Recurso Em Habeas Corpus Nº 20.600/goRecurso Em Habeas Corpus Nº 20.600/go

Cheque (garantia de dívida). Estelionato (não-configuração). Extinção da ação penal (caso).

Rel. Min. Nilson Naves

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Cheque (garantia de dívida). Estelionato (não configuração). Extinção da ação penal (caso).

Rel. Min. Nilson Naves


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES:
Foi o paciente denunciado, na comarca de Cristalina, em 2006, porque, no ano 2003, emitira cheques sem suficiente provisão de fundos, e o Tribunal de Justiça de Goiás, já que lá o paciente fora com a alegação de falta de justa causa, denegou-lhe a ordem em acórdão assim ementado: “Habeas corpus . Estelionato. Trancamento de ação penal. Ausência de justa causa. Atipicidade da conduta. Emissão de cheques pós-datados. Dilação probatória. Impossibilidade. Constrangimento ilegal não configurado. 1 - No crime de estelionato o dolo é a essência da infração e antecede a ação criminosa. E via de regra, em sede de habeas corpus , é afastada a apreciação do dolo para efeito de definir a atipicidade da conduta, por depender de maior indagação e análise probatória. Assim, se não descaracterizada, de pronto, a conduta do agente de modo a dirimir qualquer dúvida quanto a sua tipicidade, não há se falar em constrangimento ilegal, mesmo porque o fato poderá ser melhor analisado no exercício do princípio constitucional do contraditório e da plenitude da defesa, no decorrer da instrução criminal. 2 - Ordem indeferida à unanimidade.“ Donde o seguinte pedido endereçado ao Superior Tribunal: “... requer o paciente que se dignem Vossas Excelências em conceder a ordem de habeas corpus impetrada para determinar o trancamento da Ação Penal nº 200601209154, em curso na comarca de Cristalina, GO, observando-se no que for possível a decadência e prescrição face a representação criminal e denúncia feitas após 3 (três) anos de conhecimento do fato (propositura de ação de execução no âmbito cível), e por não se constituir em crime este fato, pois provado está que os cheques dados em garantia de negócio não caracterizaram o crime de estelionato - falta de justa causa - devendo o MM. Juiz de Direito daquela comarca abster-se da prática de qualquer ato nos autos do referido processo.“ Parecer ministerial segundo esta ementa: “Penal. Processual Penal. Recurso em habeas corpus . Crimes contra o patrimônio - estelionato. Pleito de trancamento de ação penal, dada a atipicidade da conduta. Alegação de que os cheques emitidos pelo paciente em favor das vítimas foram dados em garantia. Ausência de comprovação primus ictu oculi, de que os cheques foram dados em garantia, e não, como ordem de pagamento à vista. Necessidade de se dar trânsito à instrução para se dirimir a verdadeira situação fática. Alegação de Prescrição. Supressão de instância. Decadência. Inocorrência. O estelionato é delito que se procede mediante ação penal pública incondicionada, sendo equivocado, assim, falar em representação da vítima. O Parecer é pelo conhecimento parcial e, na parte conhecida, pelo não-provimento do recurso.“ Os autos da ação penal ainda estão sendo instruídos. Há notícia de que se não aceitou a proposta de suspensão do processo. É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO NILSON NAVES (RELATOR):
Foi a requerimento do ofendido (de 21.3.06) que se iniciou o inquérito policial. São de 2003 os fatos, conforme estes tópicos do requerimento: “Nos meses de maio e junho de 2003, o indiciado comprou grande quantidade de milho, produzido por agricultores de Cristalina. Os primeiros cheques emitidos, para pagamento, foram compensados normalmente. Depois de conquistada a confiança de vários agricultores de nossa região, inclusive a vítima, o indiciado passou a fazer, primeiramente, o carregamento do milho para pagamento a prazo. Foi nessa oportunidade que veio a emitir cheques de sua empresa sem fundos, em Cristalina, a favor da vítima (doc. 02). Apresentados à compensação os cheques foram devolvidos sob a alegação prevista na alínea 21, caracterizando-se frustração de pagamento conforme vem tipificado no artigo 171, § 2º, inciso VI, segunda figura, do Código Penal.“ Daí esta alegação dos advogados, vinda com a petição inicial e repetida na do recurso ordinário: “Aí está, ilustre Relator e demais eméritos Ministros julgadores, o que a própria vítima relatou. Houve a compra, por parte do indiciado, de uma grande quantidade de milho, cujo pagamento foi feito à vista e os cheques foram devidamente compensados. Posteriormente fez uma outra compra a prazo e deu em garantia os cheques que acabaram sendo objeto do indevido procedimento criminal instaurado. Está descaracterizado o crime de estelionato! A própria pseudo-vítima alegou que os cheques foram dados em garantia!“ O Tribunal, porém, no acórdão do habeas corpus, observou o seguinte: “A par disso, examinando a descrição efetuada na denúncia, fls. 35/37, bem como a noticia criminis levada a efeito pela suposta vítima, fls. 39/41, assim também analisando os cheques emitidos, fl. 42, não tenho como estreme de dúvidas, a atipicidade da conduta praticada pelo paciente. De início, pondero que a denúncia atende aos requisitos do artigo 41, do Código de Processo Penal. O ato formal acusatório descreve, outrossim, conduta passível de ser classificada como ilícito penal, posto que relata que o acusado, ora paciente, emitia cheques sem fundos, com a finalidade única de obter vantagem ilícita, lesionando economicamente os produtores da região de Cristalina. Da análise da documentação acostada pelo paciente, percebe-se que os cheques constantes da fl. 42 não estão pós-datados, contribuindo para aumentar a dúvida quanto a atipicidade da conduta. Ressalta-se que tal prova poderia ser produzida mediante a juntada do anverso do cheque, donde constaria o carimbo do banco com a data da devolução, todavia, assim não se fez. Nem mesmo nas alegações do paciente é possível encontrar a informação da data na qual os cheques deveriam ser compensados. Observo, também, que a noticia criminis dá conta de que o paciente executou a mesma conduta com relação a outros agricultores da região da comarca de Cristalina, como informado na denúncia. A mera alegação do paciente de que emitiu os cheques pós-datados se vê desamparada de maiores substratos probantes, e não é suficiente para afastar a dúvida com relação a sua conduta.“ Trata-se de cheques emitidos em garantia de dívida? Segundo o acórdão, dúvida existe a esse respeito, e foi além ao entender que não se trata de cheques pós-datados, concluindo, então, pelo prosseguimento da ação penal. Mas, pelo visto, o ofendido, nos papéis encaminhados à autoridade policial, não deixou claro tratar-se de cheques sem suficiente provisão de fundos, de ordens de pagamento à vista; ao contrário, confiramos: “... o indiciado passou a fazer, primeiramente, o carregamento do milho para pagamento a prazo. Foi nessa oportunidade que veio a emitir cheques de sua empresa sem fundos, em Cristalina, a favor da vítima (doc. 02). Apresentados à compensação os cheques foram devolvidos sob a alegação prevista na alínea 21, caracterizando-se frustração de pagamento conforme vem tipificado no artigo 171, § 2º, inciso VI, segunda figura, do Código Penal.“ Ora, não havendo clareza quanto a se tratar de ordens de pagamento à vista – ao revés, até se falou em “pagamento a prazo“ – é que estou votando no sentido de dar provimento ao recurso ordinário com a finalidade de extinguir a Ação Penal nº 200601209154, da comarca de Cristalina.

 
VOTO - O SR. MINISTRO CARLOS FERNANDO MATHIAS (JUIZ CONVOCADO DO TRF 1ª REGIÃO):
Sr. Presidente, se percebi bem, a pergunta do eminente Ministro Hamilton Carvalhido era saber se o recorrente pagava com essa garantia, que, por falta de provisão, não era garantia alguma, e recebia de quem estava fornecendo. Foram citados dois precedentes, pelo próprio advogado da tribuna, da relatoria do eminente Ministro Paulo Gallotti, que, um dos poucos casos em que por efeito do costume contra legem que acabou. Como se sabe, é até difícil quando se quer estudar os costumes praeter legem, secundum legem e contra legem, e sempre se defronta com o problema do cheque como garantia: o cheque pré-datado ou o pós-datado, como preferem alguns. Porém, no caso específico, uma vez que o advogado disse da tribuna e V. Exa. secundou no sentido de que o que estava faltando já foi pago, desaparece aquela idéia do estelionato - com o maior respeito, porque houve operações muito estranhas nesse sentido. Diante disso, penso que já desapareceria não por outras razões, mas porque já não se teria mais o que falar a respeito do art. 171, do Código Penal. Acompanho o voto de V. Exa., dando provimento ao recurso ordinário em habeas corpus com a finalidade de extinguir a ação penal.

 
EMENTA -
Cheque (garantia de dívida). Estelionato (não-configuração). Extinção da ação penal (caso). 1. Segundo a jurisprudência do Superior Tribunal, a emissão de cheque como garantia de dívida não configura o crime do art. 171, § 2º, VI, do Cód. Penal (estelionato). 2. No caso, o próprio ofendido (credor) não demonstrou claramente que se cuidava de ordem de pagamento à vista; ao contrário, afirmou ele ser “pagamento a prazo“. Descaracterizado, portanto, está o crime de estelionato. 3. Recurso ordinário provido com a finalidade de se extinguir a ação penal.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso em habeas corpus para extinguir a Ação Penal nº 200601209154, da comarca de Cristalina – GO, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Hamilton Carvalhido, Paulo Gallotti, Maria Thereza de Assis Moura e Carlos Fernando Mathias (Juiz convocado do TRF 1ª Região) votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. O Dr. Josmar de Souza Pagotto fez sustentação oral pela parte, Valdecir Antônio Thomes. Brasília, 9 de outubro de 2007 (data do julgamento).

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