Recurso Em Habeas Corpus Nº 21.861/sp

Recurso ordinário em HC. Art. 316 do CP. Trancamento da ação penal. Falta de Justa causa. Inocorrência.

Rel. Min. Felix Fischer


RELATÓRIO - O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER:
Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto por MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA e ALINE GRAZIELE DE OLIVEIRA THEODORO, contra v. acórdão prolatado pelo e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Eis a ementa do objurgado acórdão: “HABEAS CORPUS. CONCUSSÃO. INDICIOS SUFICIENTES DO COMPROMETIMENTO CRIMINAL DOS PACIENTES, NO PROCESSO ORIGINÁRIO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL, POR FALTA DE JUSTA CAUSA. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM DENEGADA“ (fl. 183). Depreende-se dos autos que os recorrentes foram denunciados como incursos nas sanções do art. 316 do Código Penal. Buscando o trancamento da ação penal ao argumento de que não haveria justa causa para o prosseguimento do feito tendo em vista a inexistência de um lastro probatório mínimo a respaldar a persecutio criminis in iudicio, impetraram habeas corpus perante a e. Corte de origem. A ordem, conforme ementa acima transcrita, foi denegada. Daí o presente recurso onde os recorrentes apresentam, em linhas gerais, os mesmos fundamentos dirigidos ao e. Tribunal de Justiça do Estado do Paraná. Dessa forma, pugnam, pelo trancamento da ação penal. A d. Subprocuradoria-Geral da República se manifestou pelo desprovimento do recurso em parecer que restou assim ementado: “RECURSO EM HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO EM GERAL. CONCUSSÃO. AÇÃO PENAL. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA NÃO DEMONSTRADA. 1. Presentes os requisitos para que ocorra o oferecimento da denúncia (existência de indícios de autoria e materialidade em relação aos recorrentes), nenhum óbice há quanto ao exercício da ação penal pelo Ministério Público. 2. A via eleita não se presta ao exame da alegação de atipicidade da conduta dos recorrentes, quando presentes indícios mínimos de autoria, ensejadores de existência de elemento subjetivo do tipo penal, em virtude da necessidade de revolvimento no conjunto fático-probatório. 3. O trancamento da ação penal pela via estreita do habeas corpus somente seria possível se evidenciada, sem necessidade de dilação probatória, a atipicidade da conduta, o que não ocorre no presente caso. 4. Parecer pelo não provimento do recurso“ (fls. 234/235). É o relatório.

 
VOTO - O EXMO. SR. MINISTRO FELIX FISCHER:
Inicialmente, cumpre ressaltar que, a teor da orientação jurisprudencial desta Corte, o trancamento de ação penal por falta de justa causa só é possível quando se constata, prima facie, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade, a ausência de indícios de autoria ou de prova da materialidade do delito. Nesse sentido, os seguintes precedentes desta Corte: “CRIMINAL. RHC. CONCUSSÃO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MÉDICO CADASTRADO NO SUS. JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DO FEITO. AMPLIAÇÃO DO CONCEITO DE FUNCIONÁRIO PÚBLICO. FUNÇÃO DELEGADA. RECURSO DESPROVIDO. Denúncia que imputou ao paciente, médico cadastrado no SUS, a suposta prática do crime de concussão. A falta de justa causa para a ação penal só pode ser reconhecida quando, de pronto, sem a necessidade de exame valorativo do conjunto fático ou probatório, evidenciar-se a atipicidade do fato, a ausência de indícios a fundamentarem a acusação ou, ainda, a extinção da punibilidade. Inserem-se no conceito de funcionário público todos aqueles que, embora transitoriamente e sem remuneração, venham a exercer cargo, emprego ou função pública, ou seja, todos aqueles que, de alguma forma, exerçam-na, tendo em vista a ampliação do conceito de funcionário público para fins penais. Recurso desprovido.“ (RHC 14858/GO, 5ª Turma, Rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 14/06/2004). “PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS . ART. 305, C/C OS ARTS. 53, “CAPUT“, E 80, “CAPUT“; ART. 242, § 2º, I E II, ART. 243, “A“, § 1º, C/C OS INC. I E II DO § 2º DO ARTIGO 242 E ART. 79; AMBOS DO CÓDIGO PENAL MILITAR. REVOGAÇÃO DA PRISÃO CUSTÓDIA CAUTELAR. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INÉPCIA DA DENÚNCIA. I - Tendo sido expedido alvará de soltura em favor do ora paciente, em razão de decisum proferido pelo Conselho de Justiça da 1ª Auditoria de Porto Alegre (RS), resta prejudicado o recurso no que concerne ao pedido de revogação da custódia cautelar. II - O trancamento da ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é possível se houver comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, o que não ocorre na espécie (Precedentes). III - Se a imputação é clara e específica, permitindo a adequação típica e, simultaneamente, a ampla defesa, não há que se reconhecer a pretendida inépcia da exordial acusatória (Precedentes). Recurso parcialmente conhecido e, nesse ponto, desprovido.“ (RHC 15392/RS, 5ª Turma, de minha relatoria, DJU de 07/06/2004). “HABEAS CORPUS . DENÚNCIA. INÉPCIA. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. IMPROCEDÊNCIA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA INCABÍVEL NA VIA ESTREITA DO WRIT. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. Em sede de habeas corpus, conforme entendimento pretoriano, somente é viável o trancamento de ação penal por falta de justa causa quando, prontamente, desponta a inocência do acusado, a atipicidade da conduta ou se acha extinta a punibilidade, circunstâncias não evidenciadas na espécie. As questões suscitadas pelo paciente, por reclamar detido revolver de provas, transbordam o âmbito de apreciação do habeas corpus . Ordem denegada.“ (HC 23766/MS, 5ª Turma, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJU de 31/05/2004). Não se vislumbra, in casu, qualquer das hipóteses mencionadas. A denúncia oferecida em desfavor dos recorrentes, evidencia, ao menos em tese, a prática do delito previsto no art. 316 do Código Penal. A propósito, veja-se o seguinte excerto da exordial acusatória: “Entre os meses de fevereiro e agosto do ano de 2005, nas dependências da Secretaria de Planejamento, Desenvolvimento Econômico e Habitação da Prefeitura Municipal de Arapongas, localizada entre as Ruas Flamingos e Marabu, nesta cidade e comarca, os denunciados MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA e ALINE GRAZIELE DE OLIVEIRA THEODORO - mediante adesão prévia e recíproca de vontade, bem como com consciência e vontade para a realização do ilícito - puseram em prática o seu projeto criminoso, consistente na perpetração do crime de concussão. Dividindo entre si as tarefas executivas, o denunciado MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA, na qualidade de titular da pasta supramencionada (cf. Decreto Municipal nº 009/05 - fl. 30). passou a exigir da vítima/funcionária, FÁTIMA ELISABETH GEMES LEMOS - lotada naquela Secretaria e sujeita à autoridade hierárquica do acusado - o repasse, a co-denunciada, da metade dos valores percebidos pela ofendida a título da função gratificada de assistente de Apoio Técnico, Símbolo FGTA (R$ 708,51 à época), a ela deferida pelo Prefeito Municipal por meio da Portaria nº 191, de 21 de fevereiro de 2005 (doc. fl. 36), a pedido do primeiro denunciado (cf. C.I.062. de 16 de fevereiro de 2005 - doc. fl. 35). Enquanto o acusado MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA encarregava-se das cobranças verbais, renovadas invariavelmente após o pagamento dos salários a cada mês, a denunciada ALINE GRAZIELE DE OLIVEIRA THEODORO, investida no cargo de Auditor, Símbolo CC-3 (doc. fl. 32), também lotada na Secretaria comandada pelo seu progenitor (cf. Portaria nº 39, de 17 de janeiro de 2005 - doe. fl. 33), desincumbia-se do seu mister de forma silenciosa, esfregando os dedos polegar e indicador à ofendida. Diante da resistência oposta pela vítima em não ceder às pressões dos denunciados, o acusado MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA procurou a ofendida a quem disse que o achaque era do conhecimento e contava com a aprovação do Prefeito Municipal, razão pela qual os repasses deveriam ser imediatamente cumpridos. Ao ouvir as lamúrias da vítima de que os valores extorquidos seriam demasiadamente elevados, o denunciado MANOEL MARTINS DE OLIVEIRA acabou reduzindo o valor para R$ 200,00 (duzentos reais) mensais“ (fls. 26/27). De outro lado, há que se registrar que segundo o que consta dos autos, verifica-se configurado o lastro probatório mínimo ensejador da persecução penal. Neste momento do feito, em que não se findou a instrução processual, a palavra da vítima se mostra suficiente para a apuração do ilícito por ela narrado (a prática do crime descrito na denúncia). Até porque, os recorrentes não teceram qualquer alegação no sentido de que não seria idônea a versão dos fatos conforme narrada pela vítima. Limitaram-se, tão somente, a afirmar que esta prova, por ser até aqui única, não autorizaria a deflagração da ação penal. Contudo, não há razão para se desconsiderar seu depoimento, que no momento, revela-se apto a amparar o recebimento da denúncia. Em suma, tenho que os fatos narrados na proemial, respaldados em indícios de autoria e materialidade, levam a indicativos de eventual crime de concussão. Logo, seria demasiadamente precipitado o trancamento da ação penal. Qualquer entendimento em sentido contrário demandaria, inevitavelmente, o revolvimento da matéria fático-probatória, o que, nesta sede, mostra-se inviável. Ante o exposto, nego provimento ao recurso. É o voto.

 
EMENTA -
PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. ART. 316 DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie (Precedentes). II - No caso em tela, os fatos narrados na denúncia, respaldados em indícios de autoria e materialidade, levam, em tese, a indicativos de eventual crime de concussão. Ademais, a palavra da vítima, se idônea, autoriza que com base nela, seja dado início à persecução criminal. Recurso desprovido.

 
ACÓRDÃO -
Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima, Napoleão Nunes Maia Filho e Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG) votaram com o Sr. Ministro Relator. Brasília (DF), 04 de outubro de 2007. (Data do Julgamento).

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