestadas ao Parquet Federal e a Justiça Federal por seus delatores. Assim, fazem o seguinte pedido, verbis: “[...] o acesso dos defensores do paciente ao processo nº 2004.70.00.043116-0, no bojo do qual fora efetivada a delação premiada de ANTONIO CELSO GARCIA, assim como ao processo que instrumentalizou a delação premiada de SÉRGIO RENATO COSTA FILHO, resguardando o devido sigilo a terceiros.“ (fl. 19) O eminente Ministro Gilson Dipp, para quem este habeas corpus foi inicialmente distribuído, indeferiu o pedido de liminar nos termos da decisão de fl. 3923. As judiciosas informações foram prestadas às fls. 3927/3928, com a juntada de cópia do acórdão impugnado. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 3938/3945, opinando pela denegação da ordem, em parecer que guarda a seguinte ementa: “PENAL. HABEAS CORPUS. PEDIDO DE ACESSO AOS AUTOS DE PROCEDIMENTO CRIMINAL EM QUE O MINISTÉRIO PÚBLICO FIRMOU ACORDO DE DELAÇÃO PREMIADA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE. AMPLA DEFESA DO RÉU QUE SE SATISFAZ COM AS INFORMAÇÕES JUNTADAS AOS AUTOS DO PROCESSO-CRIME, DEVIDAMENTE ANALISADAS NA SENTENÇA CONDENATÓRIA. PARECER PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM.“ Acolhendo pedido dos Impetrantes, o Relator originário reconheceu a inexistência de conexão a ensejar a distribuição deste feito por prevenção, razão pela qual determinou sua livre distribuição (fl. 3950), cabendo a mim a relatoria. É o relatório.
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora): A presente impetração se insurge “contra ato ilegal praticado pela 8.ª Turma do TRF da 4.ª Região nos autos do HC 2006.04.00.007320-0, resultante, por sua vez, de constrangimento ilegal originário do Juízo da 2.ª Vara Federal Criminal da Subseção Judiciária de Curitiba/PR, nos autos dos Processos n.º 2005.70.00.029546-2 e 2004.70.00.043116-0 (reflexamente, também nos autos n.º 2005.70.00.029545-0, 2005.70.00.034324-9 e 2005.70.00.029733-1)“ (fl. 02). Buscam os Impetrantes “o acesso aos procedimentos no bojo dos quais o juízo da 2ª Vara Federal Criminal de Curitiba/PR homologou acordos de delação premiada com ANTÔNIO CELSO GARCIA e SERGIO RENATO COSTA FILHO e que propiciaram, ao mesmo juízo, realizar investigação criminal que resultou na propositura dos processos penais n.º 2005.70.00.029546-2, 2005.70.00.029545-0, 2005.70.00.034324-9 e 2005.70.00.029733-1 contra o paciente. Justifica-se o pedido porque o paciente, já condenado numa dessas ações penais, pretende (a) apurar eventual nulidade originária dos acordos firmados pelos delatores, na medida em que pactuados com Procuradores da República e Juiz Federal suspeitos e (b) defender-se contra os termos dos acordos e contra o conteúdo dos documentos juntados por um dos delatores, teses essas obstadas com a manutenção do sigilo que impera até o momento e que fissura as garantias do contraditório, da ampla defesa e do duplo grau de jurisdição“ (fl. 03). A pretensão, contudo, não prospera. Com efeito, se havia algum interesse dos advogados do réu no inteiro teor das declarações prestadas pelos delatores na fase preambular meramente investigatória, ele não mais subsiste neste momento processual, em que já foram instauradas ações penais - algumas delas até sentenciadas e com apelações em tramitação na correspondente Corte Regional - porque tudo que dizia respeito ao Paciente, e serviu para subsidiar as acusações promovidas pelo Ministério Público, foi oportuna e devidamente juntado aos respectivos autos. E, independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal. Quanto a disposição da defesa de “apurar eventual nulidade originária dos acordos firmados pelos delatores“ , conforme entendimento assente nesta Corte, “O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não tem o condão de macular a futura ação penal“ (HC 43.908/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ 03/04/2006). A questão, a propósito, foi reexaminada, com propriedade e acerto, pelo Juiz Federal sentenciante na Ação Penal n.º 2005.70.00.029545-0, não merecendo qualquer reparo: “CERCEAMENTO DE DEFESA - NEGATIVA DE ACESSO À ACORDO DE COLABORAÇÃO DE TERCEIRO A questão já foi objeto de análise pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região no HC 2006.04.00.007320-0/PR, impetrado pela defesa do ora réu. Naquela decisão foi consignado que o pedido de vista daqueles autos foi acertadamente indeferido na decisão prolatada nos autos 2004.70.00.043116-0/PR, acolhendo-se, na íntegra, a fundamentação lá exposta pelo MM. Juiz Titular nos seguintes termos: “Autos 2004.70.00.043116-0. O feito contém acordo celebrado entre o MPF e Antônio Celso Garcia e em relação ao qual há cláusula de confidencialidade quanto aos seus termos específicos. Para a defesa do requerente nas ações penais que responde basta saber que existe acordo e que ele prevê a redução da pena de Antônio Celso Garcia caso ele colabore com a Justiça dizendo a verdade em seus depoimentos e sob pena de quebra de compromisso. Por outro lado, no feito foram colhidas provas relativas a outras investigações que não envolvem o ora requerente. Tais investigações poderiam restar prejudicadas caso fosse dada às provas prematura publicidade. Diga-se, ainda, que o material probatório presente nos autos pertinente ao réu, notadamente as escutas ambientais, já foi encaminhado ao Juízo das ações penais a que responde. Eventual material adicional deve ser requerido como prova emprestada através daquele Juízo. Assim, indefiro o pedido de vista.“ Também não vejo motivos para que o ora réu tenha conhecimento integral do conteúdo do acordo celebrado pelo Ministério Público Federal com terceiro. Para exercício da ampla defesa nas ações penais que responde, e nas quais haja depoimento de ANTÔNIO CELSO GARCIA, basta que tenha conhecimento da existência do acordo e que nele há o compromisso do colaborador em dizer a verdade. A valoração dos depoimentos prestados por ANTÔNIO CELSO GARCIA, especialmente no que tange à veracidade das informações por ele prestadas, é questão que deverá ser tratada no âmbito das respectivas ações penais, a partir das provas nelas colhidas, e sob o mais amplo contraditório. O acesso àquele acordo, por outro lado, implicaria em prejuízo a outras investigações desencadeadas a partir das informações prestadas naqueles autos, o que justifica também sob este prisma a negativa de acesso.“ (fls. 705/706) No mesmo diapasão, escorreita a decisão que indeferiu o pedido nos autos Ação Penal n.º 2005.70.00.029546-2: “O requerimento da defesa para vista dos autos em que o Ministério Público Federal firmou acordos de delação premiada com ANTÔNIO CELSO GARCIA e SÉRGIO RENATO COSTA FILHO deve ser indeferido. Inicialmente cabe consignar que, conforme bem observado pelo Ministério Público Federal à fl. 467, é da natureza dos procedimentos previstos pela Lei n.º 9.807/99 seu trâmite em segredo de justiça. E isso tanto para resguardar aqueles que firmaram o acordo de colaboração quanto para garantir o sigilo de investigações relacionadas ou decorrentes das informações prestadas pelo colaborador. O fato de tais testemunhas terem prestado informações e depoimentos relacionados aos fatos que são objeto da presente ação penal não gera direito subjetivo ao acusado à vista daqueles autos, pois o contraditório é exercido sobre os fatos e provas que integram a ação penal, não se estendendo a procedimentos a ela alheios. Saliente-se que além de ambas essas testemunhas terem sido ouvidas em juízo, exercendo a defesa o contraditório em relação a seus depoimentos, toda prova de forma direta ou indireta se relaciona a essas testemunhas já integra a ação penal, carecendo a defesa de interesse jurídico para vista desses procedimentos.“ (fl. 1765) Corrobora esse entendimento o parecer do Ministério Público Federal da lavra da douta Subprocuradora-Geral da República Dra. Lindôra Maria Araujo, in verbis : “O conteúdo dos acordos de delação premiada - mais precisamente, o de “Tony Garcia“ -, concessa venia, em nada pode interessar à defesa do acusado nas ações penais contra ele instauradas. É que, para ser efetivada a ampla defesa constitucionalmente assegurada (CRFB/88, art. 5º, LV), basta ao acusado conhecer os fatos a ele imputados na denúncia, os quais devem ser narrados de forma clara, precisa e individualizada. Com efeito, tudo que tiver sido apurado em decorrência das informações prestadas pelos delatores já terá, necessariamente, sido juntado aos autos dos processos-crimes em questão. E, assim, contra tais informações a defesa de ROBERTO BERTHOLDO já poderá ter exercido o contraditório processual, sendo prescindível o conhecimento, pelos il. defensores, dos acordos de delação premiada firmados. No caso específico da ação penal que já conta com sentença condenatória prolatada, certamente a ampla defesa e o contraditório terão sido efetivamente exercidos no momento oportuno, sendo descabido indagar - como faz o writ - até que ponto as informações e os documentos oferecidos pelos delatores, sequer juntados aos autos do processo-crime, “não foram considerados intimamente na convicção realizada pelo julgador“ (fl. 14). Como é cediço, nosso processo penal consagra, quando à apreciação das provas pelo julgador, o sistema do livre convencimento motivado , o que significa dizer que a convicção do magistrado é relativamente livre, devendo ele indicar, em sua sentença, as provas constantes dos autos que embasaram suas conclusões sobre a verdade real trazida para o processo. Não há como cogitar - pois isto configuraria exercício especulativo certamente inócuo - se o conteúdo integral dos acordos de delação firmados, supostamente conhecido pelo il. magistrado sentenciante mas sequer juntado aos autos do processo-crime, isto é, desconsiderado na instrução criminal, teria produzido algum efeito sobre a íntima convicção do julgador, até porque sempre se disse que “o que não está nos autos, não está no mundo“. De resto, deixo consignado que o acordo de delação premiada foi firmado entre o Parquet Federal e ANTONIO CELSO GARCIA em caráter sigiloso, e tal sigilo não se trata de um mero “capricho“ ou um algum tipo de estratagema para esconder de ROBERTO BERTHOLDO as informações a serem levantadas. Trata-se de autêntica cautela processual, inclusive para segurança das pessoas envolvidas, haja vista ser notório que o paciente é indivíduo perigoso, tendo sido preso preventivamente, entre outros motivos, por ter praticado “sessão de tortura“ contra seu ex-sócio, SÉRGIO RENATO DA COSTA FILHO – justamente um dos delatores. Diante de todo o exposto, opina o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL pela denegação da ordem.“ (fls. 3943/3945) Ante o exposto, DENEGO a ordem. É o voto.
VOTO-VOGAL - EXMO. SR. MINISTRO GILSON DIPP: Sr. Presidente, acompanho o voto da Sra. Ministra Relatora. É interessante o fato de os Tribunais superiores se manifestarem a respeito da jurisprudência que está sendo sedimentada, e felizmente sedimentada, em 1º grau de jurisdição e nos Tribunais Regionais Federais. Grande parte dessa incompreensão que se faz presente, bem como do ataque à figura do co-réu colaborador, devem-se, muitas vezes, ao total desconhecimento de que esse meio de prova, que está previsto na Lei dos Crimes Hediondos, na Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, na Lei dos Crimes contra o Sistema Financeiro Nacional, na Lei de Lavagem de Dinheiro, na Lei Intermediária de Tóxicos, e, agora, corroborada na Lei de Proteção às Testemunhas, jamais foi atacado com a eiva de inconstitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal. Aliás, é um instituto que já vem sendo utilizado na Europa e nos Estados Unidos há muito tempo. O que importa nos acordos é que haja o controle jurisdicional. No caso, o que os juízes, principalmente os juízes das varas federais criminais especializadas, têm feito, é proporcionar a celebração do acordo entre defesa, ou seja, co-réu colaborador e seu advogado, e o Ministério Público, seguida da homologação pelo Magistrado. Esse acordo tem, certamente, ocorrido em autos em sigilo de justiça, naqueles chamados procedimentos criminais diversos na Justiça Federal. O teor do acordo está na proteção, não só das pessoas que possam ser envolvidas pelo teor das informações, mas da própria garantia de que o co-réu colaborador vá ter aplicado a seu favor as benesses que a lei lhe proporciona, dependendo da efetividade do seu grau de cooperação. A palavra do co-réu colaborador, por si só, não serve para embasar uma condenação, não serve sequer para embasar uma denúncia. Ela precisa vir nos autos, no bojo da ação penal, acompanhada de outros indícios de prova que corroborem suas assertivas. Está dito no acordo, na garantia do co-réu colaborador, que este será beneficiado relativamente ao grau de sua informação, ou seja, no acordo é dito que se for efetiva a colaboração, ele terá a pena atenuada ou substituída por restritiva de direitos ou até mesmo beneficiado pelo perdão judicial, que a lei permite. Tudo isso talvez fira a nossa suscetibilidade em termos de cultura histórica do Direito Penal. Agora, o réu não tem direito a ter acesso a esse acordo, que é homologado pelo juiz e na garantia do próprio co-réu colaborador. O teor das informações, no momento do procedimento da ação penal, seja pelo depoimento do co-réu colaborador como testemunha, ou pelos fatos narrados que foram decorrentes do acordo de delação premiada, estes sim são objeto do crivo do contraditório e da ampla defesa, como foi feito, no presente caso, pelo que deduzi da leitura do voto da Ministra Relatora. Então, aquilo que foi informado no acordo e que interessa à sociedade. Acordo de delação premiada é para crimes graves, não só do co-réu colaborador como daquele co-réu delatado, porque acordo de delação premiada não foi feito para furto de galinha, não pode ser banalizado nem pode ser objeto de intermediários, de “corretores“ de delação premiada. Por isso, cabe o controle jurisdicional. Neste caso, se as provas, se as informações prestadas, seja pela forma de depoimento testemunhal, seja por fatos narrados por interceptações telefônicas, se esses dados obtidos em decorrência de acordo de delação premiada foram objeto na ação penal do crivo do contraditório e da ampla defesa, não há nada a ser sanado. Por isso, com essas considerações adicionais, uma vez que o instituto é novo e merece uma reflexão e merece melhor explicitação das leis, o que não ocorre na legislação brasileira, está havendo uma construção jurisprudencial partindo das instâncias inferiores, o que é benéfico para o sistema. O prestigiamento das instâncias ordinárias é um corolário que não podemos perder de vista sob pena de termos, como disse, em tom de elogio, o advogado que anteriormente ocupou a tribuna, mas que considero como desmerecimento, que julgamos dez mil processos por ano, enquanto a Suprema Corte portuguesa julga cem processos. Isso não é elogio. Isso é uma crítica expressa ao sistema que vivenciamos. Denego a ordem de habeas corpus.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PEDIDOS DE ACESSO A AUTOS DE INVESTIGAÇÃO PREAMBULAR EM QUE FORAM ESTABELECIDOS ACORDOS DE DELAÇÃO PREMIADA. INDEFERIMENTO. SIGILO DAS INVESTIGAÇÕES. QUESTÃO ULTRAPASSADA. AJUIZAMENTO DE AÇÕES PENAIS. ALGUNS FEITOS JÁ SENTENCIADOS COM CONDENAÇÃO, PENDENTES DE JULGAMENTO APELAÇÕES. FALTA DE INTERESSE. MATERIAL QUE INTERESSAVA À DEFESA JUNTADO AOS AUTOS DAS RESPECTIVAS AÇÕES PENAIS. FASE JUDICIAL. MOMENTO PRÓPRIO PARA O CONTRADITÓRIO E A AMPLA DEFESA. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. 1. Se havia algum interesse dos advogados do réu no inteiro teor das declarações prestadas pelos delatores na fase preambular meramente investigatória, ele não mais subsiste neste momento processual, em que já foram instauradas ações penais - algumas delas até sentenciadas e com apelações em tramitação na correspondente Corte Regional - porque tudo que dizia respeito ao Paciente, e serviu para subsidiar as acusações promovidas pelo Ministério Público, foi oportuna e devidamente juntado aos respectivos autos. E, independentemente do que fora declarado na fase inquisitória, é durante a instrução criminal, na fase judicial, que os elementos de prova são submetidos ao contraditório e à ampla defesa, respeitado o devido processo legal. 2. Além disso, conforme entendimento assente nesta Corte, “O material coligido no procedimento inquisitório constitui-se em peça meramente informativa, razão pela qual eventuais irregularidades nessa fase não têm o condão de macular a futura ação penal“ (HC 43.908/SP, 5.ª Turma, de minha relatoria, DJ 03/04/2006). 3. Ordem denegada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA
TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. Impedido o Sr. Ministro Felix Fischer. SUSTENTOU ORALMENTE: DR. ANDREI ZENKNER SCHMIDT (P/ PACTE) Brasília (DF), 12 de dezembro de 2006 (Data do Julgamento)
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