Crime de imprensa. Difamação. Menor potencial ofensivo. Competência absoluta do Juizado Especial Criminal. Processamento perante o Juízo Comum. Nulidade. Transcurso do biênio prescricional. Declaração de ofício da extinção da punibilidade.
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora): Trata-se de Habeas Corpus, com pedido de liminar, impetrado em favor de JOSÉ BARRIONUEVO, em face de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul. Consta que o ora Paciente, jornalista, restou condenado pela 9.ª Vara Criminal de Porto Alegre, como incurso no art. 21 da Lei n.º 5.250/67 (difamação - Lei de Imprensa), à pena de seis meses de detenção e multa de três salários mínimos, tendo sido substituída a pena privativa de liberdade por prestação de serviços à comunidade, por igual período. Anote-se que a competência do Juízo sentenciante já havia sido declarada pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande de Sul, ao julgar o conflito de competência n.º 70008103889 suscitado pelo 2.º Juizado Especial Criminal. A apelação interposta pela defesa foi desprovida pela Corte gaúcha. Seguiram-se recursos especial e extraordinário, ambos obstados na origem, ensejando a interposição de agravos de instrumento, respectivamente, para o Superior Tribunal de Justiça e para o Supremo Tribunal Federal, os quais ainda pendem de julgamento. Alega o Impetrante, em suma, nulidade absoluta por incompetência do Juízo sentenciante, indicando ser a competência do Juizado Especial Criminal. Aduz ainda ter sido prejudicado pela ausência de proposta de suspensão condicional do processo, nos termos do art. 89 da Lei n.º 9.099/95. Pede, assim, a concessão de liminar para que “seja suspensa a ação penal, até o julgamento do presente writ e, no mérito, seja concedida a ordem, para o fins de ser anulado o processo desde o início, na forma do art. 652, do Código de Processo Penal, em face da manifesta incompetência da 9.ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca de Porto Alegre para apreciar a questão, remetendo-se o feito ao 2.º Juizado Especial Criminal do Foro Central da mesma Comarca“ (fl. 14). O pedido de liminar foi deferido, nos termos da decisão de fls. 1728/1729, “para o fim de determinar a suspensão do cumprimento das penas impostas, até o julgamento final deste habeas corpus“ . As judiciosas informações foram prestadas às fls. 1775/1778, com a juntada de peças processuais pertinentes à instrução do feito. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 2061/2063, opinando pela concessão da ordem, em parecer que guarda a seguinte ementa: “HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE QUE O PROCESSO É NULO EM RAZÃO DA INCOMPETÊNCIA DO JUÍZO. Esta Corte Superior de Justiça e o Pretório Excelso firmaram já entendimento no sentido de ser cabível a aplicação da Lei n.º 9.099/95 aos crimes tipificados na Lei de Imprensa . PARECER PELA CONCESSÃO DA ORDEM.“ É o relatório.
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora): A insurgência merece acolhida. Com efeito, o ora Paciente foi processado e condenado, como incurso no art. 21 da Lei n.º 5.250/67 (difamação - Lei de Imprensa), por Juízo absolutamente incompetente. De fato, o crime em tela é definido como de menor potencial ofensivo (pena de 3 a 18 meses de detenção e multa), nos termos do art. 61 da Lei n.º 9.099/95, c.c. o art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/2001, legislação mais benéfica aplicável também para os chamados crimes de imprensa. Portanto, a causa deveria ter sido processada no Juizado Especial Criminal, conforme jurisprudência desta Corte: “CONFLITO DE COMPETÊNCIA. PENAL. CRIME DE IMPRENSA. COMPETÊNCIA TERRITORIAL. ARTIGO 42 DA LEI DE IMPRENSA. JUÍZO DO LOCAL DA IMPRESSÃO DO JORNAL OU PERIÓDICO. 1. Nos crimes cometidos por meio da imprensa, o lugar do delito, para a determinação da competência territorial, será aquele em que for impresso o jornal ou periódico, e o do local do estúdio do permissionário ou concessionário do serviço de radiodifusão, bem como o da administração principal da agência noticiosa, e, não, o local em que a matéria jornalística tida por ofensiva foi supostamente elaborada pelo seu subscritor. Inteligência do artigo 42 da Lei de Imprensa. 2. Esta Corte Superior de Justiça e o Pretório Excelso firmaram já entendimento no sentido de ser cabível a aplicação da Lei nº 9.099/95 aos crimes tipificados na Lei de Imprensa (cf. HC nº 77.962/SP, Relator Ministro Sepúlveda Pertence, in DJ 11/12/98; REsp nº 169.027/RJ, Relator Ministro Jorge Scartezzini, in DJ 4/10/99; HC nº 9.475/CE, Relator Ministro Fontes de Alencar, in DJ 8/11/99). 3. Conflito de competência conhecido para declarar competente o Juízo de Direito do III Juizado Especial Criminal do Rio de Janeiro/RJ, o suscitado.“ (CC 38.940/SP, 3.ª Seção, Rel. Min. HAMILTON CARVALHIDO, DJ de 19/12/2003; grifei.) Cumpre ressaltar que o fato de a Lei de Imprensa prever procedimento especial não afasta a competência do Juizado Especial Criminal, conforme tem reiteradamente decidido esta Corte. Nesse sentido, dentre muitos outros, o seguinte precedente: “CRIMINAL. RESP. USO DE ENTORPECENTES. INFRAÇÃO DE MENOR POTENCIAL OFENSIVO. LEI DOS JUIZADOS ESPECIAIS FEDERAIS. ALTERAÇÃO DO LIMITE DE PENA MÁXIMA. COMPETÊNCIA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CRIMINAIS AINDA QUE O DELITO POSSUA RITO ESPECIAL. MODIFICAÇÃO DA INTERPRETAÇÃO DADA AO ART. 61 DA LEI Nº 9.099/95. TRANSAÇÃO PENAL. POSSIBILIDADE. PROPOSTA. PRERROGATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO. RECURSO PROVIDO. I. A Lei nº 10.259/01, que instituiu os juizados especiais cíveis e criminais no âmbito da Justiça Federal, é aplicável na Justiça Estadual, pois o art. 2º, parágrafo único, da referida Lei acabou por derrogar tacitamente o art. 61 da Lei nº 9.099/95. II. Incidência do princípio constitucional da isonomia, uma vez que não há sentido em se criar dois sistemas de juizados especiais diferentes, uma no âmbito federal e outra no estadual. III. Não tendo a nova lei feito qualquer ressalva acerca dos delitos submetidos a procedimentos especiais, todas as infrações cujas penas máximas não excedam a dois anos, inclusive as de rito especial, passaram a integrar o rol dos delitos de menor potencial ofensivo, atraindo a competência dos Juizados Especiais. IV. O crime de posse de substância entorpecente para uso, cuja pena máxima prevista é de dois anos, passou a ser considerado delito de menor potencial ofensivo, de competência do Juizado Especial Criminal, sendo-lhe aplicável o benefício da transação penal. V. É defeso ao juiz oferecer a proposta de transação penal, de ofício ou a requerimento da parte, uma vez que esse ato é privativo do representante do Parquet, titular da ação penal pública. VI. Havendo recusa injustificada do órgão de acusação acerca do oferecimento da proposta de transação penal, ou divergência entre este e o Magistrado sobre o seu cabimento, os autos devem ser encaminhados ao Procurador-Geral de Justiça, em aplicação analógica ao disposto no art. 28 do CPP. VII. Recurso provido.“ (REsp 737.688/SP, 5.ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 16/10/2006; grifei.) Aliás, a edição da Lei n.º 11.313, de 28 de junho de 2006, veio a convalidar esse entendimento jurisprudencial, porquanto deu nova redação aos arts. 60 e 61 da Lei n.º 9.099/95, retirando a ressalva que havia ao procedimento especial. Confira-se: “Art. 60. O Juizado Especial Criminal, provido por juízes togados ou togados e leigos, tem competência para a conciliação, o julgamento e a execução das infrações penais de menor potencial ofensivo, respeitadas as regras de conexão e continência. Parágrafo único. Na reunião de processos, perante o juízo comum ou o tribunal do júri, decorrentes da aplicação das regras de conexão e continência, observar-se-ão os institutos da transação penal e da composição dos danos civis.“ “Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.“ Assim, é nulo o processo ab initio em face da incompetência absolta do Juízo processante. E, tendo em conta a inexistência de sentença penal condenatória válida até a presente data, constata-se a prescrição do crime em tela, nos moldes do art. 41 da Lei de Imprensa, que fixa em dois anos o prazo prescricional, já transcorridos desde os fatos em apuração que datam de junho de 2003. Registro, por oportuno que, por se tratar de matéria de ordem pública, é prescindível a provocação da parte para o reconhecimento da prescrição, devendo ser declarada de ofício, em qualquer fase do processo. Ante o exposto, CONCEDO a ordem para anular, ab initio, o processo em tela; e, por conseguinte, declaro, de ofício, a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime imputado ao Paciente, em face da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 41 da Lei n.º 5.250/67. É o voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS . CRIMES DE IMPRENSA. DIFAMAÇÃO (ART. 21 DA LEI N.º 5.250/67). MENOR POTENCIAL OFENSIVO. COMPETÊNCIA ABSOLUTA DO JUIZADO ESPECIAL CRIMINAL. PROCESSAMENTO PERANTE O JUÍZO COMUM. NULIDADE. TRANSCURSO DO BIÊNIO PRESCRICIONAL (ART. 41 DA LEI N.º 5.250/67). MATÉRIA DE ORDEM PÚBLICA. DECLARAÇÃO, DE OFÍCIO, DA EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. 1. O crime em tela (difamação - Lei de Imprensa) é definido como de menor potencial ofensivo, nos termos do art. 61 da Lei n.º 9.099/95, c.c. o art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/2001, legislação mais benéfica aplicável também para os chamados crimes de imprensa. Competência absoluta do Juizado Especial Criminal para processar e julgar a causa. 2. O fato de a Lei de Imprensa prever procedimento especial não afasta a competência do Juizado Especial Criminal, conforme tem reiteradamente decidido esta Corte. Aliás, a edição da Lei n.º 11.313, de 28 de junho de 2006, veio a convalidar esse entendimento jurisprudencial, porquanto deu nova redação aos arts. 60 e 61 da Lei n.º 9.099/95, retirando a ressalva que havia ao procedimento especial, derrogado pelo art. 2.º, parágrafo único, da Lei n.º 10.259/2001. 3. Tendo o feito tramitado perante o Juízo comum, é nulo o processo ab initio em face da incompetência absolta do Juízo processante. E, tendo em conta a inexistência de sentença penal condenatória válida até a presente data, constata-se a prescrição do crime em tela, nos moldes do art. 41 da Lei de Imprensa, que fixa em dois anos o prazo prescricional, já transcorridos desde os fatos em apuração que datam de junho de 2003. 4. Por se tratar de matéria de ordem pública, é prescindível a provocação da parte para o reconhecimento da prescrição, devendo ser declarada de ofício, em qualquer fase do processo. 5. Ordem concedida para anular, ab initio, o processo em tela; e, por conseguinte, declarar, de ofício, a extinção da punibilidade estatal quanto ao crime imputado ao Paciente, em face da prescrição da pretensão punitiva, nos termos do art. 41 da Lei n.º 5.250/67.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Felix Fischer e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 07 de dezembro de 2006 (Data do Julgamento)
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