Furto qualificado. Prisão preventiva (natureza cautelar). Decreto (falta de fundamentação). Coação (ilegalidade). Revogação (caso).
Rel. Min. Nilson Naves
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Furto qualificado. Prisão preventiva (natureza cautelar). Decreto (falta de fundamentação). Coação (ilegalidade). Revogação (caso).
Rel. Min. Nilson Naves
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Rel. Min. Nilson Naves
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Os pacientes – Cleyton Leandro e José Carlos – estão denunciados (26.6.07) por furto qualificado e quebra de sigilo, em Petrolina (Justiça Federal), porque, resumidamente, “Entre maio e junho de 2007, José Carlos Lacerda Estevam Leite e Cleyton Leandro Emídio Gonçalves, de forma consciente e voluntária, com unidade de propósitos, quebraram o sigilo bancário da conta-corrente nº 507674-5, agência nº 2346-9, Banco do Brasil, titular Rubens Gonçalves de Oliveira, ao acessarem-na de forma ilícita, por treze vezes pelo menos, isso ao arrepio do disposto na Lei Complementar nº 105/2001. Após cada acesso ilegal, José Carlos Lacerda Estevam Leite e Cleyton Leandro Emídio Gonçalves, também consciente e voluntariamente, com unidade de propósitos, subtraíam, para si, valores disponíveis na citada conta-corrente, utilizando-se de cartões bancários clonados – fraude eletrônica. Para a consecução de seus objetivos criminosos, os denunciados faziam uso de aparelhos eletrônicos de última geração (01 notebook contendo diversos programas de captura de informações bancárias, 01 leitor ótico de cartão magnético, 06 cabos de conexão serial acoplados a aparelhos eletrônicos de captura de informações bancárias, vulgarmente conhecidos como 'chupa-cabra'). Com tal aparato, realizavam a captura de informações bancárias das vítimas e, posteriormente, procediam à clonagem dos respectivos cartões e os saques, compras ou transferências fraudulentas. As condutas criminosas aconteceram em Santa Luzia/PB, Serra Talhada/PE, Petrolina/PE, Filadélfia/BA, Barreiras/BA, Luiz Eduardo/BA, Cipolândia e Taguatinga/DF. Em 30/05/2007 e 31/05/2007, adquiriram em Petrolina/PE, com recursos subtraídos de contas-correntes de terceiros, diversas mercadorias (roupas, gasolina, serviços de reparo de pneus, etc.). Pelo exposto, o Ministério Público Federal requer o recebimento da presente denúncia, a citação e interrogatório dos denunciados, e, após os trâmites legais, sejam condenados às penas do artigo 155, § 4º, incisos II e IV, do Código Penal (de forma continuada, 13 vezes, pelo menos) e artigo 10 da Lei Complementar nº 105/2001 (de forma continuada, treze vezes, pelo menos), ambas as cadeias delitivas em concurso material (art. 69 do CP).“ Vêm eles por advogados ao Superior Tribunal sob a alegação de que se encontram indevidamente presos. Confiramos, então, estas passagens da petição inicial: “1. Por meio de auto de prisão em flagrante, lavrado pela Polícia Federal, os pacientes vieram a ter seu constitucional direito de ir e vir cerceado. 2. Nessa peça administrativa foi narrado que os pacientes teriam em tese praticado a conduta ilícita prevista no art. 155, § 4º, inc. II, do Código Penal, haja vista que supostamente estariam na posse de cartão de crédito de titularidade de terceira pessoa bem como teriam utilizado-se dos mesmos. 3. Requerida a liberdade provisória, foi a mesma negada, e decretada a prisão preventiva de ambos os pacientes. Não podendo conformarem-se impetraram o remédio heróico perante a autoridade coatora. 4. Não obstante a demonstração da ausência dos requisitos da prisão preventiva a ordem foi denegada. 5. Entretanto, consoante será demonstrado a decisão merece ser revista. c) requer que ao final seja concedida a ordem, autorizando-se aos pacientes responder a ação penal em liberdade, anulando-se por conseqüência o acórdão proferido.“ Foi-lhes, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região, denegada a ordem segundo acórdão assim ementado: “1. A legislação processual penal admite a decretação da prisão preventiva em qualquer fase do Inquérito Policial e da Instrução Criminal, uma vez fundada em elementos que demonstrem a existência do delito e os indícios suficientes de autoria (fumus bonis juris). De acordo com o art. 312 do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada quando demonstrada a necessidade de se preservar a ordem pública ou econômica, por conveniência de instrução criminal, ou para assegurar a aplicação da lei penal (periculum in mora). 2. Está presente o requisito de manutenção da prisão cautelar para garantia da ordem pública, pois é possível que o paciente em liberdade, diante dos diversos objetos que foram apreendidos em seu poder, e do até então apurado, volte a delinqüir. 3. A liberdade do paciente representaria risco concreto à execução da lei penal, como bem se percebe dos autos, os crimes foram perpetrados em vários Estados do Nordeste (Pernambuco, Paraíba, Bahia), do que se observa que o paciente se deslocou com bastante facilidade por diversas cidades, sendo inteiramente possível que venha a se evadir; diante de tudo isso, restando possível a fuga do distrito da culpa, é cera a necessidade da cautela, para assegurar a aplicação da lei penal. 4. Denegação da ordem.“ Ouvido, o Ministério Público Federal manifestou-se pela denegação da ordem; aqui vai a ementa do parecer: “Habeas corpus substitutivo de recurso ordinário. Prisão preventiva. Revogação. Decreto fundamento. Habitualidade na prática criminosa. Garantia da ordem pública. Jurisprudência do STJ. A presença de apenas um dos requisitos da prisão preventiva é suficiente para justificar a necessidade de sua imposição. Parecer pela denegação da ordem.“ É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Se bem que duas sejam as decisões, datadas do mesmo dia (25.6.07), há, no essencial, nelas, a mesma elocução. São longas, sim, extensas, principalmente na fundamentação, talvez porque, no particular, foram trazidas a elas tanta e tanta doutrina, e trazidos vários e vários acórdãos. Colho delas o que a mim se me mostrou mais relevante e, se algo de importante deixou de ser colhido, peço desculpas, eis, pois, o que se me afigurou relevante nas decisões em pauta: “27. Os elementos coligidos e do quanto apurado me convencem da existência de prova da materialidade e de indícios de autoria. 28. Há inequívoco malferimento à ordem pública na permanência do requerente em liberdade, eis que faz dos crimes em questão – clonagem de cartões magnéticos – seu modo de vida, reiterando, com clara habitualidade, a prática dos ilícitos em apuração. Mesmo que assim não se considere, entendendo-se pela mera continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), idêntico fundamento conduz à necessidade da segregação cautelar do requerente. 34. A decretação da custódia preventiva também se justifica como garantia da aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal. 35. Deveras, ao que consta o requerente pertence a quadrilha voltada para a prática de crimes envolvendo clonagem de cartões magnéticos, sendo que sua liberdade se não obstará, com certeza causará sérios estragos à investigação, vez que ainda prementes diligências para a apuração dos ilícitos em sua globalidade. 36. Note-se que o fato de o requerente ser primário e ter bons antecedentes não obsta sua custódia cautelar 38. Não obstante o pacífico entendimento acima exposto, calha destacar que o requerente sequer consegue se desincumbir do ônus de comprovar que possui emprego legítimo fixo: no auto de prisão em flagrante afirma que trabalha para seu cunhado, o acusado José Carlos Lacerda Estevam Leite (fl. 29); já, na petição de fls. 88/105, informa que trabalha com seu pai, Petronilo Gonçalves Dias, como cobrador de transporte alternativo no Distrito Federal. É patente a divergência. 40. Forte em tais considerações, deve ser decretada a prisão preventiva do requerente/acusado, citando-se, à guisa de exemplo, aresto do Superior Tribunal de Justiça proferido em causa semelhante à presente 42. Do exposto, defiro o pedido do Ministério Público Federal, decretando a prisão preventiva de Cleyton Leandro Emídio Gonçalves como garantia da ordem pública e da aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal (art. 312 do Código de Processo Penal).“ Mas, sobre a ordem pública, tal hipótese não se acha suficientemente justificada, porquanto a habitualidade, lá indicada, confunde-se com a continuidade, também lá indicada, circunstância própria da sentença, porque própria da fixação da pena, e é lá, na sentença, que será atendida pelo juiz à vista dos arts. 59 e 68 do Cód. Penal. Não é, assim, elemento que justifique prisão de caráter cautelar. Da mesma maneira, as duas outras hipóteses – aplicação da lei penal e conveniência da instrução criminal –, pois, relativamente à instrução, o discurso judicial se me apresenta puramente teórico, carente de real elemento de convicção. Observem: “... se não obstará, com certezas causará...“. Porém em que se apóia a certeza? Digam-me – esse é o meu tormento – se necessária se faz a prisão preventiva em caso de furto, ainda que qualificado. Entendo eu que não, e por razões, de tão claras, que me dispensam até de decliná-las. Entretanto lá vai uma como exemplo: é que a preventiva seguirá, como sempre segue, o regime fechado, enquanto que, no furto, o regime, em princípio, não é, e não era, o fechado (o cumprimento da pena iniciar-se-á sob regime diferente do fechado). Contudo, no caso, além do furto qualificado, há a quebra de sigilo. É o que vimos da denúncia. Só que, de minha parte, tenho sérias dúvidas a respeito dessa definição jurídica também dada ao fato exposto na denúncia. Note-se que, na Exposição de Motivos do Projeto de Lei nº 3.473/00, que altera a Parte Geral do Cód. Penal, ao cuidar da prisão-pena, foi dito que “uma política criminal orientada no sentido de proteger a sociedade terá de restringir a pena privativa de liberdade aos casos de reconhecida necessidade, como meio eficaz de impedir a ação criminógena cada vez maior do cárcere. Essa filosofia importa obviamente na busca de sanções outras para crimes de pequena e média gravidade, se assim considerar o juiz ser medida justa. Não se trata de combater ou condenar a pena privativa da liberdade como resposta penal básica ao delito. Tal como no Brasil, a pena de prisão se encontra no âmago dos sistemas penais de todo o mundo. O que por ora se discute é a sua limitação aos casos de reconhecida necessidade“. Ora, se a necessidade do encarceramento deve ser provada em se tratando de prisão definitiva, ainda mais quando se cuida de prisão provisória, a qual tem natureza de medida cautelar. A propósito do tema, venho escrevendo o seguinte (por exemplo, o HC-40.617, DJ de 10.4.06): “Presume-se que toda pessoa é inocente, isto é, não será considerada culpada até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, princípio que, de tão eterno e de tão inevitável, prescindiria de norma escrita para tê-lo inscrito no ordenamento jurídico.“ Diante dessas aligeiradas linhas, é de se questionar se justifica a prisão antes que a sentença penal condenatória transite em julgado. Estamos, pois, diante de prisão desnecessária. Caso, portanto, de coação ilegal. Concedo a ordem para revogar a prisão imposta aos pacientes, desde que assumam o compromisso de estar presentes a todos os atos do processo, sob pena de nova prisão.
VOTO-VISTA - O SENHOR MINISTRO PAULO GALLOTTI: Cuidam os autos de habeas corpus deduzido em favor de Cleyton Leandro Emídio Gonçalves e José Carlos Lacerda Estevam Leite, apontando-se como autoridade coatora o Tribunal Federal da 5ª Região que denegou os writs ali impetrados. Colhe-se dos autos que os pacientes foram denunciados por violação do artigo 155, § 4º, incisos II e IV, do Código Penal, e do artigo 10 da Lei Complementar nº 105/2001, buscando a impetração a revogação das prisões preventivas decretadas, enfatizando que, na espécie, não estão presentes seus requisitos autorizadores. O Ministro Nilson Naves, relator, concedeu a ordem, após o que pedi vista para melhor exame. Colhe-se dos autos, inclusive do trecho da denúncia transcrito no voto condutor, que os pacientes são acusados de subtrair quantias de diversas contas bancárias por meio de compras que realizaram com cartões magnéticos clonados. Eles foram presos em flagrante em 9 de junho deste ano, tendo o magistrado de primeiro grau acolhido o requerimento do Ministério Público e decretado a prisão preventiva de ambos, no dia 25 daquele mês, em decisões distintas, mas cujos conteúdos são idênticos - exceto pela alteração dos nomes - no seguinte ponto, no que interessa: “Foram apreendidos com o requerente, dentre outros objetos: a) um notebook HP Pavilion DV 1750 BR; b) quatorze cartões bancários eletrônicos, sendo nove do Banco do Brasil S/A, dois do Unibanco, dois do Bradesco e um da Caixa Econômica Federal; c) seis cabos de conexão serial com equipamentos eletrônicos; d) uma carteira porta-documentos com as armas da República e com a descrição - 'Poder Legislativo - Vereador'; e) um leitor óptico de cartão magnético MSR206; (...) Do que consta até esta quadra, ao menos em tese, tem-se constatado o envolvimento do requerente, e de seu cunhado José Carlos Lacerda Estevam Leite, em sério de crimes envolvendo clonagem de cartões magnéticos de instituições bancárias, tais como Caixa, Banco do Brasil S/A, Bradesco e Unibanco. De efeito, o requerente e seu cunhado José Carlos Lacerda Estevam Leite conduziram, a mando de José Roberto Caldas, cartões magnéticos clonados e equipamentos para a clonagem de cartões magnéticos para diversas cidades: só no auto de prisão em flagrante são referidas duas viagens - João Pessoa (PB) para Brasília (DF) e Brasília para João Pessoa, e indicada como envolvida nos delitos, além dos três já referidos, a esposa de José Roberto Caldas (que poderia receber em João Pessoa (PB) os equipamentos para clonagem de cartões magnéticos). Os delitos foram praticados nas cidades de Santa Luzia/PB, Serra Talhada/PE, Petrolina/PE, Filadélfia/PB, Seabra/BA, Barreiras/BA, Luz Eduardo/BA, Cipolândia e Taguatinga/DF. Daí ser lídima a ilação de possivelmente se tratar de quadrilha especializada em crimes deste jaez (art. 288 do Código Penal), com ampla atuação em pelo menos três Estados-membros (Bahia, Pernambuco e Paraíba) e no Distrito Federal, e montada em forte poder econômico - só um dos veículos conduzidos pelo requerente e o outro acusado numa das viagens, um BMW X5, é avaliado entre R$ 280.000, 00 (duzentos e oitenta mil reais) e R$ 370.000,00 (trezentos e setenta mil reais). Acresça-se, ainda, o fato de ter sido apreendido com o requerente uma carteira porta-documentos com as armas da República e com a descrição - 'Poder Legislativo - Vereador', objeto que, com certeza, ajudou(aria) na perpetração dos ilícitos. Entendo que este fato merece cuidadosa apuração pelas implicações correlatas. A capitulação dos ilícitos constante do inquérito policial, mais precisamente no auto de prisão em flagrante, ou mesmo na denúncia, é adjetivada pela nota da provisoriedade, razão pela qual o eventual equívoco quando da tipificação dos ilícitos não conduz a nulidade alguma. Note-se que na fase inquisitorial ainda estão sendo coletados todos elementos de prova, não havendo plena certeza acerca de todos os pormenores dos fatos em apuração, daí porque também ser desarrazoada a exigência da exata capitulação nesta fase prévia. A possível futura alteração do tipo do art. 155, § 4º, II, do Código Penal, para o do art. 171, § 3º, do código Penal, não infirma o auto de prisão em flagrante ou mesmo consubstancia nulidade a macular o posterior procedimento criminal, pois o acusado se defende dos fatos que lhe são imputados e não da capitulação jurídica a eles conferida. Os elementos coligidos e do quanto apurado me convencem da existência de prova da materialidade e de indícios de autoria. Há inequívoco malferimento à ordem pública na permanência do requerente em liberdade, eis que faz dos crimes em questão - clonagem de cartões magnéticos - seu modo de vida, reiterando, com clara habitualidade, a prática dos ilícito sem apuração. Mesmo que assim não se considere, entendendo-se pela mera continuidade delitiva (art. 71 do Código Penal), idêntico fundamento conduz à necessidade da segregação cautelar do requerente. Quanto a este aspecto, conferir que o acusado José Carlos Lacerda Estevam Leite afirma que recebeu um cartão magnético clonado para pagamento de despesas de viagem, tendo-o usado, confessadamente, apenas quando em Petrolina (PE), nos dias 30 e 31/5/2007, em 5 (cinco) estabelecimentos comerciais: Colcci, Point 65, Plus Rodas, Le Postiche e Posto Raul Lins. Sem prejuízo disso, inolvidável ainda a realização de compras não autorizadas mediante o uso de cartão magnético clonado, cuja titularidade do cartão original é do PRF Rubens Gonçalves de Oliveira, lotado em Sergipe, nas cidades de Santa Luzia/PB, Serra Talhada/PE, Petrolina/PE, Filadélfia/BA, Seabra/BA, Barreiras/BA, Luiz Eduardo/BA, Cipolândia e Taguatinga/DF. (...) Portanto, a decretação da prisão preventiva se justifica como meio de se coibir a reiteração da deletéria prática delitiva que o requerente tem empreendido, e, pior, sem previsão de cessação. (..) A decretação da custódia preventiva também se justifica como garantia da aplicação da lei penal e por conveniência da instrução criminal. Deveras, ao que consta, o requerente pertence a quadrilha voltada para a prática de crimes envolvendo clonagem de cartões magnéticos, sendo que sua liberdade, se não obstará, com certeza causará sérios estragos à investigação, vez que ainda prementes diligências para a apuração dos ilícitos em sua globalidade.“ (fls. 173/183) Acrescentou, ainda, o magistrado, no decreto de prisão relativo ao acusado Cleyton Leandro Emídio Gonçalves, o seguinte: “Note-se que o fato de o requerente ser primário e ter bons antecedentes não obsta sua custódia cautelar. No autorizado magistério doutrinário de Julio Fabbrini Mirabete 'estando presentes os pressupostos exigidos e havendo o fundamento, torna possível a prisão preventiva, não afastam sua decretação as circunstâncias de ser o acusado primário e de bons antecedentes, de ter ele profissão definida e residência fixa, de ser portador de curso universitário, de ter família e patrimônio no distrito da culpa etc' (Código de Processo Penal Interpretado. 11ª ed., São Paulo: Atlas S/A, 2003, p. 815/816). (...) Não obstante o pacífico entendimento acima exposto, calha destacar que o requerente sequer consegue se desincumbir do ônus de comprovar que possui emprego legítimo fixo: no auto de prisão em flagrante afirma que trabalha para seu cunhado, o acusado José Carlos Lacerda Estevam Leite (fl. 29); já na petição de fls. 88/105, informa que trabalha com seu pai, Petronildo Gonçalves Dias, como cobrador de transporte alternativo no Distrito Federal. É patente a divergência. Sucede que a permissão para o transporte coletivo no Distrito Federal foi concedida a Edgar Luiz de Assis e não ao genitor do requerente (fl. 108), o que derrui sua tese. Saliente-se, por oportuno, que o nome dessa pessoa, Edgar Luiz de Assis, também consta da ordem de serviço da empresa 'Multi Rodas' referente à aquisição de pneus para o veículo BMW X5 que foi transportado pelo requerente e seu cunhado, veículo este que, ao que dizem, pertenceria a outro integrante da quadrilha – José Roberto Caldas. Este fato queda nebuloso, merecendo maior análise.“ (fls. 183/ 186) Quanto ao paciente José Carlos Lacerda Estevam Leite, disse também no respectivo provimento: “Cumpre referir, por primordial, que o requerente está cumprindo pena privativa de liberdade, convertida em prisão domiciliar, junto à 1ª Vara da Comarca de Piancó (PB), pela prática de homicídio doloso (art. 121, caput, do Código Penal), não havendo qualquer indicação de que tivesse autorização daquele Juízo para realizar as constantes viagens de carro entre João Pessoa (PB) e Brasília (DF) donde evidente seu descaso para com as determinações do Poder Judiciário. Ainda, responde o requerente a inquérito policial junto à 4ª Vara Criminal de Brasília pela prática, ao menos em tese, do crime do art. 155, § 4º, II, do Código Penal (fl. 174), elemento mais a acrescer à caracterização de seus maus antecedentes, motivo de per se a ensejar sua custódia cautelar.“ (fls. 459/460) A prisão processual, tem proclamado com insistência a doutrina e a jurisprudência, está associada indelevelmente à idéia de necessidade, vale dizer, que se deixe evidenciado que se mostra indispensável a segregação do réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. Como visto, o Juiz de primeiro grau impôs a custódia provisória para garantia da ordem pública, por conveniência da instrução criminal, bem como para assegurar a aplicação da lei penal, destacando, ao que se nota da leitura dos aludidos provimentos, ser necessária para estancar a reiteração delitiva, dado os diversos delitos cometidos pelos acusados. Muito embora reconheça a gravidade das acusações, tenho que a prisão preventiva, medida extrema que é, não se revela, a meu ver, imprescindível no presente caso, visto que eventual habitualidade criminosa ou mesmo continuidade delitiva, caso presentes, serão devidamente valoradas na sentença, não parecendo presumir que continuarão a delinqüir. De notar que se cuida de crimes cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa, não revelando a denúncia, repita-se, a despeito da gravidade das imputações, circunstância que possa comprometer a necessária preservação da ordem pública. Nesse sentido, confira-se: A - “PENAL E PROCESSUAL. ROUBO. RECEPTAÇÃO. FUGA DE PRESO. PRISÃO PREVENTIVA. REQUISITOS. FUNDAMENTAÇÃO. GRAVIDADE DO CRIME. REPERCUSSÃO SOCIAL. As decisões judiciais serão fundamentadas, sob pena de nulidade art. 93, IX, CRFB). A prisão preventiva é medida excepcional de cautela, cabível apenas quando comprovados objetiva e concretamente, com motivação atual, seus requisitos autorizadores. A gravidade do delito, considerada de modo genérico e presumida de maneira divorciada de fundamentação fática objetiva e atual, não é capaz, per se, de autorizar a custódia cautelar. A repercussão social do fato, inerente ao estrépito de sua execução e ao repúdio que a sociedade confere à prática criminosa, não é bastante, por si só, para fazer presente o periculum libertatis e justificar a prisão preventiva. Precedentes. Ordem concedida.“ (HC nº 33.668/SP, Relator o Ministro PAULO MEDINA , DJU de 16/8/2004) B - “CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO PREVENTIVA. SENTENÇA DE PRONÚNCIA. MANUNTENÇÃO DA SEGREGAÇÃO. AUSÊNCIA DE CONCRETA FUNDAMENTAÇÃO. CUSTÓDIA BASEADA NA GRAVIDADE DO DELITO E NA SUA REPERCUSSÃO SOCIAL. NECESSIDADE DA CUSTÓDIA NÃO DEMONSTRADA. ORDEM CONCEDIDA. I. Exige-se concreta motivação para o indeferimento do benefício da liberdade provisória, com base em fatos que efetivamente justifiquem a excepcionalidade da medida, atendendo-se aos termos do art. 312 do CPP e da jurisprudência dominante. II. A mera alusão a requisito legal da segregação cautelar, sem apresentação de fato concreto determinante não pode servir de motivação à custódia preventiva. Precedente. III. Não se prestam para justificar a prisão cautelar a existência de indícios de autoria e prova da materialidade, nem o juízo valorativo sobre a gravidade genérica do delito imputado ao paciente, bem como o clamor público e a sua repercussão na sociedade, se desvinculados de qualquer fator concreto. Precedentes desta Corte e do STF. IV O fato de se tratar de crime hediondo não basta, por si só, para impedir a liberdade provisória do réu. Precedente. V. Ainda que as condições pessoais favoráveis não sejam garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, estas devem ser devidamente valoradas quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. VI. Não prevalece o posicionamento no sentido da manutenção do acusado na prisão, após a sentença de pronúncia, se foi mantido preso durante toda a instrução processual, quando o próprio decreto de prisão preventiva se mostrar carente de fundamentação. VII. Deve ser concedida a liberdade provisória ao paciente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura em seu favor, se por outro motivo não estiver preso, mediante as condições a serem estabelecidas pelo Juízo de 1º grau, sem prejuízo de que venha a ser decretada novamente a custódia, com base em fundamentação concreta. VIII. Ordem concedida, nos termos do voto do Relator.“ (HC nº 39.337/SP, Relator o Ministro GILSON DIPP, DJU 1/7/2005) Destaco, no tocante ao paciente Cleyton Leandro Emídio Gonçalves, que a falta de comprovação de exercício de emprego fixo não constitui fundamento suficiente para a imposição da custódia cautelar, cuja motivação deve estar concretamente alinhada ao disposto no artigo 312 do Código de Processo Penal. Por fim, ressalte-se que inquéritos ou processos em curso ou mesmo a existência de condenação anterior, por si sós, não evidenciam a necessidade da segregação antecipada. Assim, acompanho o Ministro Nilson Naves e concedo o habeas corpus, para revogar as prisões preventivas de que aqui se cuida, mediante a assinatura de termo de compromisso de comparecimento aos atos do processo. É como voto.
EMENTA - Furto qualificado. Prisão preventiva (natureza cautelar). Decreto (falta de fundamentação). Coação (ilegalidade). Revogação (caso). 1. O ato judicial que decreta a prisão preventiva, diz a lei, bem como o ato que a revoga, “será sempre fundamentado“. 2. Tratando-se de medida de exceção, a preventiva há sempre de vir apoiada em bons elementos de convicção – elementos certos, determinados, concretos –, sob pena de ser havido o decreto como não-fundamentado. 3. Ora, se a necessidade do encarceramento deve ser provada em caso de prisão definitiva – Exposição de Motivos que alterou a Parte Geral do Cód. Penal –, mais ainda deverá sê-lo quando se cuidar de prisão provisória, cuja natureza é cautelar.4. No caso, relativamente à garantia da ordem pública, a habitualidade – indicada no decreto de prisão – confunde-se com a continuidade, circunstância que deve, porém, ser apreciada quando da prolação da sentença. Da mesma maneira, não justificam a prisão, também no caso, a conveniência da instrução criminal e a aplicação da lei penal, porquanto o discurso judicial se apresenta puramente teórico, carente de real elemento de convicção. 5. Tormentosa é, aos olhos do Relator, a necessidade de prisão preventiva na hipótese de furto, ainda que qualificado. É que a preventiva sempre segue o regime fechado, enquanto, no furto, o regime, em princípio, não é esse. 6. Despido o ato judicial de suficiente fundamentação, carece de legalidade; caso, portanto, de constrangimento ilegal. 7. Habeas corpus deferido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, prosseguindo no julgamento após o voto-vista do Sr. Ministro Paulo Gallotti, acompanhando o voto do Sr. Ministro Relator, que concedeu a ordem de habeas corpus, e os votos da Sra. Ministra Maria Thereza de Assis Moura e do Sr. Ministro Carlos Mathias, no mesmo sentido, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Carlos Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Não participou do julgamento o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 13 de dezembro de 2007 (data do julgamento).
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