Preventiva. Demora no julgamento pelo Tribunal do Júri. Excesso de prazo. Inocorrência.
Rel. Min. Sepúlveda Pertence
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Trata-se de habeas corpus – substitutivo de recurso ordinário -, com pedido de liminar, contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça, de cuja ementa extraio (f. 15): “(...) A demora no julgamento ipelo Tribunal do Júri no presente caso se justifica pela complexidade da causa, sobretudo diante da necessidade de se enviar precatórias a várias localidades com o fim de intimar os réus acerca da decisão de pronúncia, sendo uma das intimações repetida em face da mudança de estabelecimento prisional de um dos agentes acusados do delito.“ A impetração expõe o caso: “Perante o Juízo de primeiro grau, tramita processo crime, onde decorridos quase cinco anos de cautela prisional, ainda não se levou os acusados a julgamento. (...) De mister ressaltar, que a cautela prisional dos pacientes, inicia-se com ilegal prisão em flagrante, de pronto reconhecida e ‘transmudada’ em prisão preventiva no dia 25 de maio de 2001. Após um ano e sete meses de prisão, foram os pacientes pronunciados em 04.12.2002. Decorridos quase quatro anos, somente em dezembro de 2004 é que foi oferecido o ‘libelo crime acusatório’. O prazo para a defesa contrariar tal libelo, para o co-réu Márcio, somente foi aberto em maio de 2005 e para o co-réu Wellington, em dezembro de 2005. Pronunciados os acusados, Luiz Antônio e Alexandro, optaram por recorrer da R. Sentença, prosseguindo o processo contra Márcio e Wellington. Sem estar ainda ‘em termos’ os autos - referentes aos dois acusados que não recorreram da pronúncia -, a MM. Juíza de primeiro grau, solicitou o desaforamento, em agosto de 2005, tendo o E. Tribunal de Justiça de São Paulo determinado o desaforamento em data de 20 de janeiro do corrente ano. Tanto os autos não estavam ‘em termos’, que o MM. Juízo de primeiro grau que levará o caso a julgamento, determinou o retorno dos autos à comarca de origem, para providências das mais curiais – também reclamadas pela defesa -, como cópias integrais dos autos, laudos, adequação de rol de testemunhas, decisão acerca de diligências requeridas e juntada das peças e armas apreendidas. Não houve qualquer diligência requerida pela defesa, ou qualquer ato praticado por ela que determinasse o monumental atraso do processo. Propositadamente ou não, o fato é que cada vez que se precisou intimar os acusados, esses eram transferidos de presídio, sem motivo aparente, como que em represália pelos atos de que são acusados e que são absolutamente inocentes (resgate de presos). (...) Confira-se que da data do V. Acórdão do Superior Tribunal (abril de 2004) até a presente dada, o único ato processual que ocorreu foi o erro do desaforamento sem que estivesse pronto e em termos, os autos para julgamento. A defesa e os pacientes, assistem estupefatos, por cinco anos, a tramitação da formação de suas culpas, presos preventivamente, obedecendo ordens do Estado, que não consegue intimá-los, não consegue regularizar os autos para levá-los a julgamento (...). O mais avançado Estado da Federação não pode alegar dificuldade para intimar encarcerado em um dos seus presídios, pois a mudança de localização de qualquer preso é instantaneamente anotada. Insulta a mais mediana inteligência, fundamentar-se decreto judicial na dificuldade de se localizar um preso, por quase dois anos – entre a pronúncia e o libelo. (...) Nem se diga ser inoportuno o conhecimento da ilegalidade pelo tempo decorrido após a pronúncia, pois absurdo que decorridos três anos sem nenhum ato praticado pelos acusados ou seu defensor, ainda não tenham sidos levados a julgamento. (...) A alegação de complexidade do caso ou multiplicidade de réus, não é o fator determinante do enorme atraso da instrução acusatória, mas o simples emperramento da máquina judiciária e desatenção dos encarregados da movimentação dessa mesma máquina (...). (...) In casu, cinco anos de espera cautelar e três anos entre a pronúncia e o libelo sem que nenhum fator externo interferisse nisso é injustificável e não razoável.“ Solicitei informações pormenorizadas quanto ao alegado na impetração (f. 84). Prestadas as informações (f. 88/89), sobreveio o parecer do Ministério Público Federal, da lavra da Il. Subprocuradora-Geral Cláudia Marques, que opinou pela denegação da ordem (f. 94/100). É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - (Relator): I - Conforme ressaltei no julgamento do HC 86.529 (1ª T., 18.10.05, Pertence, DJ 02.12.05 – f. 85/96), temos entendido que, uma vez encerrada a instrução e principalmente com a superveniência da pronúncia, encontra-se superada a questão relativa ao antecedente excesso de prazo da prisão. Asseverei, no entanto, que nunca assumi compromisso com a ausência de excesso de prazo, após a pronúncia: tende a Primeira Turma do Tribunal a submeter a legitimidade da extensão temporal da prisão a um juízo de razoabilidade, malgrado a lei não lhe predetermine limites rígidos de duração. No caso, todos os pacientes foram pronunciados em 04.12.02, há mais de 3 anos e 6 meses. Mas não estão todos na mesma situação jurídica. Como os pacientes Márcio e Wellington não recorreram da pronúncia, houve, quanto a estes, o desmembramento do processo. Apesar disso, o libelo contra eles só foi oferecido 2 anos e alguns dias depois da pronúncia, sendo que o pedido de desaforamento pelo Juízo local, formulado em 22 de agosto de 2005, somente foi deferido pelo Tribunal de Justiça em 10.11.05 (f. 88/89). E, depois de distribuídos os autos ao 1º Tribunal do Júri da Capital, foram eles devolvidos à 1ª Vara Criminal de São Roque, dado que havia diligências a completar, sem as quais não seria possível a realização do Júri (f. 89). E, até hoje, os autos não retornaram ao Juízo para o qual foi desaforado o julgamento (f. 112). Quanto aos pacientes Márcio e Wellington, portanto, é manifesta a caracterização do excesso de prazo. II - O mesmo não ocorre quanto aos pacientes Luiz Antônio e Alexandro, cuja demora, ao contrário dos demais, não se refere à realização do Júri, que está impedida até o julgamento do recurso em sentido estrito por eles interposto. O exercício, posto que legítimo, do direito de insistir no reexame da pronúncia mediante recurso em sentido estrito e posterior oposição de embargos de declaração – ainda não julgados -, contribuiu significativamente para a demora. Daí que, se a Defesa impugnar a pronúncia valendo-se dos recursos ordinários cabíveis, somente poderá beneficiá-la a demora desarrazoada no julgamento de cada um deles, e, ainda assim, se ao atraso não haja dado causa ou para ele concorrido (C.Pr.Penal, art. 565). É o que temos decidido em casos semelhantes, relativos ao processo comum: malgrado prejudicada a alegação de excesso de prazo com o encerramento da instrução ou com a superveniência da sentença condenatória, reconhece-se a demora no julgamento da apelação (v.g., HC 84.921, 1ª T., 15.02.05, Eros Grau, DJ 11.03.05; HC 84.539–MC-QO, 1ª T., 16.12.04, Britto, DJ 14.10.05(1)). É questão, no entanto - conforme a Turma decidiu recentemente (v.g., HC 88.560, 1ª T., 8.8.06, Pertence, DJ 25.08.06) -, que fica prejudicada quando finalizado o julgamento da apelação. É o que também ocorre quanto ao recurso em sentido estrito que, no caso, já foi decidido. O único recurso pendente de julgamento são os embargos de declaração opostos em 14.08.2006, após, portanto, a impetração ao Superior Tribunal de Justiça e ao Supremo Tribunal. Ainda que se pudesse cogitar do excesso de prazo no julgamento dos referidos embargos, seria questão da qual não caberia 1 “HABEAS CORPUS. QUESTÃO DE ORDEM. MEDIDA LIMINAR. PACIENTE CONDENADO A TRÊS ANOS DE RECLUSÃO POR TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE DEMORA EXCESSIVA NO JULGAMENTO DE RECURSO DE APELAÇÃO. SUCESSIVOS PEDIDOS DE INFORMAÇÕES AO TRIBUNAL DE ORIGEM. RISCO DE O ACUSADO VIR A CUMPRIR, EM SEDE CAUTELAR, A INTEGRALIDADE DA SANÇÃO PENAL QUE LHE FOI IMPOSTA. É de se considerar excessivo o lapso temporal de mais de dois anos para julgamento de recurso de apelação criminal. Notadamente quando se trata de réu preso, com parecer ministerial favorável à sua apelação e que sofre o risco de cumprir integralmente a sanção que lhe foi imposta (reclusão por 3 anos). Questão de ordem resolvida pelo deferimento do pedido de medida liminar, para que o paciente aguarde em regime de prisão domiciliar o recurso de apelação que interpôs.“ ao Supremo Tribunal conhecer originariamente, pois não aventada na impetração ao STJ. Este o quadro, defiro a ordem para conceder liberdade provisória tão-somente aos pacientes Márcio Rocha de Araújo e Wellington de Souza Nascimento, se por al, e a indefiro aos demais: é o meu voto.
O SENHOR MINISTRO MARCO AURÉLIO – Senhor Presidente, creio – e estou convencido - que o problema do excesso de prazo circunscreve-se ao plano objetivo. A circunstância de se exercitar um direito não conduz ao afastamento desse mesmo excesso. Todos os pacientes – penso – foram presos em flagrante e já estão sob a custódia do Estado, sem culpa formada, há mais de quatro anos. O processo está em tramitação por tempo demasiado. Portanto, peço vênia a Vossa Excelência para conceder
a ordem em relação a todos os pacientes.
EMENTA - Prisão preventiva: demora no julgamento pelo Tribunal do Júri. 1. Manifesta caracterização de excesso de prazo em relação aos pacientes pronunciados e que não recorreram da pronúncia, desmembrado, quanto a eles, o processo. Demora no julgamento do Tribunal do Júri, que sobrepuja os temperamentos admissíveis à luz do juízo de razoabilidade, ao qual o Tribunal tende a submeter a legitimidade da extensão temporal da prisão subseqüente à pronúncia, malgrado a lei não lhe predetermine limites rígidos de duração. Liberdade provisória deferida. 2. Não ocorrência do alegado excesso de prazo, quanto aos pacientes que recorreram da pronúncia e cuja demora, ao contrário dos demais, não se refere à realização do Júri, que está impedida pela interposição do recurso em sentido estrito. Já decidido este, mas pendendo decisão dos embargos de declaração opostos após a presente impetração, não pode o Supremo Tribunal conhecer, originariamente de eventual excesso de prazo no julgamento dos referidos embargos. Habeas corpus indeferido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Sr. Ministro Sepúlveda Pertence, na conformidade da ata do julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em deferir a ordem de habeas corpus para conceder liberdade provisória tão-somente aos pacientes Márcio Rocha de Araújo e Wellington de Souza Nascimento, nos termos do voto do Relator. E por maioria, a indeferir quanto aos demais. Brasília, 29 de agosto de 2006.
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