Processual penal. Crimes contra a administração pública e formação de quadrilha. Operação bola de fogo. Prisão preventiva. Requisitos do art. 312 do CPP. Fundamentação. Ordem pública. Paciente que exercia função de destaque dentro do grupo criminoso. Pedido de extensão da ordem concedida a co-réu pelo Tribunal a quo. Impossibilidade. Situações fático-processuais diversas
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Trata-se de habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de LUIZ ALBERTO MONTEIRO GONÇALVES, preso preventivamente desde o dia 29 de setembro de 2006 e denunciado pela prática, em tese, dos delitos tipificados nos arts. 288 do Código Penal e 1º, incisos V e VII, da Lei n.º 9.613/98, contra acórdão proferido pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região que, ao denegar o writ originário, manteve a custódia cautelar do ora Paciente. O Impetrante alega, em suma, que o decreto de prisão preventiva é carente de fundamentação legal. Sustenta, ainda, a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal, uma vez que o co-réu Antônio Dilo de Camargo teve sua prisão preventiva revogada pelo Tribunal a quo. Requer, assim, liminarmente, a expedição de alvará de soltura e, no mérito, a revogação de sua custódia cautelar. O pedido de liminar foi indeferido nos termos da decisão de fls. 276/277. Encontrando-se os autos devidamente instruídos, foram dispensadas as informações da Autoridade Impetrada. O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 280/287, opinando pela denegação da ordem. É o relatório.
VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (Relatora): Em face de investigação da Polícia Federal denominada operação “Bola de Fogo“, o Paciente foi acusado da prática, em tese, das condutas previstas nos arts. 288 do Código Penal e 1º, incisos V e VII, da Lei n.º 9.613/98. O Impetrante alega a inexistência dos motivos elencados no art. 312 do Código de Processo Penal para a decretação da prisão cautelar, bem como requer a extensão, ao Paciente, da ordem concedida pelo Tribunal a quo ao có-réu Antônio Dilo de Camargo. O Juízo monocrático, ao decretar a prisão preventiva do Paciente, fundamentou-se nos seguintes termos: “[...] Os indícios idôneos de autoria e materialidade dos crimes de formação de quadrilha, descaminho, corrupção ativa e passiva, facilitação de contrabando ou descaminho, bem como dos crimes contra o sistema financeiro nacional capitulados nos artigos 16,19 e 22 da Lei n.º 7.492/86, bem como de ocultação ou dissimulação da natureza de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de crime contra a Administração Pública, contra o sistema financeiro nacional e praticados por organização criminosa, estão demonstrados pelo teor da representação da autoridade policial, relatórios de monitoramento telefônico. [...] 1.4. LUIZ ALBERTO MONTEIRO GONÇALVES LUIZ ALBERTO MONTEIRO GONÇALVES, vulgo “BETO“, segundo a investigação, comercializa cigarros, sendo auxiliado por sua irmã, ANA MARIA. BETO seria um dos principais clientes de TADEU DENKIN em Uruguaiana, possuindo estabelecimento formal naquela cidade, onde comercializa os cigarros contrabandeados. Consoante a polícia, contaria com o auxílio de VALÉRIO ALVES LOPES para diversas atividades ligadas ao descaminho, tais como transporte, aramazenagem e distribuição dos cigarros. Armazenaria os cigarros, para posterior revenda, na casa de VALÉRIO e em outros pontos da cidade de Uruguaiana, como o mercado SUPER ÚTIL (COMERCIAL DE ALIMENTOS ALVES & SILVA LTDA) em apartamentos pertencentes a ele próprio e à sua mãe, SONIA MARIA DA SILVA MONTEIRO, e em um depósito na cidade. [...] Foram coligidos diversos elementos de convicção da prática de descaminho, de formação de quadrilha e de lavagem de dinheiro, mediante monitoramento telefônico, fotos, vigilância e informações de órgãos de registro (DETRAN, CEEE, entre outros), suficientes para fundamentar um juízo de suficiência quanto à autoria e à materialidade delitiva. Sua prisão preventiva é necessária para a garantia da ordem pública , pois é preciso evitar que o representado continue praticando crimes lesivos à economia processual. Mais do que isso, a medida é indispensável para a desarticulação de seu grupo criminoso, pois sua atividade de distribuidor final de cigarros contrabandeados em Uruguaiana mostra sua posição de relevo no esquema de contrabando da região. A medida também tem por escopo a asseguração da aplicação da lei penal, por haver fundado receio de que o suspeito, por residir em região de fronteira, possa se evadir do país. Também é importante a limitação de seu poder de arregimentar integrantes da organização criminosa para corrupção de testemunhas, servidores públicos e outros possíveis envolvidos, bem como de evitar a inutilização de documentos e outras provas. Ante o exposto, decreto a prisão preventiva de LUIZ ALBERTO MONTEIRO GONÇALVES , vulgo 'Beto', com base nos artigos 311, 312 e 313, inciso I, todos do Código de Processo Penal. [...]“ (fls. 25/26) A prisão preventiva deve ser decretada se expressamente for justificada sua real indispensabilidade para assegurar a ordem pública, a instrução criminal ou a aplicação da lei penal, ex vi do artigo 312 do Código de Processo Penal. No caso, a prisão preventiva foi satisfatoriamente motivada ao salientar a necessidade da segregação do ora Paciente para se preservar a ordem pública e evitar, assim, a reiteração e a continuidade da atividade ilícita que, como bem se destacou, encontra-se estruturada para a prática de crimes. A intensa participação do ora Paciente nas atividades delitivas revela que “a medida é indispensável para a desarticulação de seu grupo criminoso, pois sua atividade de distribuidor final de cigarros contrabandeados em Uruguaiana mostra sua posição de relevo no esquema de contrabando da região.“ Assim, ao contrário do que afirma o Impetrante, não se trata de argumentação abstrata e sem vinculação com os elementos dos autos, uma vez que se demonstrou no decreto prisional os pressupostos e motivos autorizadores da medida, elencados no art. 312 do Código de Processo Penal, com a devida indicação dos fatos concretos justificadores de sua imposição, nos termos do art. 93, inciso IX, da Constituição Federal. Nesse diapasão: “Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. OPERAÇÃO PANORAMA. CRIMES DE CLONAGEM DE CARTÕES DE CRÉDITO E TELEFONES CELULARES, FALSIFICAÇÃO DE PASSAGENS AÉREAS, DINHEIRO, PASSAPORTES E OUTROS DOCUMENTOS PÚBLICOS, COMÉRCIO ILEGAL DE ARMAS E TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS DO ART. 312, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM PÚBLICA. MODUS OPERANDI DA QUADRILHA. PACIENTE QUE EXERCIA FUNÇÃO DE DESTAQUE E ARTICULAÇÃO. APLICAÇÃO DA LEI PENAL. REGIÃO FRONTEIRIÇA. PEDIDO DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO QUE CONCEDEU, PARA OUTROS CO-RÉUS, LIBERDADE PROVISÓRIA. INEXISTÊNCIA DE SIMILITUDE ENTRE AS SITUAÇÕES. PRECEDENTES DO STJ. 1. A prisão preventiva do paciente está satisfatoriamente justificada no modus operandi da organização criminosa, estruturada para a prática de inúmeros e graves crimes, na qual, inclusive, o acusado exercia função de destaque e articulação, mormente nos crimes de clonagem de cartões de crédito, de registro de veículos e falsificação de documentos. 2. Fundamentou-se, também, o decreto constritivo de liberdade, na possibilidade real de o paciente se furtar à aplicação da lei penal, em razão da demonstrada facilidade em que se desloca por diversos países, graças à farta utilização de passagens aéreas e documentos falsificados, além de residir em região fronteiriça. 3. Indemonstrada a similitude de situações entre o paciente e os co-réus agraciados com o benefício da liberdade provisória, pelo juízo processante, inexiste, na hipótese, a possibilidade da extensão da indigitada benesse. 4. Precedentes do STJ. 5. Writ denegado.“ (HC n.º 46.501/PR, de minha relatoria, DJ de 20/03/2006) Quanto ao segundo pedido, extensão, ao Paciente, da ordem concedida pelo Tribunal a quo ao có-réu ANTÔNIO DILO DE CARMARGO, nos termos do art. 580 do Código de Processo Penal, também não assiste razão ao Impetrante. Existem circunstâncias de caráter exclusivamente pessoal justificadoras da diferenciação e que impedem a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal, o qual somente se aplica nos casos de identidade de situações entre os có-réus. A prisão preventiva do ora Paciente foi justificada, principalmente, na sua “posição de relevo no esquema de contrabando da região“ , ao contrário do co-réu, Antônio Dilo de Camargo, que teve sua prisão temporária decretada em face de sua menor participação no grupo. Posteriormente, conforme acórdão de fls. 56/60, tal prisão temporária foi convertida em prisão preventiva, com base em fundamentos diversos daqueles apresentados na decretação da prisão preventiva do ora Paciente. Nesse diapasão: “PROCESSO PENAL. ART. 12, CAPUT, E ART. 14 DA LEI Nº 6.368/76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS) E ART. 333 DO CP. INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NA NOVA LEI DE TÓXICO. NULIDADE DO PROCESSO. IDENTIDADE DE SITUAÇÕES PROCESSUAIS. PEDIDO DE EXTENSÃO (ART. 580 DO CPP). PRISÃO PREVENTIVA. REVOGAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÃO FÁTICA DIVERSA. I - Havendo identidade de situação fático-processual entre os co-réus, cabe, a teor do art. 580 do CPP, deferir pedido de extensão de benefício obtido por um deles, qual seja, a nulidade do processo a partir do recebimento da denúncia, ante a inobservância do rito procedimental previsto na Lei nº 10.409/2002. II - Em relação a revogação da custódia preventiva, não há como estender os efeitos da decisão haja vista a diversidade de situação fática entre os co-réus. Pedido de extensão parcialmente deferido.“ (PExt no RHC 20.026/SP, Rel. Min. FELIX FISCHER, DJ de 30.04.2007) Outrossim, opinou o Ministério Público Federal nesse sentido, verbis : “[...] Em que pese o fato de que ambos os réus foram investigados e denunciados conjuntamente, tiveram sua prisão preventiva decretada por motivos diversos. O habeas corpus foi concedido, ao có-réu, no Tribunal gaúcho, ao entendimento de que não houve a individualização necessária à manutenção da prisão cautelar de Antônio Dilo de Camargo. Na hipótese dos autos, entretanto, como restou demonstrado, houve indicação concreta e individualizada dos motivos para que o paciente continuasse no cárcere. O art. 580 do Código de Processo Penal exige, para que a decisão benéfica a um réu possa ser estendida a outro, que o delito tenha sido cometido em concurso de agentes e que o motivo do benefício concedido não tenha caráter exclusivamente pessoal. Assim, não logrando o impetrante demonstrar sequer a identidade de situações, não se pode atender ao pleito pretendido.“ (fl. 286) Ante o exposto, DENEGO a ordem. É como voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E FORMAÇÃO DE QUADRILHA. OPERAÇÃO BOLA DE FOGO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS DO ART. 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. FUNDAMENTAÇÃO. ORDEM PÚBLICA. PACIENTE QUE EXERCIA FUNÇÃO DE DESTAQUE DENTRO DO GRUPO CRIMINOSO. PEDIDO DE EXTENSÃO DA ORDEM CONCEDIDA A CÓ-RÉU PELO TRIBUNAL A QUO. IMPOSSIBILIDADE. SITUAÇÕES FÁTICO-PROCESSUAIS DIVERSAS. PRECEDENTES DO STJ. 1. A prisão preventiva foi satisfatoriamente motivada ao salientar a necessidade da segregação do ora Paciente para se preservar a ordem pública e evitar, assim, a reiteração e a continuidade das atividades ilícitas do grupo, mormente em face de sua intensa participação, exercendo, inclusive, função essencial na distribuição dos cigarros contrabandeados. 2. Existem circunstâncias de caráter exclusivamente pessoal justificadoras da diferenciação e que impedem a aplicação do art. 580 do Código de Processo Penal, o qual somente se aplica nos casos de identidade de situações fático-processuais entre os có-réus. 3. Ordem denegada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 11 de setembro de 2007 (Data do Julgamento)