Habeas Corpus Nº 94.138/ce

Tentativa de homicídio. Prisão em flagrante. Liberdade provisória. Indeferimento baseado no risco à ordem pública. Negativa mantida pelo tribunal de origem. Decisões fundamentadas na garantia da ordem pública. Motivos para a custódia que não mais persistem. Paciente com idade avançada e que apresenta debilitado quadro de saúde. Desnecessidade da prisão cautelar evidenciada. Condições pessoais favoráveis. Constrangimento ilegal demonstrado.

Rel. Min. Jorge Mussi


RELATÓRIO O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Trata-se de habeas corpus , substitutivo de recurso ordinário, com pedido liminar, impetrado em favor de MIGUEL AURÉLIO COSTA, impugnando acórdão da 2ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Ceará que denegou a ordem anteriormente impetrada, mantendo sua segregação cautelar (HC nº 2007.0016.4336-1/0). Informa que foi preso em flagrante em 27-4-2007 e em seguida denunciado pela prática do delito previsto no art. 121 c/c art. 14, II, do Código Penal, em que figura como vítima Luiz Lucélio Machado Ximenes (Processo-Crime n. 2007.0010.0934-4). Alega que está sofrendo constrangimento ilegal por parte da autoridade impetrada, posto que perfeitamente possível a concessão de liberdade provisória no caso, já que ausentes os fundamentos para a prisão preventiva, uma vez que cuida-se da chamada “tentativa branca“, em que a vítima sequer foi atingida, trata-se de paciente primário, com bons antecedentes, profissão definida e endereço certo no distrito da culpa, além de possuir problemas de saúde próprios de sua avançada idade - está com 75 anos de idade e apresenta quadro de cardiopatia, hipertensão e diabetes), sendo que sua soltura não acarretará risco à ordem pública, à instrução criminal ou à aplicação da lei penal. Requer, assim, a concessão liminar da ordem mandamental, a fim de que seja concedida ao paciente a liberdade clausulada, confirmando-se a medida ao final, quando do julgamento de mérito do writ. A liminar foi indeferida (fls. 46). As informações foram prestadas a fls. 51/52. Após cumpridas diligências no sentido de apurar-se a situação do trâmite da ação penal, que, segundo foi informado, encontra-se na fase do art. 406 do CPP (fls. 83), o Ministério Público Federal opinou pela denegação da ordem (fls. 95/102). É o relatório.

 
VOTO - O SENHOR MINISTRO JORGE MUSSI (Relator):
Consoante se colhe dos autos, o paciente encontra-se preso, em razão de flagrante, desde 24-4-2007, sendo em seguida denunciado pela prática em tese do delito previsto no art. 121 c/c art. 14, II, do Estatuto Penal. Consta que, baseada em parecer desfavorável do órgão ministerial, o Juízo singular indeferiu o pedido de liberdade provisória originariamente formulado, ao argumento de que: “No presente caso está plenamente delineado um dos fundamentos autorizativos para a prisão preventiva, in casu a necessidade de garantia da ordem pública. “(...) “Constata-se do exame dos autos, mormente o interrogatório do acusado, que mesmo realmente acredita que sua esposa teve ou tem um caso com a vítima, ou seja, o acusado, a partir desse convencimento, quis legitimar sua conduta criminosa. “A partir desse fato, este magistrado formou seu convencimento de que, deixar o réu em liberdade, seria um tanto quanto temerário, podendo o mesmo, como disse o ilustre representante do Ministério Público, em seu bem lançado parecer, concretizar sua ameaça em relação à vítima. “(...) “Ex positis, e considerando o parecer desfavorável do Parquet denego a liberdade provisória requisitada“ (fls. 71/72) O Tribunal a quo, por sua vez, manteve a decisão monocrática proferida, em acórdão assim ementado: “PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. DENEGAÇÃO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. PRESENÇA DOS MOTIVOS DA PRISÃO PREVENTIVA. “Alegações de desfundamentação do decisório, direito à liberdade provisória, posto que ausentes os requisitos da decretação da prisão preventiva em face das condições subjetivas do paciente. “Decisão suficientemente fundamentada na garantia da ordem pública, tendo em conta a periculosidade do paciente, demonstrada concretamente nos autos, reportando-se igualmente aos fundamentos da manifestação ministerial desfavorável à concessão da liberdade provisória. “ 'O juiz, no decreto de prisão preventiva, pode reportar-se aos fundamentos constantes da promoção do Ministério Público' (STF, RTJ 59/407). “ 'A primariedade e os bons antecedentes não afastam a possibilidade da decretação da prisão preventiva' (JC 69/583). “ 'Presente motivo que autoriza a prisão preventiva, impossível a liberdade provisória. Ordem denegada' (RSTJ 74/49). “Constrangimento ilegal não caracterizado. “Ordem denegada. “Unânime“ (fls. 53). Do corpo do acórdão retira-se que o Tribunal impetrado manteve a decisão indeferitória da soltura clausulada por três motivos principais: a) embora tecnicamente primário, o paciente respondeu a um processo no Juizado Especial Criminal, pelo delito de ameaça, contra a mesma vítima, que se encerrou por força de transação penal; b) a denegação do benefício não estava embasada tão-somente na gravidade do crime cometido, mas na periculosidade do agente; c) a decisão impugnada encontrava-se suficientemente motivada, à luz das provas coligidas nos autos principais. Vislumbra-se que embora tanto a decisão de primeira quanto a de segunda instância estejam devidamente fundadas especialmente na garantia da ordem pública, o caso é de concessão da ordem mandamental, posto que, passados mais de 10 (dez) meses da prisão em flagrante do paciente, não mais persistem os motivos para que permaneça segregado cautelarmente. Ora, verifica-se que o paciente está sendo processado pela prática, em tese, de tentativa de homicídio simples, e, caso condenado, certamente terá a pena reduzida em 2/3 (dois terços), por conta do disposto no art. 14, II, do CP, dado que sequer conseguiu atingir a vítima, ou seja, será apenado com no máximo 2 anos de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, e, considerando-se que se encontra custodiado há mais de 10 (dez) meses e que se cuida de paciente de idade avançada (mais de 74 anos, consoante documento de identidade juntado a fls. 12), tendo o impetrante feito prova de que apresenta debilitado quadro de saúde há atestado médico dando conta de que tem angina pectoris (fls. 35) e consta que sofre de hipertensão e diabetes, sua permanência no cárcere mostra-se, além de temerária, dadas a idade e o seu estado físico, desnecessária, pois nada indica que, solto, porá em risco a ordem pública, atrapalhará a instrução criminal ou impedirá a aplicação da lei penal. Por fim, o impetrante conseguiu demonstrar que o paciente é tecnicamente primário, possui profissão definida e endereço certo no distrito da culpa, e, como é cediço: “Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional“ (HC nº 54.758/RR, rel. Min. GILSON DIPP, Quinta Turma, j. em 20-4-2006). Evidenciado, portanto, o constrangimento ilegal invocado, pois ausentes, ao menos por ora, as hipóteses autorizadoras da prisão preventiva, constantes no art. 312 do CPP, pelo que merece ser concedido o benefício da liberdade provisória ao paciente, nos precisos termos do preconizado no art. 310, parágrafo único, do CPP. A par disso, do Termo de Audiência de fls. 31, verifica-se que a instrução criminal da primeira fase do processo (judicium accusationis ) encerrou-se em 29-8-2007, indo os autos conclusos para o Ministério Público para os fins do art. 406 do CPP, o que em 12-12-2007 foi confirmado pelas informações complementares do Juízo impetrado (fls. 83), e, passados mais de 7 (sete) meses daquela audiência, ainda não consta que haja prolação de sentença de pronúncia contra o paciente. Ante o exposto, concede-se a ordem para, ex vi do art. 310, parágrafo único, do CPP, deferir ao paciente a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, se por outro motivo não estiver preso. É o voto.

 
EMENTA -
HABEAS CORPUS . TENTATIVA DE HOMICÍDIO. PRISÃO EM FLAGRANTE. LIBERDADE PROVISÓRIA. INDEFERIMENTO BASEADA NO RISCO À ORDEM PÚBLICA. NEGATIVA MANTIDA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. DECISÕES FUNDAMENTADAS NA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. MOTIVOS PARA A CUSTÓDIA QUE NÃO MAIS PERSISTEM. PACIENTE COM IDADE AVANÇADA E QUE APRESENTA DEBILITADO QUADRO DE SAÚDE. DESNECESSIDADE DA PRISÃO CAUTELAR EVIDENCIADA. CONDIÇÕES PESSOAIS FAVORÁVEIS. CONSTRANGIMENTO ILEGAL DEMONSTRADO. ORDEM CONCEDIDA. 1. Embora tanto a decisão de primeira quanto a de segunda instância encontrem-se devidamente fundamentadas, passados dez meses do flagrante, não mais persistem os motivos para a permanência da segregação cautelar, uma vez que se cuida de paciente que responde pela prática, em tese, de homicídio tentado em que sequer houve lesão à vítima, possui idade avançada e que fez prova do seu debilitado quadro de saúde. 2. Permanência do réu no cárcere que se mostra, além de temerária, dadas a sua idade e o seu estado de saúde, desnecessária, pois nada indica que, solto, porá em risco a ordem pública, atrapalhará a instrução criminal ou impedirá a aplicação da lei penal. 3. Condições pessoais favoráveis, mesmo não sendo garantidoras de eventual direito à liberdade provisória, devem ser devidamente valoradas, quando não demonstrada a presença de requisitos que justifiquem a medida constritiva excepcional. 4. Ordem concedida para, ex vi do art. 310, parágrafo único, do CPP, deferir ao paciente a liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, se por outro motivo não estiver preso.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 06 de março de 2008. (Data do Julgamento).

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