Habeas Corpus Nº 86.834-7/sp

Competência. Habeas corpus. Definição. Juizados Especiais. Ato de turma recursal.

Rel. Min. Marco Aurélio


RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR):
Adoto, como síntese do caso, o que tive a oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora: 1. Colho da inicial que o paciente-impetrante responde a processo existente na Vara Única da Comarca de Buritama, Estado de São Paulo, tendo em conta o crime de prevaricação - artigo 319 do Código Penal. É que, ante retratação de vítima de estupro, não comunicara, de imediato, tal fato ao Juízo, de modo a afastar a custódia provisória do autor do delito. Articula o impetrante com a inexistência do dolo específico relativo ao delito, já que, como delegado de polícia, teria atuado buscando cumprir o respectivo dever, presente o Verbete nº 608 da Súmula desta Corte: No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada. Assevera o impetrante que quando do estupro teria havido a violência real, ocorrendo também a coação para que a vítima retirasse a representação. Aponta a existência de exceção de suspeição contra o magistrado que arquivou a ação penal em que imputado o crime contra os costumes e requer a concessão de liminar que implique a suspensão da audiência designada para efeito de transação, vindo-se, alfim, a deferir a ordem para trancar, por falta de justa causa, o Processo nº 384/03, da Vara Única da Comarca de Buritama. À inicial juntou os documentos de folha 24 a 144. O parecer da Procuradoria Geral da República é pela concessão da ordem para trancar a ação penal, asseverando o Ministério Público haver, no caso, demonstração de plano do constrangimento, pois “em momento algum nos autos foi declinado qual o interesse ou sentimento pessoal que moveria o paciente, Delegado de Polícia, em não comunicar de imediato ao Juízo a retratação da vítima“. Evoca como precedentes deste Tribunal o Habeas Corpus nº 84.948-2/SP, da minha relatoria, cujo acórdão foi veiculado no Diário da Justiça de 18 de março de 2005, e o Habeas Corpus nº 81.504-9/SP, relatado pelo ministro Ilmar Galvão, com acórdão publicado no Diário da Justiça do dia 31 de maio de 2002. Lancei visto no dia 13 de dezembro de 2005, afetando o processo ao Plenário, ante questão a ser suscitada, alusiva à competência, e indiquei, como data em que o processo estaria liberado para julgamento, 15 subseqüente. É o relatório.

 
VOTO - O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR):
A competência para julgar habeas corpus é definida em face dos envolvidos na impetração. O paciente quase sempre não detém prerrogativa de foro. Então, cumpre perquirir quanto à autoridade coatora. Consoante dispõe o artigo 96, inciso III, da Constituição Federal, aos tribunais de justiça cabe processar e julgar os juízes estaduais nos crimes comuns e de responsabilidade, ressalvada a competência da Justiça Eleitoral. Então, imputado o ato de constrangimento a turma recursal de juizado especial criminal, incumbe ao tribunal de justiça examinar o habeas. Essa óptica é reforçada pelo fato de a competência originária e recursal do Supremo estar fixada na própria Carta, e aí não se tem preceito a versá-las que, interpretado e aplicado, conduza à conclusão sobre competir a esta Corte apreciar os habeas ajuizados contra atos de turmas recursais criminais, tratando-se de processo concernente a delito de menor potencial ofensivo. Considerado o disposto no artigo 102, inciso I, da Lei Fundamental, compete ao Supremo julgar habeas corpus sendo pacientes o Presidente e o Vice-Presidente da República, os membros do Congresso Nacional, os próprios ministros da Corte, o Procurador-Geral da República, os ministros de Estado, os comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, os membros dos tribunais superiores, os do Tribunal de Contas da União e os chefes de missão diplomática de caráter permanente. Relativamente à alínea “i“ do citado inciso e tendo em vista atos de tribunais, veio à balha a Emenda Constitucional nº 22/99, explicitando que cumpre ao Supremo julgar os habeas uma vez envolvida Corte possuidora da qualificação de superior, sendo destinado ao Superior Tribunal de Justiça o julgamento das demais impetrações voltadas a afastar ato de tribunal que não tenha tal qualificação. Constitui até mesmo paradoxo interpretar o Diploma Básico, assentando-se que ao Supremo apenas cabe julgar o habeas quando se cuida de ato de tribunal superior, e apreciar toda e qualquer impetração direcionada ao afastamento de ato de turma recursal criminal cujos integrantes não compõem sequer tribunal. Vale frisar também que está no âmbito da competência do Supremo, ante a alínea “i“ referida, os habeas que revelem como coator autoridade ou funcionário cujos atos estejam sujeitos diretamente à respectiva jurisdição ou se trate de crime sujeito a mesma jurisdição em uma única instância, o que não é o caso. Em quadra na qual se nota que o Supremo fechará o ano com cerca de 78 mil processos distribuídos aos respectivos integrantes, cumpre o apego maior à definição da competência da Corte, estabelecida pela Constituição Federal. Por isso, articulo mais uma vez a matéria, concluindo não incumbir ao Supremo julgar habeas quando o ato impugnado decorra de atuação de turma recursal de juizado especial criminal, concluindo pela competência do tribunal de justiça ou do tribunal regional a que vinculado o órgão apontado como coator. No caso, declino da competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mantida, até o exame pelo relator a que vier a ser distribuído este habeas, a liminar deferida. Suplantada a questão, adoto como razões de decidir, já agora com o endosso do Ministério Público, o que tive a oportunidade de consignar ao deferir a medida acauteladora, concedendo a ordem para trancar a ação penal: 2. Observe-se, de início, que o crime tipificado no artigo 319 do Código Penal, voltado à preservação do bem jurídico que é a Administração Pública, exige, para configuração, o dolo específico, a vontade livre e consciente de praticar as ações ou omissões nele previstas para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. Ora, em jogo fez-se, conforme a Portaria de folha 26, lavrada pelo delegado Dr. José Jorge Bonato, acusação da prática de estupro com violência real, revelando o histórico de folha 27 que o então acusado agrediu a vítima, levando-a sangrar pelo nariz e ameaçando-a com uma faca, havendo também a intimidado para que fizesse cessar o processo que movia. Ora, nesse contexto, não era dado exigir da autoridade policial - que cobria, em substituição, a delegacia - quer a providência de comunicar ao Juízo a retratação verificada, porque de início insubsistente, quer libertar o acusado. Surge a relevância do que sustentado na inicial, cabendo o deferimento da medida acauteladora para suspender, até a decisão final deste habeas corpus, o processo em curso, a envolver o paciente e que deu origem a carta precatória para audiência, com vistas à transação estabelecida no artigo 76 da Lei nº 9.099/95. É como voto.

 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Em 1994, fui Relator do HC 71.713, quando se definiu a competência do Supremo Tribunal Federal para o habeas corpus contra decisões das turmas recursais. Depois, compus a maioria que afirmou que esta competência se mantinha sob a vigência da Emenda Constitucional 22 (HC 79.570, relator Maurício Corrêa). Por isso, se os Colegas não se opuserem, peço vista para rever o problema.

 
O SR. MINISTRO
CARLOS VELLOSO - Sr. Presidente, gostaria de deixar registrado o meu voto. O meu entendimento sempre foi pela competência do Tribunal de Justiça. Penso que o Supremo Tribunal Federal não pode ser a Corte revisora de turmas recursais dos juizados especiais, de juizados de pequenas causas. Penso que o Supremo Tribunal Federal deve reservar-se para as grandes questões; caso contrário, ele se distrai, e as grandes questões não são resolvidas convenientemente, a tempo e modo.

 
O SR. MINISTRO
MARCO AURÉLIO (RELATOR) - Vossa Excelência me permite, Ministro, apenas um testemunho. Tenho capacidade de trabalho razoável e, pela primeira vez, em quinze anos na Corte, conto na residência com resíduo de habeas corpus. Há um grande número de habeas em que se argúi ato de constrangimento que teria sido praticado por turma recursal. A própria ordem natural das coisas - abandonando a premissa do meu voto - revela a impropriedade do enfoque, atraindo para cá esses processos. Estamos julgando habeas contra atos praticados por turmas recursais de todo o Brasil, quando a solução por mim preconizada resulta em se ter esses habeas apreciados por trinta e dois órgãos. Não apenas um órgão, como é o Supremo, mas trinta e dois: vinte e sete Tribunais de Justiça e cinco Tribunais Regionais.

 
O SR. MINISTRO
CARLOS VELLOSO - Perfeito. Sr. Presidente, acompanho o Senhor Ministro-Relator.

 
VOTO-VISTA
- O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE: Pedi vista dos autos depois do voto do relator, o em. Ministro Marco Aurélio, que reabre a questão da competência para conhecer do habeas corpus contra decisão das Turmas Recursais dos Juizados Especiais e insiste na linha de votos vencidos anteriores, em que tocaria ela, não ao Supremo Tribunal, mas aos Tribunais de Justiça dos Estados. A afirmação da competência do Supremo Tribunal na hipótese ficou assentada inicialmente no julgamento pelo Plenário, em 26.10.94, do HC 71713, de que fui relator (DJ 23.3.01). Ficaram vencidos, então, os ems. Ministros Marco Aurélio, Carlos Velloso e Néri da Silveira, cujos votos se fundaram primacialmente em caber ao Tribunal de Justiça o julgamento criminal dos Juízes de Direito dos Estados, entre eles incluídos os integrantes das Turmas Recursais, as quais, por outro lado não constituindo tribunais, não se compreendiam na esfera da competência originária do Supremo para julgar habeas corpus, conforme dicção original do art. 102, I, i, da Constituição da República. No referido HC 71713, o meu voto, acompanhado pela maioria do Tribunal, deduziu-se nestes termos: A primeira questão a enfrentar é a da competência do Supremo Tribunal para conhecer de pedido de habeas-corpus contra decisão de turma de juizes de primeiro grau no julgamento de recurso contra sentença de juizados especiais, como previsto no art. 98, I, da Constituição, verbis: “Art.98. A União, no Distrito Federal e nos Territórios, e os Estados criarão: I - juizados especiais, providos por juizes togados, ou togados e leigos, competentes para a conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade e infrações penais de menor potencial ofensivo, mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos, nas hipóteses previstas em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juizes de primeiro grau;“ Essas turmas, malgrado julguem recursos, não são tribunais, mas juizados. Por isso mesmo, já se assentou que contra os seus acórdãos é admissível o recurso extraordinário, cabível em todas as “ causas decididas em única ou última instância“ (CF, art. 102, III), mas não, o recurso especial, que só cabe - a teor do art. 105, III, CF-, nas “causas decididas (...) pelos Tribunais Regionais Federais ou pelos Tribunais dos Estados, do Distrito Federal e Territórios“ (v.g., Recl. 470, Plen., 10.2.94, Pertence). Daí, provavelmente, ao decidir do pedido de liminar, haja o em. Ministro Carlos Velloso, neste caso, posto em dúvida a competência do STF: não sendo tribunais, as turmas recursais de juizes de primeiro grau, é certo que a coação que delas dimane não se compreende no teor literal do art. 102, I, i, da Constituição. A questão, não obstante, se me afigurou de maior complexidade. Com efeito. O Plenário vem de decidir que compete ao Superior Tribunal de Justiça - e não aos Tribunais de Justiça dos Estados -, julgar o habeas-corpus contra decisão individual de juiz dos Tribunais de Alçada (HC 71.524, 10.10.94). O relator originário, em. Ministro Néri da Silveira, votou pela competência pelos Tribunais de Justiça, fundado em lhes tocar, e não ao STJ, o julgamento originário da ação penal proposta contra os juizes dos Tribunais de Alçada (CF, arts. 96, III e 105, I, a ). A maioria, contudo - ratificando orientação já consolidada na Primeira Turma (HHCC 68.665, 70465 e 71.050, M. Alves; HC 71.077, C. Mello) - afirmou a competência do Superior Tribunal de Justiça, porque, afora o STF, só ele, e não os Tribunais de Justiça, é que tem hierarquia jurisdicional sobre os Tribunais de Alçada. Prevaleceu, assim, o voto do em. Ministro Moreira Alves, aos precedentes referidos, nos quais se lê: “... esta Corte, quando o relator é desembargador, já firmou jurisprudência no sentido de que é ela incompetente para julgar habeas corpus contra ele, em face do disposto na letra “c“ combinada com a letra “a“, ambas do inciso I do artigo 105 da Constituição Federal, que atribui ao Superior Tribunal de Justiça competência para processar e julgar originariamente habeas corpus quando o coator for qualquer das pessoas – e desembargador dos Tribunais de Justiça é uma delas – que estiver sujeita à jurisdição criminal dele. No caso, porém, o relator não é desembargador, mas juiz de Tribunal de Alçada Criminal, autoridade que não está arrolada entre as a que alude o artigo 105, I, a, da Constituição Federal. Apesar disso, e tendo em vista o sistema de competências concernentes ao habeas corpus, outra solução não há para manter a coerência desse sistema senão a de, por construção, atribuir-se, também nessa hipótese, competência ao Superior Tribunal de Justiça para o processamento e julgamento originários de habeas corpus em que figure como coator juiz de Tribunal de Alçada. Com efeito, a não ser com relação ao Supremo Tribunal Federal por não haver grau de jurisdição superior a ele, o habeas corpus contra juiz, órgão de Tribunal ou Tribunal é processado e julgado originariamente por Tribunal de grau de jurisdição superior ao daqueles. Assim sendo, habeas corpus contra juiz de Tribunal de Alçada não pode ser processado e julgado originariamente pelo próprio Tribunal de Alçada nem pelo Tribunal de Justiça do mesmo Estado, certo como é que este não é, no tocante a grau de jurisdição, superior àquele, já que ambos, nesse terreno, estão no mesmo plano no tocante à competência de cada um deles. Restariam, assim, para o processamento e julgamento originários de habeas corpus contra juiz de Tribunal de Alçada o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal. A nenhum deles porém, a Constituição outorga competência expressa para tais processamento e julgamento originários, pois juiz de Tribunal de Alçada não é autoridade sujeita à jurisdição criminal originária de nenhum desses dois Tribunais, nem é autoridade cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I “i“, da Carta Magna). Assim sendo, e tendo em vista que não é sequer razoável que se considere, quanto a juizes hierarquicamente inferiores, e pertencentes a Tribunais inferiores, embora também de segundo grau de jurisdição (como são os juizes de Tribunais de Alçada), que estão eles sujeitos a julgamento originário, quando tidos como coatores, de Tribunal superior (assim, o Supremo Tribunal Federal em face do Superior Tribunal de Justiça) àquele a que estão submetidos, nas mesmas condições, juizes (como os desembargadores) que lhes são hierarquicamente superiores, a competência para o processamento e julgamento originários de habeas corpus contra juiz de Tribunal de Alçada só pode caber, também, ao Superior Tribunal de Justiça.“ Em síntese, assentou-se, pois, que, na determinação da competência dos Tribunais para conhecer de habeas corpus contra coação imputada a magistrados, no silêncio da Constituição, o critério decisivo não é o da superposição administrativa ou o da competência penal originária para julgar o coator, mas sim o da hierarquia jurisdicional. Ora, também sobre as turmas de recurso dos juizados especiais não exercem jurisdição os tribunais estaduais, o que, na trilha da orientação recordada da Corte, afasta que lhes toque a competência para o habeas corpus impetrado contra coação resultante de suas decisões. A diferença entre a hipótese do HC 71.524 e a da espécie é que, aqui, a mesma razão ilide igualmente a competência do Superior Tribunal de Justiça. As turmas de recurso dos juizados especiais, com efeito, sob prisma da hierarquia jurisdicional, estão - em aparentemente paradoxo -, em plano mais elevado que os tribunais de segundo grau da União e dos Estados, na medida em que - a exemplo dos Tribunais Superiores - sujeitam-se imediata e exclusivamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, dada a competência deste, e só dele, para rever suas decisões, mediante recurso extraordinário. De tudo resulta que também e apenas a Corte Suprema é que detém competência para o julgamento do presente habeas corpus. Acrescentou, de sua vez, o em. Ministro Sydney Sanches “a situação que se cria, com essa interpretação, parece-me, dos males, o menor, porque, se coubesse recurso para o Tribunal de Alçada ou para o Tribunal de Justiça e, depois, para o Superior Tribunal de Justiça e, posteriormente, para o Supremo Tribunal Federal, então o processo relativo às causas confiadas aos juizados especiais, de que trata o inciso I do art. 98, teria processamento tão demorado quanto a das demais. Não há de ter sido esse o propósito da Constituição.“ Aduziu, no mesmo sentido, o em. Ministro Moreira Alves “o problema é de saber-se qual a premissa a ser adotada. Com efeito, se se parte da de que a competência para o processo e julgamento do “habeas corpus“ decorre da jurisdição penal a que está sujeita a autoridade coatora, a conseqüência será firmar-se que tal competência é do Tribunal de Justiça. Se, porém, a premissa de que se parte - e que tem sido vencedora e me parece a correta - for a do princípio da hierarquia funcional, a conseqüência só pode ser a dada pelo eminente Relator. Partindo-se dessa premissa que se me afigura correta, e tendo-se em vista que a Constituição estabeleceu, pelos termos que adotou e que só admitem recurso dessas Juntas de juízes de primeiro grau recurso para esta Corte e assim mesmo em matéria exclusivamente constitucional, e não para Tribunal de Alçada ou Tribunal de Justiça ou o Superior Tribunal de Justiça, essas Juntas estão sujeitas à hierarquia funcional do Supremo Tribunal Federal.“ Sobrevindo a EC 22/99, que alterou o art. 102, I, i, da Lei Fundamental, para reduzir a competência explícita do Supremo para conhecer originariamente dos habeas corpus impetrados contra a coação emanada dos Tribunais superiores, o Ministro Marco Aurélio reagitou a questão; mas o Plenário - malgrado pela maioria mínima de seis votos contra cinco - manteve sua orientação anterior que, como visto, não fundava no teor daquela alínea, mas em que o STF a única instância funcionalmente superposta às Turmas Recursais (HC 79570, 10.11.99, Maurício Corrêa, RTJ 186/557). O voto proferido neste caso pelo Ministro Marco Aurélio não traz argumentos novos. Peço vênia, em conseqüência, para reafirmar a tese dos precedentes no sentido da competência originária do Supremo Tribunal: é o meu voto.

 
O SENHOR MINISTRO JOAQUIM BARBOSA -
Senhora Presidente, também peço vênia ao ministro Sepúlveda Pertence e acompanho o relator pelos seguintes fundamentos - aliás, já alinhados por outros ministros que se pronunciaram sobre esta questão. A atribuição de competência dos tribunais de justiça para julgar habeas corpus contra atos de turmas recursais, juizados especiais, harmoniza-se com a lógica do esquema de distribuição de competências judiciárias concebida pela Constituição de 1988. Isso porque aos tribunais de justiça foi atribuída a competência jurisdicional para julgar os magistrados inferiores em matéria criminal e em crime de responsabilidade. Em outras palavras, todos os órgãos jurisdicionais situados em escalão hierárquico inferior ao do próprio tribunal de justiça encontram-se sob a jurisdição deste. Por conseqüência lógica, os atos causadores de constrangimento, em matéria penal, imputados a tais órgãos jurisdicionais hão de ter, no Tribunal de Justiça, o órgão de revisão, em se tratando de habeas corpus. Esta Corte acaba de decidir na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.797, julgada há menos de um ano, que a competência jurisdicional do Supremo Tribunal Federal não pode ser objeto de alteração por meio de norma infraconstitucional, muito menos por interpretação controvertida - como é o caso -, sob pena de comprometer-se gravemente o sistema de “checks and balances“, que constitui um elemento essencial do nosso sistema de separação e divisão de Poderes. É como voto.

 
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -
Senhora Presidente, embora reconheça a consistência da argumentação trazida pelo Ministro Sepúlveda Pertence, parece-me, também, que argumentos assemelhados podem levar a essa construção que se está a desenhar. Assim como se fez essa construção invertida de que só o Supremo poderia ser o órgão recursal dessas câmaras ou órgãos recursais também se pode fazer uma interpretação compreensível em que se inserem esses órgãos nesta outra estrutura - parece-me plausível. Observo, tendo em vista a manifestação do ministro Joaquim Barbosa, que cada vez mais alarga-se o rol das competências implícitas do Supremo Tribunal Federal. Na verdade, elas já são incontáveis. Se olharmos só os mandados de segurança contra decisões no âmbito do Congresso Nacional é algo que vai à pletora, para não falar no caso Glória Trevi e quejandos. Então, essa expressão já consta de alguns livros e manuais, quanto a essa competência estrita, em numerus clausus, na verdade, vai ficando assim um pouco na mitologia ou mitomania jurídica.

 
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -
Senhora Presidente, há vários processos, no âmbito deste Tribunal, sobre este tema. Tenho a impressão de que deveríamos julgá-los, a despeito dessa manifestação. De modo que, na linha do que tem ocorrido em matéria de revisão de competência, deveríamos fixar, talvez, algum critério temporal.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Mas neste caso, a rigor, não há prejuízo para o paciente. Estamos a sopesar a liminar concedida. Preconizo a manutenção da liminar até o pronunciamento da Corte de Justiça de São Paulo.

 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Ainda ontem julgamos vários.

 
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -
Sim, temos julgado nas Turmas e temos casos com liminares.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
O pronunciamento do Plenário passa a ser um marco temporal para a nova leitura relativa à competência.

 
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) -
Então, cada um dos relatores manterá, eventualmente, a liminar que já deferiu nos outros casos e remeterá.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Declinando, por decisão individual, para a corte de justiça competente.

 
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) -
Creio que esse é o procedimento a ser adotado. Nada obriga que, neste caso, se faça alguma declaração nesse sentido.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Para órgão fracionado também, isso depois do pronunciamento do Plenário. Apreciar o habeas quando o Colegiado Maior já assentou a incompetência?

 

O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Negar o habeas corpus a essa altura é difícil.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Pois é. Depois da proclamação da incompetência. É latente a possibilidade de, no órgão competente, vir a ser deferida a ordem.

 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Nem todos aqui caem com o Ministro Marco Aurélio.

 
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -
Imagino que tenham processos em fases processuais diversas, inclusive alguns com parecer do Procurador-Geral da República.
 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Senão, acaba-se de construir o primeiro habeas corpus com quatro instâncias.

 
O SENHOR MINISTRO EROS GRAU -
Essa norma processual tem aplicação imediata. E a decisão sobre norma processual tem aplicação imediata?

 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Sim. Quando cancelamos a Súmula 394.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Não há relevância maior.

 
O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES -
Não haverá relevância?

 
O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE -
Cada ministro irá decidir o habeas corpus depois que nos declaramos incompetentes.

 
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) -
A partir do marco de hoje, em que o Tribunal declina a sua competência, em todos os outros casos, os relatores, individualmente, adotarão as providências cabíveis.

 
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO (RELATOR) -
Seria interessante consignar na proclamação que fica mantida a liminar, sem prejuízo da apreciação pelo tribunal competente.

 
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) -
Só acrescentando na proclamação do resultado: mantida a liminar até que reapreciado o feito pelo tribunal competente.

 
A SRA. MINISTRA ELLEN GRACIE (PRESIDENTE) -
Também tenho voto na matéria. Peço vênia ao ministro Sepúlveda Pertence e aos colegas que o acompanharam para, da mesma forma, subscrever as razões da maioria já formada na seqüência do voto do ministro Marco Aurélio.

 
EMENTA -
COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - DEFINIÇÃO. A competência para o julgamento do habeas corpus é definida pelos envolvidos - paciente e impetrante. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - ATO DE TURMA RECURSAL. Estando os integrantes das turmas recursais dos juizados especiais submetidos, nos crimes comuns e nos de responsabilidade, à jurisdição do tribunal de justiça ou do tribunal regional federal, incumbe a cada qual, conforme o caso, julgar os habeas impetrados contra ato que tenham praticado. COMPETÊNCIA - HABEAS CORPUS - LIMINAR. Uma vez ocorrida a declinação da competência, cumpre preservar o quadro decisório decorrente do deferimento de medida acauteladora, ficando a manutenção, ou não, a critério do órgão competente.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência da ministra Ellen Gracie, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por maioria, vencidos os ministros Sepúlveda Pertence, Cármen Lúcia e Celso de Mello, em declinar da competência para o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, nos termos do voto do relator.

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