Recurso Em Habeas Corpus Nº 16.154/pr

Crime imputado a autoridade policial. Inquérito policial. Ausência. Notitia criminis dirigida ao Ministério Público. Declarações prestadas ao Ministério Público. Busca e apreensão requerida pelo MP. Denúncia. Possibilidade.

Rel. Min. Paulo Medina


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):
Trata-se de Recurso Ordinário em Habeas Corpus interposto pelo Advogado Adyr Sebatião Ferreira em favor de JOSÉ ANTÔNIO ZUBA DE OLIVA, contra acórdão do Tribunal de Alçada do Estado do Paraná (fls. 255-262/TAPR). Em denúncia datada de 25 de dezembro de 2003, o Ministério Público do Estado do Paraná atribuiu ao Paciente/Recorrente, em concurso com outras seis pessoas - policias civis, militares e um advogado -, a prática do delito de extorsão, conforme capitulado no artigo 158, § 1º, c/c artigo 29 e 70, todos do Código Penal (fls. 083-087/TAPR). Eis o relato contido na peça de propositura da ação penal (fl. 084/TAPR): “Em data de 17 de dezembro de 2003, os denunciados, mediante a divisão de tarefas e identidade de propósitos, uniram seus esforços para a concretização do crime de extorsão, em concurso de agentes. Fato único: Para tanto, os policiais rodoviários e denunciados Eric Tadeu, Neurandir Colinete e Vilson Guimarães abordaram as vítimas Sandra e José Ricardo nas proximidades do Distrito de Warta, Município e Comarca de Cambé, oportunidade em que o chefe de equipe Guimarães deu voz de prisão em flagrante a Sandra e José Ricardo , sem que estivessem nas situações estabelecidas pelo art. 304 do Código de Processo Penal (flagrante delito), algemou José Ricardo e os conduziu à Delegacia de Polícia de Ibiporã. Os policiais e denunciados Eric Tadeu e Neuradir Colinete , embora pudessem e devessem evitar a concretização deste resultado (manutenção da prisão ilegal), omitiram seus deveres de garante“. Prossegue o MP (fls. 084-085/TAPR): “Na Delegacia de Polícia de Ibiporã, Sandra e José Ricardo foram apresentados pelos policiais rodoviários Neuradir , Vilson e Eric ao Delegado de Polícia e co-denunciado José Antônio Zuba de Oliva, a fim de tomar as providências aplicáveis à espécie. Ato contínuo, o co-denunciado Giovani Pires de Macedo , como advogado das vítimas Sandra e José Ricardo , adentrou na sala do Delegado de Polícia José Antônio Zuba de Oliva para fazer um 'acerto', oportunidade em que Zuba afirmou, intencionalmente, e na presença dos policiais militares e co-denunciados cabo Vilson Guimarães , soldado Eric Tadeu e soldado Neuradir Colinete , que aderiram e corroboraram a idéia proposta pelo Delegado Zuba, que a importância exigida das vítimas Sandra e José Ricardo para que não fossem autuados em flagrante seria de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) que ficaria para a 'casa', no sentido de que seria dividido entre os policiais civis e militares que se encontravam na Delegacia. O Delegado Zuba, intencionando estabelecer a cota-parte dos policiais rodoviários, chamou o Cabo Guimarães e o Advogado Giovanni para o interior de uma dispensa que existe na sala desta autoridade policial, saindo em seguida com o Cabo Guimarães indagando a seu companheiros de equipe se 'milzinho estava bom (ao mesmo tempo fazia gesto com o indicador, querendo expressar o número 1)“. Consta ainda da denúncia (fl. 085/TAPR): “À vista da proposta formulada, o co-denunciado Giovani Pires de Macedo dirigiu-se até o local em que se encontravam recolhidos Sandra e José Ricardo aguardando a lavratura do auto de prisão em flagrante, oportunidade em que exigiu , com o intuito de obter vantagem indevida para todos os denunciados (para outrem ), a realização de um fato, consistente na entrega de R$ 15.000,00 (quinze mil reais - vantagem indevida ) ao Delegado Zuba que distribuiria a todos os denunciados, sob pena de serem autuados em flagrante delito e submetidos ao cárcere (grave ameaça )“ - TODOS OS DESTAQUES ESTÃO NO TEXTO ORIGINAL. Conclui o MP dizendo que, face à impossibilidade de pagar a quantia exigida pelo Delegado de Polícia, ora Paciente, e para se verem livres da ameaça de prisão, as vítimas ofereceram aos denunciados um veículo Passat Alemão, de sua propriedade, que seria vendido em proveito do conjunto (fls. 085-086/TAPR). Pelo exame dos autos, sobretudo pela cópia do auto de prisão em flagrante lavrado contra as vítimas constantes da denúncia, bem como pelo relato do próprio recorrente, é de concluir-se que o casal Sandra e José Ricardo foi conduzido à presença do Paciente, que atuava na qualidade de Delegado de Polícia, sob a suspeita de receptação de tratores, que haviam sido roubados e estavam sendo transportados por caminhão envolvido em acidente rodoviário, além da acusação de porte ilegal de arma de fogo - revólver marca Taurus , calibre 38, encontrado sob assento do caminhão dirigido pelo indivíduo de nome Marcos Ribas Santana (fls. 116-121). O recorrente afirma que a prisão em flagrante contra as vítimas qualificadas na denúncia não foi mantida, porque não confirmada a suspeita de receptação. Em sua defesa, alega que agiu no cumprimento do dever legal e que o veículo Passat foi entregue pelas supostas vítimas ao advogado Giovani Pires de Macedo, como forma de pagamento de honorários, como está a comprovar o contrato de prestação de serviços celebrado entre as partes. A denúncia contra o Paciente foi recebida em 29 de dezembro, oportunidade em que a autoridade judiciária determinou também a separação do feito em relação aos policias militares denunciados (fls. 073-075/TAPR). Faz-se necessário ressaltar ainda que, em ocasião anterior ao recebimento da denúncia - 22 de dezembro de 2003 -, o Juízo de primeiro grau havia decretado, a requerimento do MP (fls. 048-058/TAPR), a prisão preventiva de cinco dos acusados, dentre eles o Paciente, tendo determinado também a expedição de mandado de busca e apreensão nas dependências da Delegacia de Polícia da cidade de Ibiporã (fls. 060-065/TAPR). Em 5 de janeiro de 2004, foi impetrado habeas corpus em favor do Paciente, perante o Tribunal de Alçada do Paraná, requerendo-se a revogação da custódia provisória, sob o argumento de insubsistência dos motivos que levaram à sua decretação, e a anulação da denúncia, ao entendimento de que o Ministério Público carece de legitimidade para proceder diretamente à investigação criminal. O writ foi denegado, à unanimidade, pela Primeira Câmara Criminal do TAPR, nos termos da seguinte ementa (fl. 255/TAPR): HABEAS CORPUS - PRISÃO PREVENTIVA - CRIME DE EXTORSÃO - AUTORIDADE POLICIAL - PRESENTE GARANTIA DE ORDEM POLICIAL - LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA REALIZAR INVESTIGAÇÕES CRIMINAIS - AUSENTE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO PROMOTOR NATURAL - ILEGALIDADES AFASTADAS - ORDEM DENEGADA“. Contra essa decisão foi movido o Recurso sub examen, cingindo-se o pedido (fls. 288-309/TAPR): 1) à declaração de nulidade da denúncia, bem como do ato de seu recebimento e de todos os demais atos processuais que se seguiram, ao argumento de que a ação penal foi baseada em elementos de prova colhidos diretamente pelo Ministério Público; 2) à declaração da extinção da punibilidade do Paciente, face à “indiscutível prescrição da pretensão punitiva“ (fl. 288/TAPR). Trazendo farta doutrina e jurisprudência dos Tribunais Superiores, aduz o recorrente, em suma, que a condução do inquérito e a realização de diligências investigatórias são funções exclusivas da polícia judiciária, não tendo o Ministério Público poderes para proceder diretamente a tais apurações. Diz o recorrente (fl. 288): “Os aspectos materiais do debate, embora justifiquem abordagem em habeas corpus, não serão aqui objeto da impetração , a qual se limitará tão só e exclusivamente à nulidade processual absoluta do feito, por falta de poderes do Ministério Público em realizar investigação criminal, orientando, sem qualquer participação do paciente e seus advogados , a formulação de 'provas' que ele próprio - MP - viria a utilizar na propositura da ação penal, além da indiscutível prescrição da pretensão punitiva (segundo tópico do pedido)“ - DESTAQUES NO ORIGINAL. Sustenta a nulidade das provas colhidas pelo MP, cujo procedimento apuratório foi realizado com sacrifício do princípio da publicidade e imune a qualquer controle normativo, com desequilíbrio do processo (afetação da ampla defesa e do contraditório) em desfavor do acusado. Referindo-se ao primeiro tópico da denúncia, conclui que a imputação realizada foi construída “total e exclusivamente nas peças de um inquérito produzido pela Promotoria de Investigações Criminais “ (fl. 288/TAPR). Argúi violação ao disposto no artigo 144, da Constituição do Brasil. Pondo em dúvida a isenção do órgão que ao mesmo tempo denuncia e apura, invoca também malferimento ao princípio constitucional da moralidade, já que o resultado da investigação direta pelo MP será por ele próprio utilizado na futura ação penal, na condição de parte. Aponta para a “assustadora idéia de que o Ministério Público deva ter poderes absolutos, e até tirânicos “ que, ao seu ver, “está ganhando adeptos amoucos, pouco afeitos à palavra Liberdade “ (fl. 290/TAPR). Finalmente, em todo o texto recursal, apenas a referência à alegada prescrição da pretensão punitiva, sem qualquer argumento ou discussão a respeito. Recurso contra-arrazoado, em síntese, nos seguintes termos (fls. 312-313/TAPR): “Síntese das contra-razões Embora exista decisão recente do STF, reconhecendo a impossibilidade do Ministério Público investigar o fato objeto da denúncia, tal entendimento é minoritário e contrasta com a orientação do próprio Tribunal Pleno daquela Corte Constitucional. Na verdade, a matéria está longe de pacificar-se, já tendo sido exarada, inclusive, decisão do TRF posterior à exarada pela Suprema Corte, em sentido diametralmente contrário, cuja interpretação ser revela, permissa venia, a melhor e mais consentânea com as normas vigentes e a realidade jurídica nacional. Não é possível admitir uma interpretação da norma sem atentar para a crise pela qual passa hoje a investigação policial, revestida, muitas vezes, de ausência de credibilidade ou de motivos concretos para duvidar das reais circunstâncias em que ocorreram os fatos investigados, mormente quando se trata de lícito imputado a policiais civis, em que o corporativismo pode acabar se sobrepondo aos interesses da descoberta da verdade. Inadmissível, nessas situações, deixar o Ministério Público de 'mãos amarradas', preso a um formalismo inócuo e contrários aos interesses sociais, porquanto a comunidade reclama por providências justas. Ademais, na maioria das vezes, uma investigação protecionista do verdadeiro autor do delito acaba por incriminar pessoa inocente, que vem a sofrer as conseqüências de um ato praticado por outrem, o que se contrapõe a tudo aquilo que deve nortear os princípios de Justiça. 'A tarefa de Polícia Judiciária não é somente da Polícia Civil ou Federal, posto que a Polícia Militar também exerce função judiciária, quando da elaboração do inquérito policial militar, a teor do que dispõe o Código de Processo Penal Militar, em seus artigos 8º e seguintes. Ademais, como se sabe, a Constituição da República assegura, por exemplo, às autoridades parlamentares, a possibilidade de procederem a investigações, inclusive de caráter criminal, através das chamadas Comissões Parlamentares de Inquérito, hoje amplamente utilizadas, tanto pela Câmara dos Deputados, quanto pelo Senado Federal (ex vi artigo 58, § 3º, da mesma Constituição da República). Ora, se a Constituição da República autoriza a investigação pelas Casas do Congresso Nacional, com conseqüente encaminhamento do resultado para que o Ministério Público promova, se for o caso, a respectiva ação penal, é evidente que, quando tratou da possibilidade da Polícia Civil investigar, no seu artigo 144, essa mesma Constituição não o fez de forma a excluir a competência das demais autoridades. Ao menos é o que se infere de sua leitura sistemática'.“ (DESTAQUES NO ORIGINAL). As contra-razões recursais silenciam quanto à argüição da prescrição da pretensão punitiva. O Ministério Público Federal manifesta-se pelo não provimento do recurso, nos termos da ementa a seguir (fls. 352-353/TAPR): “Recurso em Habeas Corpus. Processual Penal. Ministério Público. Poder de investigação. Titularidade plena do dominus litis. Nulidade. Inocorrência. 1. A teor da disposição inserta no artigo 129, I, da Carta Política, compete, privativamente, ao Ministério Público, promover a ação penal pública. 2. Decorre daí, necessariamente, a legitimação, em favor do Órgão Ministerial, para atuar na atividade investigatória e, conseqüentemente, na produção do material probatório. 3. A promoção investigatória do órgão acusatório, nos termos do comando constitucional, reveste-se de legalidade, sobretudo porque lhe é conferida, a partir dela, a indicação necessária à formação da opinião sobre o delito. 4. Por outro lado, a concepção vinculativa da atividade investigatória na figura da polícia judiciária contraria as bases do nosso ordenamento jurídico, porquanto o modelo pátrio se vincula ao chamado sistema processual, no qual o inquérito é precedente do contraditório, isto é, representa atividade inquisitorial à parte da ação penal, não se sujeitando às nuanças formais da ampla defesa, e podendo ser realizada por autoridades administrativas diversas“. O Parquet Federal não opinou quanto à alegada prescrição. É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO PAULO MEDINA (Relator):
Não procede a alegação quanto à ocorrência de “indiscutível prescrição da pretensão punitiva (segundo tópico do presente pedido)“ (fl. 288). Ainda que se seja feita abstração da data de recebimento da denúncia (29/12/2003), partindo, sem interrupções, do dia em que o fato se consumou (17/12/2003), verifica-se, pelo decurso de prazo bastante inferior ao previsto no artigo 109, inciso III, do Código Penal, o equívoco da segunda tese recursal. Ressalto, de início, a inexistência de informação nos autos sobre o andamento da ação penal, bem como sobre o atual status libertatis do Paciente, de modo que faltam elementos para verificar, de ofício, qualquer ilegalidade na custódia processual decretada. Passo ao exame da tese central do writ. Meu entendimento, já expresso em outras ocasiões, já é conhecido. Não é mesmo do Ministério Público a incumbência de investigar o crime e a sua autoria, carecendo, pelo menos até o presente momento, de autorização legal para tanto. Argumenta-se que se a Constituição da República, por um lado, não chegou a “transferir “ as funções investigativas ao Ministério Público, por outro, também não proibiu que o titular pleno da ação penal pública desenvolvesse atividade investigatória, com ou sem audiência do serviço policial. Diz-se, ainda, em reforço da primeira argumentação, que outras autoridades administrativas diversas da Polícia Judiciária podem exercer a função investigatória (crimes falimentares e delitos praticados por membros da Magistratura, investigados pela autoridade judiciária; o procedimento previsto na Lei nº 9.034/95, que defere ao magistrado poderes instrutórios; infrações imputadas a membros do Ministério Público, que são apuradas pelo Procurador-Geral; comissões parlamentares de inquérito). A incumbência da função de Polícia Judiciária e da apuração das infrações penais, “exceto as militares“, às Polícias Civis, “ressalvada a competência da União“ (art. 144, § 4º, CF), assim como também o exercício, com exclusividade em relação a outras Polícias (Rodoviária e Ferroviária), da função de Polícia Judiciária da União dada à Polícia Federal, além da apuração de infrações penais (art. 44, § 1º, incisos I, II, III e IV, CF), não impede, é verdade, que a lei confira a outras autoridades a função investigatória. Tanto assim, que a lei atribui essa competência a outras autoridades, em casos expressamente previstos. Mas, para tanto, não é dispensável a previsão legal. Se aquelas autoridades mencionadas podem investigar é porque lhes foi conferida expressa outorga legal, nos específicos casos regulados em lei. E, ainda assim, não lhes foi transferida a atribuição de investigação das infrações penais em geral. Aí exatamente reside o cerne da questão. O Ministério Público, por ser o “titular pleno da ação penal pública“ - e quanto a isso não conheço quem discorde -, não estaria, por conseqüência lógica e natural, legalmente autorizado a proceder ao inquérito policial, em substituição à polícia judiciária. Não basta que a Constituição da República não proíba expressamente ao Ministério Público de se ocupar dessa função, para concluir-se, desde já, que o órgão estaria “autorizado“ a proceder, concomitante ou independentemente da polícia, à investigação do crime e de sua autoria. Em suma, não existe previsão legal para o Ministério Público assumir as investigações criminais, dentre as demais atribuições institucionais que lhes são conferidas. Função essa, aliás, que somente tem relevo na dimensão institucional, como é o caso do inquérito civil público de atribuição do mesmo órgão, porque de nada vale reconhecer ao Ministério Público a possibilidade de proceder a um inquérito privado, como investigador particular, com todos os limites que seriam impostos àquelas atividades despidas de caráter público e, por conseqüência, sem regra procedimental ou controle de legalidade. Esse é meu entendimento sobre o assunto. Neste concreto caso, contudo, ocorrem particularidades que afastam a solução pretendida pelo Recorrente. Verifico, de início, que o Ministério Público dispensou o inquérito policial, ofertando a denúncia com base nas peças de informação constantes dos autos da busca e apreensão - instaurado em decorrência do requerimento da vítima (a ação penal foi proposta com fundamento nas “informações colhidas nos autos de nº 340/03“, qual seja, os autos do pedido de busca e apreensão cumulado com requerimento de prisão preventiva - fls. 083, 088 e ss/TAPR). Faço, a seguir, um breve histórico dos procedimentos. O pedido de busca e apreensão, cumulado com o de custódia cautelar, distribuído e deferido em 22 de dezembro de 2003, foi conseqüente da notitia criminis oferecida por Sandra Cristina Rosa - que consta como vítima -, reduzida a termo pela Promotoria Especializada em Investigação Criminal, da cidade de Londrina, PR, na mesma data de 22 de dezembro (fls. 095-097/TAPR). No mesmo dia, na Promotoria de Londrina, foi tomado o depoimento do advogado Giovani Pires de Macedo, co-denunciado, efetuado reconhecimento de pessoas por fotografia (cópia fl. 105) e juntada cópia do auto de prisão em flagrante lavrado sob as ordens do Paciente contra as pessoas de Sandra Cristina Rosa e José Ricardo de Almeida (fls. 098-102 e 116-121/TAPR). No dia seguinte, 23 de dezembro, agora perante o Promotor de Justiça signatário da peça inaugural da ação penal, foram tomadas declarações dos policiais militares Jorge Alves de Souza e Mário Sérgio dos Santos, além do advogado Antônio Francisco da Silva (fls. 156-159). No dia subseqüente, 24 de dezembro, o mesmo Promotor de Justiça colheu declarações de um dos policias militares posteriormente denunciado, Neurandir Prevelato Colinete (fls. 200-202). Consta ainda a existência de termo de apreensão e entrega resultante do pedido de busca e apreensão, formalizado na mesma data em que foi deferido e efetuado na Delegacia de Polícia de Ibiporã, assinado pelo Promotor de Justiça local e por Oficial de Justiça (fl. 218). A diligência foi realizada em 22 de dezembro de 2003 pelo Oficial de Justiça José Cláudio de Mello Corrêa, que se fez acompanhar do Promotor de Justiça Leonir Batisti. Nos termos desse documento, foram apresentados e/ou apreendidos documentos e objetos, como aparelhos celulares, revólver e autos de inquérito policial, dentre outros. Vejamos cada um desses atos em separado. A oitiva da vítima é perfeitamente cabível na esfera de atribuição do Ministério Público que, nos termos da lei processual (artigo 27, CPP) é órgão destinatário da notitia criminis , tanto quanto o é a autoridade policial. O requerimento de busca e apreensão e seu acompanhamento direto pelo MP, assim como qualquer outro pedido destinado ao esclarecimento dos fatos, igualmente se insere no âmbito normal de atuação do Parquet , como se depreende do disposto no artigo 47, do CPP. Nenhum desses atos representa violação ao princípio da legalidade. Apenas a tomada de declarações de policiais e advogados é que poderia vir a ser considerada de índole inquisitiva e, nessa linha, correspondente a providência de natureza inquisitorial. Há que considerar-se, entretanto, o seguinte: 1) o inquérito não é providência indispensável à propositura da ação penal; 2) ainda que se faça abstração dos elementos colhidos diretamente pelo MP, haveria material probatório para a oferta da denúncia, e, finalmente; 3) in casu, a polícia judiciária era a menos indicada para proceder às investigações prévias, tendo em mira que o suposto autor do crime relatado pela vítima foi, exatamente, o Chefe da Delegacia local. Essa última circunstância apontada confere ao caso uma característica de excepcionalidade que não pode ser desprezada. Já tive oportunidade de externar idêntico entendimento, na ocasião do julgamento do HC 32.586/MG, que transcrevo a seguir: “Diante do relevo da questão, circunstanciada por situação excepcional, de inequívocas implicações institucionais, a envolver agente público - na função de delegado de polícia judiciária - em suposta prática de delitos atentatórios à dignidade e aos direitos humanos, sobretudo contra menores adolescentes, não há como impedir ao Ministério Público cumprir o seu mister, como titular da ação penal pública incondicionada. Recente aresto desta Sexta Turma, relatado pelo Exmo. Sr. Min. Hamilton Carvalhido, reforça minha compreensão sobre o tema, razão por que transcrevo, a seguir, a ementa do julgado, ressaltando, em grifo, aquilo em que convergimos e, de imediato, interessa ao feito: 'RECURSO ESPECIAL. LESÃO CORPORAL SEGUIDA DE MORTE. DESCLASSIFICAÇÃO. HOMICÍDIO CULPOSO. ESTRITO CUMPRIMENTO DO DEVER LEGAL. ARTIGO 284 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. NORMA DE EXCEÇÃO. PODER INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. [...] 5. Em figurando autoridade policial ou seu agente como sujeito ativo do delito, levado a cabo a pretexto de cumprimento de dever legal, é óbvia a legitimidade do Ministério Público, na dupla perspectiva da proteção dos direitos fundamentais e da satisfação do interesse social, que mais se potencializam à luz do seu dever-poder de “exercer o controle externo da atividade policial“ (Constituição da República, artigo 129, inciso VII). 6. Recurso especial provido' (REsp 402.419/RO, Relator o Min. Hamilton Carvalhido, DJ de 15.12.2003, pág. 413) Com efeito. É de suma importância o agir do Ministério Público em defesa da sociedade. Sua função constitucional é distinta e sem dúvida, muito mais ampla, posto que abrange extenso rol de ações, desde a defesa da sociedade, da ordem jurídica, do meio ambiente, dos interesses das comunidades indígenas, dos direitos coletivos e difusos, até os direitos individuais indisponíveis. Sem falar em sua imprescindível intervenção custos legis. Contudo, não lhe compete apurar infrações penais. Bem por isso, o inquérito policial não é peça indispensável à propositura da ação, se e quando o Ministério Público dispõe de elementos de convicção suficientes para dar início à persecução criminal. In casu, entendeu o Parquet, a seu exclusivo juízo, por dispensá-lo. Diante dos elementos de convicção sobre materialidade e autoria, houve por bem ao titular da ação penal ajuizá-la diretamente. Dispõe o artigo 5º, § 3º do Código de Processo Penal, que qualquer pessoa que tenha conhecimento da prática de infração penal em que caiba ação pública, poderá comunicá-la à autoridade policial, para fins de instauração de inquérito. Do mesmo modo, qualquer do povo pode provocar a ação do Ministério Público, fornecendo-lhe elementos indicativos de materialidade, autoria e de convicção, para fins de instauração da ação penal pública, casos em que o prazo para o oferecimento da denúncia terá por termo inicial a data do recebimento de tais informes (arts. 27 e 46, § 1º, do CPP). Esta é, efetivamente, a situação descrita nos autos“. Em conclusão, entendo que a ação ministerial foi legalmente desencadeada, à vista de notitia criminis apresentada por uma das vítimas, como também das declarações prestadas diretamente aos Promotores de Justiça por policiais e outros envolvidos. Deste modo, afirmada a legalidade da iniciativa do Parquet ao propor a ação penal, não há qualquer nulidade a sanar. Posto isso, NEGO PROVIMENTO ao Recurso.

 
EMENTA -
RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . CRIME IMPUTADO A AUTORIDADE POLICIAL. INQUÉRITO POLICIAL. AUSÊNCIA. NOTITIA CRIMINIS DIRIGIDA AO MINISTÉRIO PÚBLICO. DECLARAÇÕES PRESTADAS AO MINISTÉRIO PÚBLICO. BUSCA E APREENSÃO REQUERIDA PELO MP. DENÚNCIA. POSSIBILIDADE. O inquérito policial não constitui peça essencial e imprescindível à propositura da ação penal. Qualquer do povo pode provocar a ação do Ministério Público, fornecendo-lhe elementos indicativos de materialidade, autoria e de convicção, para fins de instauração da ação penal pública (arts. 27 e 46, § 1º, do CPP). Pode o Ministério Público oferecer denúncia com base em peças de informações fornecidas, inclusive, por qualquer pessoa do povo, uma vez convencido da existência dos requisitos necessários à propositura da ação (arts. 5º, § 3º, 27, 41 e 46, § 1º, do CPP). Negado provimento ao Recurso.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hélio Quaglia Barbosa, Nilson Naves, Hamilton Carvalhido e Paulo Gallotti votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Gallotti. Sustentou oralmente, o Dr. João dos Santos Gomes Filho, pelo recorrente. Brasília (DF), 09 de maio de 2006 (Data do Julgamento).

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