Roubo qualificado e formação de quadrilha. Inépcia da denúncia. Falta de justa causa. Matérias não apreciadas pelo Tribunal a quo. Supressão de instância. Custódia cautelar. Excesso de prazo fora dos limites da razoabilidade. Precedentes.
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Trata-se de habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, sem pedido liminar, impetrado em favor de JOSÉ LUCIANO RODRIGUES GOMES, preso preventivamente, desde 13 de outubro de 2005, e denunciado pela prática, em tese, dos crimes de roubo qualificado e formação de quadrilha, contra acórdão denegatório proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, assim ementado: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADO COMO INCURSO NO ARTIGO 288, PARÁGRAFO ÚNICO DO CP. ALEGAÇÃO DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL POR INEXISTÊNCIA NOS AUTOS, DOS ELEMENTOS AUTORIZADORES DA MEDIDA CAUTELAR. DECRETO SUFICIENTEMENTE FUNDAMENTADO. DENUNCIADOS INTEGRANTES DA DENOMINADA QUADRILHA DA METRALHADORA E QUE PRATICAM AÇÕES VIOLENTAS EM DIVERSAS CIDADES DOS ESTADOS DE ALAGOAS E BAHIA. CUSTÓDIA DECRETADA COMO GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA, APLICAÇÃO DA LEI PENAL E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. NECESSIDADE DE MANUTENÇÃO DA CUSTÓDIA PRÉVIA. PACIENTE APONTADO COMO CHEFE DA QUADRILHA, CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO. ORDEM DENEGADA.“ (fl. 10) O Impetrante alega, preliminarmente, que a denúncia “não informou a peça pórtico, quais foram os roubos, onde foram os roubos e quem foram as vítimas que o paciente teria causado danos“, pugnando pela “exclusão do paciente do sumário da culpa por falta de justa causa“ (fl. 03). Defendeu o Impetrante, ainda, excesso de prazo na formação da culpa, porque quando da impetração - datada de 11 de novembro de 2006 - o processo já mantinha o Paciente segregado há mais de 01 (um) ano, oportunidade em que requereu a expedição de alvará de soltura em seu favor. Solicitadas as informações, em 22 de novembro de 2006, pedido por duas vezes reiterado, o Tribunal de Justiça baiano não atendeu a determinação deste Superior Tribunal de Justiça, motivo pelo qual os autos foram encaminhados ao Ministério Público Federal para oferecimento de parecer, diante da urgência que o caso exigia. O Ministério Público Federal, deixando de se pronunciar sobre a ausência de informações sobre o andamento do feito, manifestou-se às fls. 39/43, em parecer que guarda a seguinte ementa: “Habeas Corpus. Quadrilha da metralhadora. Excesso de prazo. Razoabilidade. Complexidade do feito. Pluralidade de réus. Greve dos serventuários da Justiça. Presença dos requisitos da custódia cautelar. Inépcia da denúncia. Matéria não analisada pelo Tribunal a quo. Parecer pelo conhecimento parcial da ordem e pela sua denegação na parte conhecida.“ É o relatório.
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): Inicialmente, cumpre asseverar que, consoante se observa da acurada leitura de todos os documentos juntados aos autos, mormente o acórdão que denegou a impetração originária, contra o qual se insurge a presente ordem, as teses relativas à inépcia da denúncia e à falta de justa causa na ação penal não foram objeto de análise pelo Tribunal a quo, razão pela qual não podem ser conhecidas no presente momento, sob pena de vedada supressão de instância. Nesse sentido: “PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. INÉPCIA DA DENÚNCIA. TESE NÃO EXAMINADA PELO E. TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. COMPETÊNCIA. VEREADOR. PRERROGATIVA DE FUNÇÃO CONSTANTE DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL DO RIO DE JANEIRO. SIMETRIA. I - Não tendo a tese da inépcia da denúncia sido apreciada pela autoridade apontada como coatora, fica esta Corte impedida de examiná-la, sob pena de supressão de instância. (Precedentes). II - “A Constituição estadual pode atribuir competência ao respectivo tribunal de justiça para processar e julgar, originariamente, vereador, por ser agente político, ocupante de cargo eletivo, integrante do Legislativo municipal, o qual encontra simetria com os cargos de deputados estaduais, federais e senadores, sendo que estes, por força do disposto na própria Constituição Federal (art. 102, inc. I, letra b), têm foro por prerrogativa de função perante o Supremo Tribunal Federal, e aqueles perante os respectivos tribunais de justiça, conforme Cartas estaduais, tendo em vista, inclusive, a regra que se contém no art. 25, parte final, da Carta da República“ (HC 40.388/RJ, 5ª Turma, Rel. p/ acórdão Min. Arnaldo Esteves Lima, DJ 10/10/2005). III - No caso em tela, o paciente exerce o cargo de vereador. Todavia, a despeito da previsão de prerrogativa de foro constante na Constituição Estadual do Rio de Janeiro, a ação penal vem tramitando em 1ª instância, o que enseja o reconhecimento de sua nulidade. Writ parcialmente conhecido e, nesta parte, concedido.“ (HC 57257/RJ, 5ª Turma, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 12/02/2007.) De outro lado, no tocante ao excesso de prazo, ressalte-se que os prazos indicados para a consecução da instrução criminal servem apenas como parâmetro geral, porquanto variam conforme as peculiaridades de cada processo, razão pela qual a jurisprudência uníssona os tem mitigado (princípio da razoabilidade). Todavia, em pese a gravidade das condutas imputadas ao Paciente - acusado de roubos qualificados e formação de quadrilha -, resta evidenciado o constrangimento ilegal na espécie, decorrente de excesso de prazo na formação da culpa, uma vez que os autos informam que o ora Paciente encontra-se preso há mais de um ano e seis meses, aguardando a conclusão da instrução criminal contra si instaurada. Com efeito, a Emenda Constitucional n.º 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no art. 5.º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. Da consulta relativa ao andamento do processo a que responde o Paciente, realizada no endereço eletrônico do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia, e da ata de audiência realizada no dia 11 de abril de 2007, juntada pelo Impetrante, infere-se que passados mais de um ano e seis meses da prisão cautelar do acusado, o processo encontra-se, ainda, na fase de inquirição de testemunhas de acusação. Ao que se tem, embora o Paciente esteja preso desde 13 de outubro de 2005, a primeira audiência, designada para o dia 26 de abril de 2006, não se realizou em virtude da paralização dos serventuários da justiça baiana. Nova data foi marcada para a oitiva das testemunhas de acusação - 15 de dezembro de 2006 -, todavia, novamente a audiência não se realizou, sendo remarcada no dia 11 de abril de 2007. Desta feita, conforme ata de audiência juntada aos autos, as testemunhas de acusação não foram ouvidas porque a Oficial de Justiça, por estar doente, não pôde intimá-las em tempo hábil. O Juízo processante, então, determinou a expedição de carta precatória para a inquirição de uma testemunha de acusação, estabelecendo o prazo de 45 dias para seu cumprimento, e designou o dia 11 de julho de 2007 para a nova audiência de instrução, “em razão da exclusiva falta de pauta“ , como justificativa. Como se vê, o atraso é completamente desmedido, violando, assim, o princípio da tempestividade do processo ou da razoabilidade dos prazos processuais. Nesse diapasão: “CRIMINAL. HC. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO PARA A FORMAÇÃO DA CULPA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CONFIGURADO. ORDEM CONCEDIDA. I. Hipótese em que a prisão cautelar do paciente já se prolonga por quase 01 ano, em decorrência de motivos que não podem ser atribuídos ao réu. II. Evidenciada flagrante afronta ao princípio da razoabilidade e inaceitável constrangimento ilegal por excesso de prazo. III. Deve ser determinada a imediata expedição de alvará de soltura em favor do paciente, se por outro motivo não estiver preso, mediante condições a serem estabelecidas pelo Juízo de 1º grau. IV. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.“ (HC 58.965/BA, 5ª Turma, Rel. Min. GILSON DIPP, DJ de 05/02/2007.) “HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. EXCESSO DE PRAZO PARA O ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. CONFIGURAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. ORDEM CONCEDIDA. 1. O excesso de prazo para o encerramento da instrução criminal, segundo pacífico magistério jurisprudencial desta Corte, deve ser aferido dentro dos limites da razoabilidade, considerando circunstâncias excepcionais que venham a retardar a instrução criminal e não se restringindo à simples soma aritmética de prazos processuais. 2. Todavia, no presente caso, a demanda de tempo não é justificável, uma vez que o paciente encontra-se cautelarmente preso e denunciado há mais de dois anos e seis meses, sem que se tenha encerrado a instrução da ação, inexistindo, por outro lado, concorrência da defesa para a delonga. 3. Não estando dentro dos limites da razoabilidade, e não tendo a defesa concorrido a tanto, o excesso de prazo deve ser entendido como constrangimento ilegal, impondo-se a imediata soltura do réu para ver-se processado, nos autos do Processo n.º 200420002435, em trâmite na Comarca de Santa Izabel/PA, em liberdade. 4. Ordem de habeas corpus concedida para determinar a imediata soltura do paciente, se por outro motivo não estiver custodiado, em virtude do excesso de prazo não-razoável da sua custódia provisória nos autos do processo supra-referido.“ (HC 44.153/PA, 5ª Turma, Rel. Min. ARNALDO ESTEVES LIMA, DJ de 23/10/2006.) Por fim, o Poder Judiciário do Estado da Bahia, sequer prestou as informações solicitadas por esta Corte Superior sobre o andamento da ação penal, não apresentando qualquer justificativa para este atraso completamente desmedido, que viola os princípios da tempestividade do processo e da razoabilidade dos prazos processuais. Ante o exposto, CONCEDO A ORDEM para, reconhecendo o excesso de prazo na manutenção da custódia cautelar, determinar a expedição de alvará de soltura em favor do ora Paciente, se por outro motivo não estiver preso, para que possa aguardar o seu julgamento em liberdade. Outrossim, determino que se oficie ao Conselho Nacional de Justiça a respeito do desatendimento à requisição de informações pela autoridade impetrada, como sugere o Ministério Público Federal. É o voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIMES DE ROUBO QUALIFICADO E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. FALTA DE JUSTA CAUSA. MATÉRIAS NÃO APRECIADAS PELO TRIBUNAL A QUO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. CUSTÓDIA CAUTELAR. EXCESSO DE PRAZO FORA DOS LIMITES DA RAZOABILIDADE. PRECEDENTES. 1. As teses relativas à inépcia da denúncia e à falta de justa causa na ação penal não foram argüidas ou, tampouco, analisadas pelo Tribunal a quo, razão pela qual não podem ser conhecidas no presente momento, sob pena de vedada supressão de instância. 2. Em que pese a gravidade das condutas imputadas, evidenciado o constrangimento ilegal na espécie, decorrente do excesso de prazo na formação da culpa, uma vez que os autos informam que o ora Paciente encontra-se preso cautelarmente há mais de um ano e seis meses, aguardando a conclusão de instrução criminal onde, sequer, foram ouvidas as testemunhas de acusação, cuja audiência está marcada para julho de 2007. 3. A Emenda Constitucional n.º 45/2004 inseriu o princípio da razoável duração do processo dentro das garantias fundamentais asseguradas a cada indivíduo, insculpido no art. 5.º, inciso LXXVIII, da Constituição Federal de 1988. 4. No caso, o Tribunal a quo, sequer prestou as informações solicitadas por esta Corte Superior sobre o andamento da ação penal, não apresentando qualquer justificativa para este atraso completamente desmedido, que viola os princípios da tempestividade do processo e da razoabilidade dos prazos processuais. 5. Ordem parcialmente conhecida e, nesta parte, concedida para, reconhecendo o excesso de prazo na manutenção da custódia cautelar, determinar a expedição de alvará de soltura em favor do ora Paciente, se por outro motivo não estiver preso, para que possa aguardar o seu julgamento em liberdade. Outrossim, determino que se oficie ao Conselho Nacional de Justiça a respeito do desatendimento à requisição de informações pela autoridade impetrada, como sugere o Ministério Público Federal.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer parcialmente do pedido e, nessa parte, conceder a ordem, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima e Gilson Dipp votaram com a Sra. Ministra Relatora. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Felix Fischer. Brasília, 17 de maio de 2007 (data do julgamento).