Habeas corpus (cabimento). Exame de matéria processual (possibilidade). Justificação criminal (produção de provas novas. Revisão criminal (pretensão).
Rel. P/ Acórdão Min. Nilson Naves
RELATÓRIO MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): Cuida-se de recurso em habeas corpus interposto, em causa própria, por JOSÉ ALBERTO BERNARDI (PRESO) contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO, que não conheceu de writ contra decisão do Juiz de primeiro grau que indeferiu a realização de justificação criminal. Alega que foi condenado à pena de dezesseis anos, dois meses e doze dias de reclusão, pela prática de homicídio qualificado e de fraude na obtenção de seguro. Aduz que ajuizado pedido de justificação criminal, restou o pleito indeferido. O Tribunal a quo, por seu turno, na seqüência, deixou de conhecer de writ contra tal decisão, por entender tratar-se matéria puramente processual, não sendo cabível o remédio heróico. Pontua ainda que o indeferimento da justificação tangencia, sim, o direito de liberdade; pois, este poderia ser restabelecido, caso se permitisse a colheita de provas que poderiam embasar futura revisão criminal. A Juíza de primeiro grau, ao indeferir o pleito, assim assentou: “Na hipótese, o requerente pretende produzir prova sem trazer na inicial, qualquer fato novo. Pior. Do que se dessume, almeja ouvir as testemunhas por ele arroladas para somente após identificar a prova da inocência. Evidentemente, o pedido não encontra supedâneo no ordenamento jurídico e falta interesse de agir para a ação.“ (fl. 63) O Tribunal a quo, por seu turno, asseverou: “(...) o tema aqui deduzido se refere a matéria exclusivamente processual, sem reflexos no direito de locomoção do paciente (que aliás, se encontra preso em razão de condenação que já transitou em julgado), sujeita, por isso mesmo, a decisão atacada, a possível e eventual reforma somente por meio do recurso adequado, que não consta tenha sido interposto.“ (fl. 75) As contra-razões encontram-se às fls. 83-86. O parecer do Ministério Público Federal encontra-se às fls. 99-103, opinando pelo improvimento do recurso. O recorrente comparece às fls. 106-107, pedindo preferência no julgamento. É o relatório.
VOTO - MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA (Relatora): O recorrente, condenado definitivamente, pretende ajuizar revisão criminal. Para tanto, protocolizou, preliminarmente, pedido de justificação criminal. Este foi julgado extinto, sem julgamento de mérito, pois, não haveria demonstração prévia do interesse de agir. Para o deslinde do presente recurso, verifiquemos o teor do seguinte comando legal, inserto no Código de Processo Civil, aplicável ao presente caso, por força do art. 3.º do Código de Processo Penal: Art. 861. Quem pretender justificar a existência de algum fato ou relação jurídica, seja para simples documento e sem caráter contencioso, seja para servir de prova em processo regular, exporá, em petição circunstanciada, a sua intenção. De acordo ainda com a disciplina da revisão criminal, esta somente será admitida, nos moldes do inciso III, do art. 621, do Código de Processo Penal, “quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial de pena“. O paciente apenas afirmou que as pessoas arroladas mostrariam que ele teria atuado somente como advogado, não concorrendo para a conduta típica dos demais co-apenados. Assim, conseguiria elementos para poder ajuizar revisão criminal, para, então evidenciar a sua inocência. Se de prova nova se trata, disso não fez menção o recorrente. Também não patenteou em que medida tais elementos de cognição seriam suficientes para abalar o conjunto probatório que o conduziu à condenação criminal. Ademais, a justificação tem natureza cautelar, e, como tal, deve ostentar o requisito do periculum in mora. Como bem salientado pelo Ministério Público Federal, em seu parecer: “Disso conclui-se que, admitindo-se a justificação como medida cautelar ao ajuizamento de revisão criminal, o requerente deve demonstrar a presença de todos os pressupostos da medida cautelar, dentre os quais a ameaça de lesão a direito, que, no caso, seria o perecimento da prova. O contrário implicaria em instaurar-se, pela via transversa da justificação, a rediscussão do mérito da sentença penal condenatória transitada em julgado, à margem das hipóteses previstas no art. 621 do CPP“. (fl. 103) Nesta medida, verifica-se que o pleito do recorrente em primeira instância não foi formulado de maneira adequada. O acórdão guerreado, apesar de concluir pelo não-conhecimento do writ, na verdade adentrou no seio da questão debatida, como se depreende do seguinte excerto: “Certa ou errada a decisão contra a qual a impetração se insurge, sua eventual correção não pode ser feita pela via do remédio heróico, posto tratar-se de decisão que, apoiada em vigorosa fundamentação (v. fl. 63), não atentou contra a liberdade de locomoção do paciente, tanto que nem mesmo a inicial da impetração invocou esse tipo de constrangimento ilegal“. (fl. 74) A despeito de não se ligar o objeto do writ diretamente ao jus deambulandi , claramente que a apreciação do requerimento de justificação criminal, em razão da pretensão de desconstituição da sentença condenatória penal, de maneira mediata, autoriza o conhecimento da presente ordem. Ante o exposto, denego a ordem. É como voto.
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES: Sr. Presidente, ao que entendo, o habeas corpus é meio processual adequado. Prosseguindo, peço licença para dar provimento ao recurso ordinário; conseqüentemente, expeço a ordem para que o Juiz processe a justificação.
EMENTA - Habeas corpus (cabimento). Exame de matéria processual (possibilidade). Justificação criminal (produção de provas novas). Revisão criminal (pretensão). Decisão de origem (indeferimento). 1. Determina a norma (constitucional e infraconstitucional) que se conceda habeas corpus sempre que alguém esteja sofrendo ou se ache ameaçado de sofrer violência ou coação; trata-se de dar proteção à liberdade de ir, ficar e vir, liberdade induvidosamente possível em todo o seu alcance. 2. Assim, não procedem censuras a que nele se faça exame de matéria processual, ainda que desse exame não resultem reflexos imediatos no direito de locomoção. 3. É, portanto, o habeas corpus, meio processual adequado, sim, para se questionar decisão que indeferiu liminarmente pedido de justificação judicial cujo objetivo era a produção de novas provas para posterior ajuizamento de revisão criminal. 4. Recurso ordinário provido a fim de que o Juiz processe a justificação.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, dar provimento ao recurso nos termos do voto do Sr. Ministro Ministro Nilson Naves, que lavrará o acórdão. Vencida a Sra. Relatora, bem como o Sr. Ministro Hamilton Carvalhido, que negaram provimento. Votaram com o Sr. Ministro Nilson Naves os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Paulo Medina. Brasília, 6 de março de 2007 (data do julgamento).
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