Lei 9455/97. Condenação por crime de tortura. Perda do cargo público. Imposição prevista no § 5º do art. 1º da referida Lei. Efeito automático e obrigatório da condenação. Desnecessidade de fundamentação.
Rel. Min. Laurita Vaz
RELATÓRIO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ: Trata-se de habeas corpus , desprovido de pedido liminar, impetrado em favor de RONY BATISTA PALA, em face do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Noticiam os autos que o Paciente foi condenado como incurso no art. 1º, I, a, c.c. o § 4º, III, da Lei n.º 9.455/97, à pena de 03 anos e 06 meses de reclusão, em regime fechado, tendo-lhe sido, ainda, decretada a perda do cargo público, bem como a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada, a teor do disposto no § 5º, do art. 1º, da referida Lei. Inconformado, interpôs recurso de apelação, que restou parcialmente provido nos termos da ementa a seguir transcrita, in verbis : “PENAL. CRIME DE TORTURA (ART. 1º, INCISO I, ALÍNEA A, C/C ITEM III, DA LEI 9.455/97). AUTORIA. PROVAS ROBUSTAS. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS FAVORÁVEIS. PROGRESSÃO PRISIONAL E REGIME ABERTO. 1. As declarações da vítima, desde que coerentes com os demais elementos do conjunto probatório, autorizam a condenação, máxime se a versão do réu se mostra flagrantemente inconsistente. 2. Considerando a recente interpretação do STF, no sentido de autorizar a progressão prisional para os crimes hediondos, e levando em conta, ainda, a quantidade da pena e o fato de que as circunstâncias judiciais se mostram inteiramente favoráveis ao réu, é de se deferir a progressão prisional e o regime aberto.“ (fl. 44) No presente writ, a Impetrante alega que “a perda do cargo, função ou emprego público, nos termos do § 5º do art. 1º, da Lei nº 9.455/98, não é automática, dependendo de motivação específica. A falta de motivação específica afronta e viola ao disposto, inclusive, no Artigo 93, inciso IX, da Constituição Federal.“ (fl. 10). Requer, assim, a concessão da ordem “para declarar a nulidade da imposição e manutenção da perda de cargo e interdição de exercício para o Paciente“ (fl. 26). O Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem, em parecer que guarda a seguinte ementa, litteris : “HABEAS CORPUS . CRIME DE TORTURA (ART. 1º, I, a, CC. O § 4º, DA LEI 9.455/97). SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA EM SEGUNDA INSTÂNCIA. ALEGATIVA DE CONSTRANGIMENTO ILEGAL DECORRENTE DA DECRETAÇÃO DA PERDA DE CARGO PÚBLICO, SEM A DEVIDA FUNDAMENTAÇÃO. DESCABIMENTO. IMPOSIÇÃO DA PENALIDADE COMO AUTOMÁTICO EFEITO EXTRAPENAL DA CONDENAÇÃO, NOS TERMOS DO ART. 1º, § 5º, DA LEI 9.455/97. PARECER PELO CONHECIMENTO E PELA DENEGAÇÃO DA ORDEM. É o relatório.
VOTO - EXMA. SRA. MINISTRA LAURITA VAZ (RELATORA): Insurge-se o Impetrante contra a falta de fundamentação para a imposição da perda do cargo público exercido pelo ora Paciente. O Juízo de primeiro grau, ao decretar a perda do cargo, assim consignou: “A teor do disposto no § 5º do art. 1º da referida lei, verifico que um dos efeitos da condenação será a perda do cargo público , bem como a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Após o trânsito em julgado, oficie-se ao Departamento de Pessoal da PM/DF, encaminhando-se cópia da presente sentença, bem como lance-se-lhe o nome no rol dos culpados.“ (fl. 40) O Tribunal a quo, por sua vez, ao apreciar o apelo interposto pela defesa, manteve incólume a sentença, nesse ponto (fls. 44/50). Não merece, contudo, ser concedida a ordem ora pleiteada. O ora Paciente restou condenado como incurso no art. 1º, I, a, c.c. o § 4º, III, da Lei n.º 9.455/97, que assim dispõe: “Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; [...] § 4º Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: [...] III - se o crime é cometido mediante seqüestro.“ No § 5º, do art. 1º, da mesma Lei, encontra-se os seguintes efeitos da condenação pelo crime de tortura: “§ 5º A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada .“ Conforme bem observado no parecer ministerial, “diferentemente do art. 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei de Tortura traz, em seu § 5º, do art. 1º, expressamente, a referida penalidade, como efeito automático do édito condenatório, não dependendo de fundamentação para ser imposta. “ Ademais, “vê-se que o dispositivo legal em exame instituiu, contra o servidor público praticante de tortura, regime de impedimento legal para o exercício de função pública por tempo determinado, declarando que, além da perda do cargo, função ou emprego público, sujeita-se o infrator 'a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada'. Dessa forma, o agente público que venha a ser condenado pela prática de crime de tortura, além de perder o cargo como efeito imediato da condenação, fica impedido de exercer qualquer outra função pública por período duas vezes mais longo do que o tempo da pena privativa de liberdade aplicada .“ (fl. 62) Nesse contexto, não se vislumbra qualquer ilegalidade na decisão de primeiro grau - confirmada pelo Tribunal a quo -, que, diante da condenação do ora Paciente pela prática do crime de tortura, determinou, por se tratar de efeito extrapenal cumulativo, genérico, automático e obrigatório da condenação, a teor do disposto no § 5º, do art. 1º, da Lei n.º 9.455/97, a perda do cargo público do ora Paciente. A propósito, com o mesmo entendimento, confira-se a lição de Fernando Capez: “De acordo com o art. 92 do Código Penal, são efeitos da condenação a perda do cargo, função pública ou mandado eletivo nos crimes praticados com abuso de poder ou violação de dever para com a Administração Pública, quando a pena aplicada for igual a um ano; e quando a pena aplicada for superior a 4 anos, qualquer que seja o crime praticado (redação determinada pela Lei nº 9.268/96). Dependem de o juiz declará-los expressa e motivadamente na sentença (cf. CP, art. 92, parágrafo único). No entanto, para os crimes de tortura há regramento específico no art. 1º, § 5º, da Lei nº 9.455/97, o qual dispõe que 'a condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada'. Dessa forma, trata-se de efeito extrapenal secundário genérico e automático, o qual, ao contrário do art. 92 do CP, independerá de expressa motivação na sentença. Haverá, assim, automaticamente, a perda do cargo, função ou emprego público + a interdição para o seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. Vejam que a Lei nº 9.455/97 não impôs para a perda do cargo, função ou emprego público qualquer limite de pena, diferentemente do art. 92 do CP.“ (in Curso de Direito Penal, Legislação Penal Especial, Vol. 4, Ed. Saraiva, 2006, pp. 676/677 - grifei.) No mesmo sentido, aliás, é o posicionamento desta Corte: “RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL E DIREITO PROCESSUAL PENAL. PRETENSÃO ABSOLUTÓRIA. SÚMULA Nº 7/STJ. FALTA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO VIOLADO. SÚMULA Nº 284/STF. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. PERDA DO CARGO PÚBLICO. LEI Nº 9.455/97. EFEITO EXTRAPENAL AUTOMÁTICO. 1. “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.“ (Súmula do STJ, Enunciado nº 7). 2. A falta de indicação do dispositivo de lei federal tido por violado e em que consistiu a suposta negativa de vigência da lei ensejam deficiência de fundamentação no recurso especial, inviabilizando a abertura da instância especial (Súmula do STF, Enunciado nº 284). 3. Ajustada ao artigo 41 do Código de Processo Penal, enquanto descreve, de forma circunstanciada, a conduta típica atribuída ao paciente, de forma a permitir-lhe o exercício da ampla defesa, não há falar em inépcia da denúncia. 4. A condenação por delito previsto na Lei nº 9.455/97 acarreta, como efeito extrapenal automático da sentença condenatória, a perda do cargo, função ou emprego público e a interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. 5. Recurso conhecido, em parte, e improvido.“ (REsp n.º 799.468/AP, Rel. Ministro HAMILTON CARVALHIDO, SEXTA TURMA, DJ de 09/04/2007 - grifei.) Ante o exposto, DENEGO A ORDEM. É como voto.
EMENTA - HABEAS CORPUS . LEI N.º 9.455/97. CONDENAÇÃO POR CRIME DE TORTURA. PERDA DO CARGO PÚBLICO. IMPOSIÇÃO PREVISTA NO § 5º, DO ART. 1º, DA REFERIDA LEI. EFEITO AUTOMÁTICO E OBRIGATÓRIO DA CONDENAÇÃO. DESNECESSIDADE DE FUNDAMENTAÇÃO. PRECEDENTE DESTA CORTE. 1. Ao contrário do disposto no art. 92, I, do Código Penal, que exige sejam externados os motivos para a decretação da perda do cargo, função ou emprego público, a Lei n.º 9.455/97, em seu § 5º, do art. 1º, prevê como efeito extrapenal automático e obrigatório da sentença condenatória, a referida penalidade de perda do cargo, função ou emprego público. Precedente do STJ. 2. Ordem denegada.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem. Os Srs. Ministros Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho, Jorge Mussi e Felix Fischer votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 18 de dezembro de 2007 (Data do Julgamento)
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