Recurso Em Habeas Corpus Nº 20.587/pi

Roubo duplamente majorado. Extorsão. Atentado violento ao pudor. Prisão em flagrante delito. Excesso de prazo na instrução criminal. Prisão cautelar que já perdura por quase dois anos. Instrução criminal ainda em aberto. Patente constrangimento ilegal.

Rel. Min. Jane Silva


RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator):
WILLIAMS DOS SANTOS SILVA, inconformado com a decisão do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí que denegou a ordem lá impetrada, interpôs o presente recurso ordinário constitucional pleiteando sua reforma. Argumentou que se encontra provisoriamente acautelado por prazo maior do que o permitido, razão pela qual sua prisão deve ser relaxada. A Procuradoria de Justiça contra-arrazoou pelo não-provimento do recurso (fls. 129/132), o que foi ratificado, em 14 de dezembro de 2006, pelo Ministério Público Federal (fls. 140/142). Em seguida, o feito foi concluso ao então Relator, o eminente Ministro Paulo Medina (fl. 143). Posteriormente, em 02 de agosto de 2007, ele foi atribuído ao eminente Ministro Carlos Fernando Mathias e, em 14 de dezembro do mesmo ano, à minha Relatoria (fls. 144 e 147). É o relatório. Em mesa para julgamento.

 
VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator):
Conheço do recurso, pois constitucionalmente previsto, cabível, adequado e presentes o interesse recursal e os demais requisitos de processamento. Verifiquei cuidadosamente as razões apresentadas pelo recorrente e, ao compará-las com a decisão ora impugnada e com os documentos acostados aos autos, vejo que devo acolher sua pretensão. Compulsando os autos, percebo que ao recorrente foi atribuída a prática dos crimes previstos nos artigos 157, §2º, I e V, 158, caput, e 214, todos do Código Penal (fls. 94/97). Ele pugnou pelo relaxamento de sua prisão cautelar, tendo em vista o longo excesso de prazo na instrução criminal. Consoante informado em 24 de agosto de 2006 pelo Juízo de 1º Grau (fls. 91/93), a audiência para inquirição das testemunhas arroladas pela acusação estaria designada para o dia 13 de setembro daquele ano. Com base nesse fato, a Corte a quo, em julgamento colegiado realizado em 02 de outubro de 2006, ou seja, após a data da mencionada audiência, entendeu que a instrução criminal já se encontraria encerrada, motivo pelo qual não reconheceu o constrangimento ilegal narrado na inicial (fls. 109/111). Todavia, esse entendimento, também esposado pela ilustra Subprocuradora-Geral da República, mostra-se sobejamente equivocado, posto que a instrução criminal somente se conclui após a colheita de todas as provas pleiteadas pelas partes. Logo, a simples inquirição das testemunhas arroladas pelo Ministério Público não é capaz de ensejar seu término, posto que ainda seria necessária a realização da audiência para oitiva das testemunhas arroladas pela defesa e, eventualmente, a realização de diligências para providenciar a juntada de laudos periciais (tendo em vista a imputação do crime de atentado violento ao pudor), certidões de antecedentes criminais, etc. O encerramento da instrução ocorre, portanto, com a abertura de vista às partes para a apresentação de suas alegações finais, fase processual na qual não mais se mostra possível a produção de novas provas, salvo se o Magistrado entender conveniente antes de prolatar a sentença. Vejamos os precedentes desta Corte: PROCESSO PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . ART. 12 DA LEI Nº 6.368/76 (ANTIGA LEI DE TÓXICOS) E ART. 297 DO CP. AUSÊNCIA INTIMAÇÃO DO DEFENSOR PÚBLICO PARA SESSÃO DE JULGAMENTO DO HABEAS CORPUS . NULIDADE. INOCORRÊNCIA. EXCESSO DE PRAZO. INSTRUÇÃO CRIMINAL ENCERRADA. SÚMULA 52/STJ. I - O habeas corpus , por sua própria natureza de remédio urgente, não se sujeita a ritos que possam ensejar demora em seu julgamento, dispensando-se publicação prévia em pauta nos colegiados. (Precedentes). II - A Súmula 431 do Supremo Tribunal Federal dispõe: “Nulo o julgamento de recurso criminal, na segunda instância, sem previa intimação, ou publicação da pauta, salvo em habeas corpus .“ III - Não enseja, pois, nulidade o julgamento de habeas corpus em que o defensor ou o paciente não foi intimado para seu julgamento. IV - Encerrada a instrução criminal, já encontrando-se os autos na fase das alegações finais, fica, por ora, superado o pretenso constrangimento por excesso de prazo (cf. Súmula nº 52-STJ). Recurso desprovido. (STJ – RHC 19.566/PI – Relator: Ministro Felix Fischer – Quinta Turma – DJ de 10.09.2007, p. 243). CRIMINAL. RHC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EXCESSO DE PRAZO. ENCERRAMENTO DA INSTRUÇÃO. SÚMULA 52 DO STJ. RECURSO PARCIALMENTE CONHECIDO E DESPROVIDO. O inconformismo com a prisão em flagrante não foi objeto de debate e decisão pelo Tribunal a quo, não tendo sido interposto embargos declaratórios. O exame da matéria por esta Corte ocasionaria indevida supressão de instância. Não se acolhe a alegação de excesso de prazo para a formação da culpa, se evidenciado que a instrução já foi encerrada, encontrado-se o feito em fase de alegações finais. Incidência da Súmula n.º 52 desta Corte. Precedentes. Recurso parcialmente conhecido e desprovido. (STJ – RHC 18.537/PA – Relator: Ministro Gilson Dipp – Quinta Turma – DJ de 23.10.2006, p. 326). Ademais, consoante movimentação processual atualizada (colhida em 01 de fevereiro de 2008) obtida junto ao sítio do Tribunal de 2º Grau (acostada à contracapa dos autos), a ação penal em comento ainda se encontra com a instrução criminal em aberto, restando a oitiva de algumas testemunhas para encerrá-la. Logo, insustentável a tese acolhida pela Corte Estadual. Consta no auto de prisão em flagrante delito (fls. 18/27) que o ora recorrente foi preso pela autoridade policial em 06 de março de 2006. Nenhuma das testemunhas arroladas pela acusação residia fora da Comarca, tanto é que o Juízo de 1º Grau não necessitou expedir carta precatória para ouvi-las (fl. 101). Nas informações por ele prestadas (fls. 92/93) não há notícias acerca de eventual diligência de maior complexidade a ser cumprida, também não havendo sido informado se a defesa chegou a arrolar alguma testemunha residente em Comarca distinta. O andamento processual obtido junto ao sítio da Corte a quo não menciona a necessidade de expedição de carta precatória. Ademais, apenas ele foi denunciado pelo Ministério Público Estadual, inexistindo qualquer co-réu nos autos da ação penal, sendo certo que, em razão de seu acautelamento, ele sempre se encontrou em local certo e sabido, não havendo maiores dificuldades para citação e eventuais intimações. Assim, ainda que os delitos atribuídos ao recorrente sejam graves, demonstrando, inclusive, sua periculosidade, não se pode coadunar com uma prisão cautelar que já perdura por quase dois anos, posto que, repita-se, nenhuma circunstância extraordinária apta a justificar a aplicação do princípio da razoabilidade ocorreu. O Supremo Tribunal Federal possui, inclusive, entendimento pacífico a respeito da matéria, o que resultou na edição da Súmula 697, que dispõe que “a proibição de liberdade provisória nos processos por crimes hediondos não veda o relaxamento da prisão processual por excesso de prazo“. Logo, sua prisão deve ser relaxada, eis que evidente o constrangimento ilegal por ele suportado. Vejamos os precedentes desta Turma: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . TRÁFICO DE ENTORPECENTES. 1. AUSÊNCIA DE CITAÇÃO DA PACIENTE PARA APRESENTAR DEFESA PRÉVIA ANTES DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. DESRESPEITO AO ARTIGO 38 DA LEI 10.409/02. NULIDADE. OCORRÊNCIA. 2. EXCESSO DE PRAZO. RÉ PRESA. QUASE DOIS ANOS SEM SENTENÇA. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 5º, INC. LXXVIII DA CF. JUSTIFICATIVA PARA A DEMORA. INEXISTÊNCIA. 3. ORDEM CONCEDIDA. 1. A não observância do rito instituído pela Lei n. 10.409/02, art. 38, acarreta a nulidade do processo penal desde o recebimento da denúncia. 2. A prisão por quase dois anos sem a prolação de sentença penal, ausente qualquer justificativa para a demora, configura violação ao artigo 5º, inciso LXXVIII da CF, impondo-se imediata soltura da paciente. 3. Ordem concedida para anular o processo desde o recebimento da denúncia, dando-se a oportunidade à paciente para a apresentação de defesa prévia, e expedindo-se alvará de soltura se por outro motivo não estiver presa. (STJ – HC 57.620/SP – Relator: Ministra Maria Thereza de Assis Moura – Sexta Turma – DJ de 17.09.2007, p. 360). (Grifo nosso). PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS . PRISÃO EM FLAGRANTE. EXCESSO DE PRAZO. 1. O habeas corpus , ação constitucional de caráter urgente, não depende de pauta para julgamento. 2. Em processo que não se mostra complexo, reconhece-se o excesso de prazo de prisão em flagrante que já perdura por quase dois anos sem a prolação de sentença. 3. Recurso parcialmente provido. (STJ – RHC 18.342/PI – Relator: Ministro Paulo Gallotti – Sexta Turma – DJ de 16.10.2006, p. 431). Destarte, deve a prisão do paciente ser imediatamente relaxada. Ante tais fundamentos, dou provimento ao recurso para determinar o relaxamento da prisão cautelar do recorrente, devendo o Magistrado de primeiro grau fixar-lhe as condições. Expeça-se o competente alvará de soltura, salvo em caso de prisão por outro motivo. É como voto.

 
EMENTA -
PROCESSUAL PENAL – RECURSO EM HABEAS CORPUS – ROUBO DUPLAMENTE MAJORADO – EXTORSÃO – ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR – PRISÃO EM FLAGRANTE DELITO – EXCESSO DE PRAZO NA INSTRUÇÃO CRIMINAL – PRISÃO CAUTELAR QUE JÁ PERDURA POR QUASE DOIS ANOS – INSTRUÇÃO CRIMINAL AINDA EM ABERTO – PATENTE CONSTRANGIMENTO ILEGAL – DADO PROVIMENTO AO RECURSO. 1. Encontrando-se o paciente provisoriamente acautelado desde sua prisão em flagrante delito, que já perdura por quase dois anos, não havendo a instrução criminal sequer se encerrada, figura-se patente o constrangimento ilegal por ele suportado, notadamente quando o feito não se mostra complexo. 2 . Dado provimento ao recurso para determinar o relaxamento da prisão do recorrente, determinando-se a imediata expedição de alvará de soltura, salvo em caso de segregação por outro motivo.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Nilson Naves, Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com a Sra. Ministra Relatora. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 19 de fevereiro de 2008.(Data do Julgamento)

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