Crime de responsabilidade. Ex-prefeito. (Decreto-Lei 201/67). Competência (prerrogativa de função). Lei 10628/02 (inconstitucionalidade). Ministério Público (funções) Investigação (possibilidade).
Rel. Min. Nilson Naves
RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Buscando extinguir ação penal ajuizada pelo Ministério Público Estadual, impetrou-se habeas corpus ao Tribunal de Justiça de São Paulo em favor de Nelson Nicácio de Lima, nestes termos: “A pretensão veio embasada em dois pontos: O primeiro, porque o paciente foi Prefeito Municipal do Município de Euclides da Cunha Paulista (agente político) no ano de 1997, e a ação penal diz respeito a atos praticados no exercício de tal função. Perante o juízo de primeiro grau o paciente invocou a prerrogativa de foro em razão do art. 84, §§, do Decreto-lei nº 3.678, de 3 de outubro de 1941 por força das alterações impostas pelo art. 1º, da Lei Federal nº 10.628, de 24 de dezembro de 2002, requerendo a remessa dos autos ao Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, competente para receber a denúncia e processar o recorrente. Diante da negativa do pleito, o habeas corpus devolveu a matéria de ordem pública, a teor do art. 5º, inc. LIII, da CF e, tratando-se de matéria processual, a aplicação é de imediata força do que diz o art. 22, inc. I, da Carta Política. O segundo aspecto diz respeito à nulidade processual, porque a ação penal é instruída com o Inquérito Civil nº 59/01, produzido pelo próprio Ministério Público, negando vigência ao art. 4º do CPP, que atribuiu a investigação às autoridades policiais da circunscrição competente.“ Na origem, a ordem foi denegada. Veio ter, então, ao Superior Tribunal recurso ordinário, por meio do qual se requereu fosse reconhecida a incompetência absoluta do Juízo de primeiro grau para processar e julgar o recorrente ou, subsidiariamente, fosse declarada a inépcia da denúncia, alicerçada que foi em inquérito civil presidido pelo Ministério Público. Em 17.10.05, proferi esta decisão: “É deste teor o pronunciamento do Ministério Público Federal (Subprocurador-Geral Guilherme de Aragão), de 7.10.05: 'Atendendo ao despacho de f. 209 e tendo em vista o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.797 pelo Pleno do Supremo Tribunal Federal, que declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02, este órgão ministerial vem retificar o parecer de ff. 124-130, na parte relativa à competência, para opinar por que seja declarado competente o juízo de 1º grau. Isso por que Nelson Nicácio de Lima é ex-prefeito municipal de Euclides da Cunha Paulista (SP), conforme denúncia de ff. 32-34. No que se refere às demais alegações, mantém o parecer de ff. 124-130. Pelo exposto, o Ministério Público Federal opina por que seja negado provimento ao presente recurso.' Tal o contexto, este habeas corpus perdeu o seu objeto. Julgo-o, por conseguinte, prejudicado (art. 659 do Cód. de Pr. Penal e arts. 34, XI, e 209 do Regimento).“ Daí o regimental, alegando-se, em síntese, que “a r. decisão agravada não alberga a questão da impossibilidade do Ministério Público produzir inquérito civil“. Reconsiderando, submeto o recurso ordinário a julgamento pelo colegiado. É o relatório.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR): Quanto à competência, é de ver que, na sessão de 15.9.05, o Pleno do Supremo Tribunal, por maioria, julgou procedente a ADI-2.797 para declarar a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/02, que acrescentou os §§ 1º e 2º ao art. 84 do Cód. de Pr. Penal. Tal o contexto, o prefeito municipal somente conta com a competência especial por prerrogativa de função nos termos do art. 29, X, da Constituição enquanto permanecer no exercício do mandato eletivo. Ao término do mandato, perde, portanto, a prerrogativa, devendo a ação penal tramitar no juízo de primeiro grau. É nesse sentido que venho decidindo, monocraticamente, os feitos que a mim são distribuídos – confiram-se, a propósito, estas decisões: HC-43.473 (DJ de 14.10.05), Pet-4.037 (DJ de 11.10.05) e HC-43.350 (DJ de 2.12.05). Outro não é o entendimento das Turmas que compõem a Terceira Seção; se não, vejamos: “Criminal. HC. Decisão monocrática de Desembargador. Não-exaurimento da instância. Trânsito em julgado da decisão. Cabimento do writ. Crimes de responsabilidade. Ex-prefeito. Foro privilegiado por prerrogativa de função. Inconstitucionalidade da Lei 10.628/2002 declarada pelo STF. Competência do juízo de primeiro grau. Ordem denegada. Liminar cassada. Hipótese na qual os pacientes, sendo um deles ex-Prefeito, estavam sendo processados perante o Tribunal de Justiça, em virtude do foro privilegiado por prerrogativa de função, e, com o término do mandato eletivo, o Desembargador Relator, monocraticamente, determinou o retorno dos autos ao Juízo de 1º grau, o qual seria competente para o julgamento dos feitos. (........). Afastado o argumento de constrangimento ilegal, pois o Pleno do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 10.628/2002, que acresceu os §§ 1º e 2º ao art. 84 do Código de Processo Penal, remanescendo, portanto, a competência do Juízo de 1º grau para o processamento e julgamento das ações penais instauradas em desfavor dos pacientes. IV. Ordem denegada, cassando-se a liminar anteriormente deferida.“ (HC-46.330, Ministro Gilson Dipp, DJ de 21.11.05.) “Processual Penal. Habeas corpus . Ex-prefeito. Art. 1º, incisos I e II do Decreto-lei 201/67. Determinação de tramitação da ação penal originária em 1º grau. pleito de prorrogação do foro especial pela prerrogativa de função, após a cessação do mandato, declarado inconstitucional pelo STF (Julgamento da ADI nº 2797/DF). Aplicação da lei penal no tempo (direito intertemporal). Competência do juízo de 1º grau. Ausência de prejuízo. Constrangimento ilegal não caracterizado. Decisão mantida. Ordem denegada. Ante a disposição constitucional constante do art. 29, inciso X, reafirmada pelo art. 84, caput, do CPP, o Prefeito Municipal, enquanto permanecer no exercício do mandato eletivo, conta com a competência especial por prerrogativa de função, relativa a crimes comuns ou de responsabilidade, prevalecendo o foro diferenciado. Com a declaração de inconstitucionalidade dos parágrafos 1º e 2º do art. 84 do Código de Processo Penal (ADI nº 2797/DF), ao término do mandato, perde o Alcaide a prerrogativa de prorrogação do foro especial, devendo a ação penal tramitar no Juízo de 1º grau. Decisão mantida. Ordem denegada.“ (HC-41.904, Ministro Paulo Medina, DJ de 6.2.06.) No que diz respeito ao inquérito civil, venho escrevendo que há entendimento, e bom, no sentido de que as polícias não têm o exclusivo direito à investigação criminal – por exemplo, a teor do art. 58, § 3º, da Constituição, as comissões parlamentares de inquérito desfrutam de poderes de investigação. Sobre o tema, venho ementando assim (RHC-16.659, DJ de 5.9.05): “Ministério Público (funções). Infrações penais (apuração). Investigação (possibilidade). Excesso (preocupação). Judiciário (atuação). 1. Promover a ação penal é função institucional do Ministério Público. É uma de suas várias e relevantes funções disciplinadas seja por normas constitucionais, seja por disposições infraconstitucionais. 2. Conseqüentemente, é lícito entender que o Ministério Público, embora as investigações sejam destinadas à polícia nas áreas federal e estadual (apuração de infrações penais), pode, também e concomitantemente, delas se incumbir. Se não há, em tal direção, expresso texto normativo, também não existe expresso texto normativo em sentido oposto. 3. Apurar infrações penais ou exercer a supervisão da investigação criminal é tarefa cujo desempenho, entretanto, requer de quem exerce a função discrição e serenidade, isso em decorrência dos eternos princípios da presunção de inocência e da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, etc. 4. Compete ao Judiciário – se e quando necessário – a correção de desacertos, de violências e desatinos. 5. Recurso ordinário improvido.“ É nesse sentido que está alinhada a jurisprudência da 6ª Turma. Veja-se o seguinte precedente: REsp-494.320, Relator para o acórdão Ministro Hamilton Carvalhido, DJ de 29.8.05. Outro não há de ser o entendimento quando se tratar de inquérito cuja função é fundar ação civil pública. Enquanto a Constituição dá atribuição ao Ministério Público para requisitar a instauração do inquérito policial – aí está, aliás, a fonte de toda a discussão –, ao tratar do inquérito civil, esclarece que é função da instituição promovê-lo, e não apenas determinar seja ele instaurado por outra autoridade. Essa competência é corroborada pela Lei Complementar nº 75/93 (arts. 6º, VII; 7º, I; e 38, I), pela Lei nº 8.625/93 (art. 25, IV) e pela Lei nº 7.347/85 (arts. 8º e 9º), cuja constitucionalidade jamais foi questionada. A respeito do tema, vejam-se estes precedentes entre tantos outros: (I) “à parla de relevante interesse público e social, ampliou-se o âmbito de atividades do Ministério Público para realizar atividades investigatórias, alicerçando informações para promover o inquérito e ação civil pública (CF, arts. 127 e 129, III – Lei 7.347/85, arts. 1º e 5º)“ (RMS-8.716, Ministro Milton Pereira, DJ de 25.5.98); (II) “o Ministério Público, como órgão de defesa dos interesses individuais e sociais indisponíveis (CF, art. 127), tem competência para instaurar inquérito civil público para investigar a prática de atos abusivos, susceptíveis de causar lesão a tais interesses coletivos“ (RHC-5.873, Ministro Vicente Leal, DJ de 19.12.97); (III) “o entendimento consolidado desta Corte é no sentido de que são válidos, em princípio, os atos investigatórios realizados pelo Ministério Público. A interpretação sistêmica da Constituição e a aplicação dos poderes implícitos do Ministério Público conduzem à preservação dos poderes investigatórios deste Órgão, independentemente da investigação policial. Além da investigação policial, o Ministério Público pode se valer de outros elementos de convencimento, como diligências complementares a sindicâncias ou auditorias desenvolvidas por outros órgãos, peças de informação, bem como inquéritos civis que evidenciem, além dos fatos que lhe são próprios, a ocorrência, também, de crimes“ (APn-345, Ministro Gilson Dipp, DJ de 26.9.05). Nego, pois, provimento ao recurso ordinário.
EMENTA - Ex-prefeito. Crime de responsabilidade (Decreto-Lei nº 201/67). Competência (prerrogativa de função). Lei nº 10.628/02 (inconstitucionalidade). Ministério Público (funções). Investigação (possibilidade). 1. Declarada que foi pelo Pleno do Supremo Tribunal a inconstitucionalidade da lei que acrescentou os parágrafos 1º e 2º ao art. 84 do Cód. de Pr. Penal (ADI-2.797), a competência para processar e julgar ex-prefeitos é do juízo de primeiro grau. 2. Embora as investigações sejam destinadas à polícia nas áreas federal e estadual (apuração de infrações penais), é lícito entender que o Ministério Público pode, também e concomitantemente, delas se incumbir. Se não há, em tal direção, expresso texto normativo, também não existe expresso texto normativo em sentido oposto. 3. Outro não há de ser o entendimento quando se tratar de inquérito cuja função é fundar ação civil pública, caso em que, aliás, há vasta legislação disciplinando a matéria. 4. Recurso ordinário ao qual se negou provimento.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 14 de dezembro de 2006 (data do julgamento).
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