Prisão em flagrante. Manutenção. Tribunal a quo que mantém a prisão sem que tenha havido requerimento de liberdade provisória perante o juízo de primeiro grau. Sentença condenatória. Superveniência. Fundamentos novos para justificar a manutenção da prisão não analisados pelo tribunal a quo. Novo título. Perda do objeto
Rel. Min. Maria Thereza De Assis Moura
RELATÓRIO - MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): Trata-se de habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de ALINE GUIMARÃES VENANCIO, apontando como autoridade coatora a Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, que denegou prévio writ. Informa o impetrante que, no dia 10 de abril de 2007, a paciente foi presa em flagrante pela prática do crime de tráfico de entorpecentes. Nos termos da denúncia, a paciente foi presa em flagrante quando, após transportar, sem autorização legal, a quantia de 469,13g da substância conhecida como maconha, havia acabado de arremessá-la por cima do muro do estabelecimento criminal no qual seu amásio Samuel Ramos se encontrava preso, visando, assim, fornecer a substância para comercialização dentro da cadeia. Depreende-se dos autos que não foi requerida a liberdade provisória da paciente perante o juízo de 1º grau. Impetrado habeas corpus desta decisão, requerendo-se o trancamento da ação penal ou a liberdade provisória, o tribunal a quo denegou a ordem aos seguintes fundamentos: “In casu, a denúncia descreve de forma bastante clara o fato delituoso, podendo-se dele inferir a perfeita individualização da conduta da paciente, a qual se mostra típica, atendendo, ainda, aos demais requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP (fls. 71/72 - TJ). Narra-se que a paciente transportou e arremessou quase 500g (quinhentos gramas) de 'maconha' sobre o muro da cadeia pública do município de Ituiutaba -MG, a fim de fornecê-la ao seu amásio, Samuel Ramos de Araújo, o qual se encontrava preso sob a acusação de tráfico de drogas. (...) Presentes, pois, elementos hábeis à caracterização, em tese, do crime atribuído à paciente, não há que se falar em trancamento da ação penal. Quanto ao pedido de liberdade provisória, é de se registrar, inicialmente, que, data venia do entendimento esposado pelo douto Procurador, não se pode exigir, para admissibilidade do pleito, a interposição de liberdade provisória no juízo a quo. Se a prisão em flagrante perdura após ser comunicada ao magistrado de 1º grau, este passa a ser autoridade coatora, tornando o órgão de segundo grau competente para apreciar acerca da ilegalidade aventada. A impetração faz alusão à Lei 11.464/07, que, alterando o art. 2º, inciso II, da Lei nº 8.072/90, revogou a proibição à liberdade provisória nos crimes hediondos e nos a eles equiparados. Todavia, acompanhando meus nobres colegas da c. 1ª Câmara Criminal deste Egrégio Tribunal de Justiça de Minas Gerais, estou sustentando a aplicação da vedação prevista no art. 44, caput, da Nova Lei de Tóxicos (Lei 11.343/06), em face do princípio da especialidade. De mais a mais, verifico que o caso vertente não recomenda a concessão da liberdade provisória. Com efeito, os indicativos da ligação da paciente com detentos da cadeia pública local recomendam a manutenção da custódia, para garantia da ordem pública e acautelamento do meio social, há muito abalado com a criminalidade crescente. Mercê de tais considerações, denego a ordem. impetrada.“ Sustenta, assim, a inexistência de quaisquer das hipóteses autorizadoras da segregação cautelar, uma vez que insuficientes as provas contra a paciente, devendo prevalecer o princípio da não culpabilidade. Alega que a prisão em flagrante não implica, necessariamente, a prisão preventiva, estando patente a ausência de fundamentação do acórdão ora guerreado, que manteve a segregação cautelar da paciente. Requer, liminarmente e no mérito, a concessão de liberdade provisória, a fim de que a paciente responda em liberdade a ação penal. A liminar foi indeferida às fls. 56/57. As informações foram prestadas pela autoridade apontada como coatora às fls. 61/73. O Ministério Público Federal opinou pela concessão parcial da ordem “para que o juízo processante verifique fundamentadamente a possibilidade de liberdade provisória da paciente, nos termos do art. 310, parágrafo único do Código de Processo Penal“, em parecer de fls. 75/79, da lavra do Subprocurador-Geral da República Carlos Eduardo de Oliveira Vasconcelos, assim ementado: “HABEAS CORPUS . TRÁFICO. LIBERDADE PROVISÓRIA. AUSÊNCIA DE VEDAÇÃO LEGAL. HC para obtenção de liberdade provisória. - Paciente presa em flagrante por tentar, junto com seu companheiro, arremessar cerca de meio quilo de maconha sobre os muros de cadeia local de município do interior de Minas Gerais. Auto de prisão em flagrante homologado pelo juízo processante. Impetração de habeas corpus ao TJ-MG. Manutenção da prisão pelo acórdão hostilizado, pelo duplo fundamento de (i) vedação da liberdade provisória pelo art. 44 da Lei nº 11.343/06, não alterado pela posterior Lei nº 11.464/07, que deu nova redação ao art. 2º, II, da Lei dos Crimes Hediondos, a pretexto do princípio da especialidade, e (ii) porque havia 'indicativos da ligação da paciente com os detentos da cadeia pública local', bem como o 'meio social' anda 'há muito abalado com a criminalidade crescente'. - Embora se possa ver na legislação aplicável uma 'presunção' de necessidade da prisão preventiva para agentes presos em flagrante sob suspeita de crimes hediondos e equiparados, tal presunção pode e deve ser demonstrada fundamentadamente, diante de requerimento da defesa por liberdade provisória, nos termos do art. 310 parágrafo único do CPP. - Não há lugar para 'princípio da especialidade' em relação à legislação infra-constitucional que realiza tratamento processual mais severo determinado pela Constituição para um conjunto de crimes. - Não é o caso, porém, imediata ordem liberatória em favor da paciente, cabendo apenas que o juízo processante se manifeste fundamentadamente sobre a presença, ou não, dos requisitos da custódia preventiva, nos termos do art. 312 do CPP, excluída a alusão à mera gravidade objetiva do crime. - Parecer pela concessão parcial da ordem, para que o juízo processante verifique fundamentadamente a possibilidade de liberdade provisória da paciente, nos termos do art. 310 parágrafo único do CPP.“ Em contato telefônico com a Vara de origem, confirmado via fax, obteve-se a informação de que a paciente foi condenada à pena de 5 anos e 10 meses de reclusão em regime inicial fechado, bem como ao pagamento de 585 dias-multa. O direito de recorrer em liberdade foi obstado aos seguintes fundamentos: “Diante da gravidade de sua conduta, culpabilidade e conseqüências do delito, deixo de facultar à ré o direito de recorrer em liberdade da presente decisão, bem como restam presentes nos autos, os requisitos autorizadores de sua custódia, os quais sejam: o periculum libertatis e o fumus comissi delictis. Ademais, estando a ré presa em razão de prisão em flagrante, deve ela continuar recolhida na instituição em que se encontra, pois segundo entendimento pacífico do STJ: o réu que se encontra preso em razão de prisão em flagrante ou preventiva, embora primário e de bons antecedentes, não pode apelar em liberdade (RHC 55.109, DJU 57.05.77, p. 3459; RHC 56.943, DJU 27.04.79, p. 3381; RHC 58.286, DJU 03.10.80, p. 7735).“ Há também a notícia de que a paciente apelou deste decisão, tendo sido o recurso provido parcialmente, apenas para restituir o veículo da ré, que havia sido confiscado, mantendo a sentença, no mais. Opostos embargos de declaração, visando o reconhecimento de nulidade suscitadas preliminarmente na apelação, este foram rejeitados. Não há registro de interposição de recurso especial ou extraordinário, até o momento. É o relatório.
VOTO - MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): Verifica-se claramente da análise dos autos, que a paciente, presa em flagrante com grande quantidade de droga que deveria ser revendida dentro de presídio, não deduziu pedido de liberdade provisória perante o juízo de primeiro grau, ingressando diretamente perante o tribunal a quo com habeas corpus visando a concessão de liberdade provisória. Não obstante tal fato, acabou entendendo a autoridade apontada como coatora que a inexistência de manifestação por parte do magistrado de origem não impediria a análise da legalidade da prisão, conforme se colhe do seguinte trecho do decisum objurgado: “Quanto ao pedido de liberdade provisória, é de se registrar, inicialmente, que, data venia do entendimento esposado pelo douto Procurador, não se pode exigir, para admissibilidade do pleito, a interposição de liberdade provisória no juízo a quo. Se a prisão em flagrante perdura após ser comunicada ao magistrado de 1º grau, este passa a ser autoridade coatora, tornando o órgão de segundo grau competente para apreciar acerca da ilegalidade aventada“. Assim, seria possível a análise por esta Corte, diante da manifestação do tribunal a quo, que denegou a ordem entendendo que existiriam “indicativos da ligação da paciente com detentos da cadeia pública local“, que recomendariam “a manutenção da custódia, para garantia da ordem pública e acautelamento do meio social, há muito abalado com a criminalidade crescente“. Ocorre que, com a informação de que sobreveio contra a paciente sentença condenatória, em que o magistrado trouxe seus argumentos para a manutenção da custódia de maneira expressa, é de se reconhecer a existência de novo ato coator e novos fundamentos não impugnados perante o tribunal a quo. Com efeito, é de se consignar que o juiz ao proferir a sentença assim se manifestou sobre a liberdade da paciente: “Diante da gravidade de sua conduta, culpabilidade e conseqüências do delito, deixo de facultar à ré o direito de recorrer em liberdade da presente decisão, bem como restam presentes nos autos, os requisitos autorizadores de sua custódia, os quais sejam: o periculum libertatis e o fumus comissi delictis. Ademais, estando a ré presa em razão de prisão em flagrante, deve ela continuar recolhida na instituição em que se encontra, pois segundo entendimento pacífico do STJ: o réu que se encontra preso em razão de prisão em flagrante ou preventiva, embora primário e de bons antecedentes, não pode apelar em liberdade (RHC 55.109, DJU 57.05.77, p. 3459; RHC 56.943, DJU 27.04.79, p. 3381; RHC 58.286, DJU 03.10.80, p. 7735).“ Tenho, assim, que a presente impetração perdeu o objeto com a prolação da sentença condenatória, uma vez que a segregação cautelar, a partir de então, decorre do novo título judicial. Confira-se, a propósito, o HC 40.262/SP, Rel. Min. PAULO MEDINA, DJ 12/9/2005, com esta ementa: “PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . INSTRUÇÃO CRIMINAL. PRAZO. EXCESSO. PRISÃO PROVISÓRIA. REQUISITOS. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SUPERVENIÊNCIA. OBJETO. PERDA. A sentença condenatória superveniente faz prejudicado o pedido que tem, por escopo, revogar - à custa de excesso de prazo e ausência dos motivos elencados no art. 312 do CPP - prisão provisória, para que o paciente aguarde em liberdade o julgamento da ação penal. Writ prejudicado“. Destarte, eventual impugnação a tal fundamento deverá ser dirigida ao Tribunal de origem, sob pena de indevida supressão de instância. Aliás, constata-se que a paciente apelou da sentença, além de opor embargos de declaração, podendo, se for o caso, utilizar-se da via recursal pertinente, indicando o ato coator que atualmente sustenta a prisão da mesma. Feitas essas considerações, julgo prejudicada a ordem. É como voto.
EMENTA - PENAL. PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS . 1. PRISÃO EM FLAGRANTE. MANUTENÇÃO. TRIBUNAL A QUO QUE MANTÉM A PRISÃO SEM QUE TENHA HAVIDO REQUERIMENTO DE LIBERDADE PROVISÓRIA PERANTE O JUÍZO DE PRIMEIRO GRAU. SENTENÇA CONDENATÓRIA. SUPERVENIÊNCIA. FUNDAMENTOS NOVOS PARA JUSTIFICAR A MANUTENÇÃO DA PRISÃO NÃO ANALISADOS PELO TRIBUNAL A QUO. NOVO TÍTULO. PERDA DO OBJETO. 2. WRIT PREJUDICADO. 1. Apesar de não ter havido requerimento de liberdade provisória perante o juízo de primeiro grau, o tribunal a quo considerou a inviabilidade do benefício. Afora, com a superveniência de sentença condenatória, em que se aduziu fundamento novo para a manutenção da custódia cautelar, resta prejudicado o objeto da impetração que visava à liberdade do paciente, sob pena de indevida supressão de instância. 2. Ordem prejudicada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça: “A Turma, por unanimidade, julgou prejudicado o habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.“ A Sra. Ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) e os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 25 de fevereiro de 2008 (Data do Julgamento)
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