Estelionato contra a previdência social. Falsidade ideológica. Uso de documento falso. Tipicidade. Impossibilidade de aprofundamento da prova. Trancamento da ação penal. Dever profissional do advogado. Responsabilidade penal objetiva. Inocorrência.
Rel. Des. Jane Silva
RELATÓRIO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator): Trata-se de recurso ordinário contra a decisão proferida em habeas corpus impetrado por advogados em benefício de ÉZIO RAHAL MELILLO, contra acórdão do Tribunal Regional Federal da 3a Região que denegou a ordem ali impetrada, em que se pretendia o trancamento da ação penal instaurada contra o Paciente, pelos crimes de estelionato contra a previdência social, falsidade ideológica e uso de documento falso, porque, na condição de advogado, teria praticado uma série de delitos contra a autarquia previdenciária. Segundo consta da denúncia, a Polícia Federal requereu e o Juiz Federal da 2a Vara da 8a Subseção Judiciária do Estado de São Paulo deferiu a expedição de mandado de busca e apreensão, nos autos de nº 2000.61.08.4738-6, que resultou na apreensão de diversos documentos, notadamente um número aproximado de mil Carteiras de Trabalho e Previdência Social, no escritório dos advogados Francisco Alberto de Moura Silva e Élzio Rahal Melillo, no dia 07 de julho de 2002. Deste modo, descobriu-se, entre outros fatos, que, em tese, o Paciente e o co-réu teriam agido dolosamente, em unidade de desígnios, no sentido de falsificar a Carteira de Trabalho e Previdência Social n° 36278, Série 361a, emitida em 16 de outubro de 1973, em nome de Sônia Justina Amadeu, anotando e determinando a anotação de vínculos empregatícios falsos, e usaram-na para instruir a ação judicial com o objetivo de obter, para si e para a beneficiária, vantagem ilícita, em prejuízo do Instituto Nacional do Seguro Social, induzindo-o e mantendo-o em erro, assim como a Justiça do Estado de São Paulo e a Justiça Federal, mediante este expediente fraudulento, que só não se consumou por circunstâncias alheias à sua vontade, posto que a sentença que concedeu o benefício por tempo de serviço encontra-se suspensa em razão da apelação da autarquia. Em conseqüência, o Ministério Público Federal denunciou o Paciente e o co-réu como incursos no artigo 171, §3o, c/c artigo 14, II, artigo 299 e 304, c/c artigos 29 e 70, todos do Código Penal. Irresignada, a defesa do Paciente impetrou writ junto ao Tribunal a quo, ocasião em que argüiu a inépcia da inicial acusatória, em virtude da não-individualização das condutas imputadas ao acusado, conforme determina o artigo 41 do Código de Processo Penal; da ausência de justa causa para o prosseguimento da ação penal, que não está amparada por elementos suficientes quanto à autoria e materialidade; da falta do elemento subjetivo, vez que o Paciente desconhecia o comportamento do co-réu Francisco Moura; bem como da atipicidade da conduta que lhe foi atribuída, e, em conseqüência, o constrangimento ilegal sofrido. O Tribunal a quo, à unanimidade, denegou a ordem, refutando as teses constantes da irresignação do Paciente, no Acórdão assim ementado: HABEAS CORPUS - ESTELIONATO CONTRA O INSS - FALSIDADE IDEOLÓGICA E USO DE DOCUMENTO FALSO - PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO WRIT REJEITADA - IDONEIDADE DO INSTRUMENTO PARA O EXAME DAS QUESTÕES AGITADAS PELO IMPETRANTE EM SUA INICIAL - MÉRITO - DENÚNCIA APTA, QUE OBSERVA OS REQUISITOS DO ARTIGO 41 DO CPPB - JUSTA CAUSA CONFIGURADA - ATIPICIDADE NÃO REVELADA - ORDEM DENEGADA. 1. Cuidando o writ exclusivamente de questão de direito, nada obsta que o Estado-Juiz seja chamado pelo jurisdicionado a coarctar eventual ilegalidade ou abuso de poder que esteja a ferir a integridade do seu direito de locomoção. E, havendo também questões de fato, basta que a prova pré-constituída seja suficiente, ou, que a petição inicial e as informações convirjam de certa maneira, a fim de que o mérito da impetração possa ser examinado. E, neste feito, é exatamente essa a situação. Preliminar rejeitada. 2. A via estreita do habeas-corpus não comporta análise aprofundada da matéria de prova veiculada na ação penal, prestando-se, apenas, ao exame de ilegalidades perceptíveis de pronto pelo julgador. Em razão disso, via de regra, torna indispensável a existência de prova pré-constituída do que se alega, para justificar a análise e concessão da ordem. 3. No caso vertente, a denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal atende a todos os requisitos exigidos pelo artigo 41 do Código de Processo Penal, desempenhando, deste modo, as funções que dela se esperava: descrever os fatos, individualizar as condutas e tornar possível ao acusado defender-se. 4. A justa causa para a ação penal se revela na presença de certos requisitos, sem os quais, não se admite a submissão do cidadão ao constrangimento do strepitus judiciae . São requisitos para a configuração da justa causa: a tipicidade do fato, a legitimidade para ocupação dos pólos processuais, a potencial possibilidade de punição do acusado, e, por fim, a idoneidade do pedido de tutela, entendida esta última como sendo a plausibilidade da persecução penal, que se denota a partir dos elementos que instruem o pedido inicial. Todos eles estão configurados na espécie, o que impõe a rejeição dessa pretensão veiculada pelo impetrante. 5. A leitura da inicial acusatória já permite concluir pela tipicidade das condutas imputadas ao paciente, bem como, pela sua legitimidade para ocupar o pólo passivo da relação jurídico processual instaurada. Outrossim, em que pese a superficialidade de apreciação que é inerente a esta espécie processual, pode-se afirmar, diante do conteúdo dos autos, que não há nenhuma causa capaz de gerar a extinção de sua punibilidade, ou mesmo, hábil a demonstrar inimputabilidade, de modo que o prosseguimento da ação penal é medida de rigor também sob esse prisma. A idoneidade do pedido de tutela também resta configurada. Basta o cotejo dos documentos acostados aos autos, com os argumentos expostos na inicial acusatória para que outra coisa não se possa concluir. 6. E também a alegação de ausência de elemento subjetivo não pode ser avaliada neste momento. O exame deste tema exige aprofundada análise da matéria de prova da persecução penal, o que não é possível de ser feito nesta ocasião, conforme reiterada jurisprudência. 7. Esta via e momento não são adequados para travar discussões acerca do enquadramento típico das condutas atribuídas ao paciente, tampouco para analisar a aplicação dessa ou daquela teoria doutrinária. Não se pode admitir que uma ação penal seja coartada em seu nascedouro, sem qualquer certeza categórica de ilegalidade no constrangimento. 8. Preliminar rejeitada. Ordem denegada. Daí o presente recurso, em que se pretende o trancamento da ação penal, “face o reconhecimento do constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente, consubstanciado no recebimento da denúncia pelo m.d. Juízo da Segunda Vara Federal de Bauru, nos moldes em que aquela fora ofertada“, isto é, sendo manifestamente inepta, com inversão do ônus probatório, e ausente o justo motivo para a persecução penal, diante da falta de indícios da participação e/ou concorrência do Paciente, sendo sua conduta absolutamente atípica. Dizem os Impetrantes que, em relação ao crime de falsidade ideológica, a inépcia da denúncia se evidencia na ausência de individualização na descrição da conduta, posto que o exame grafotécnico não imputa a autoria a qualquer dos fornecedores de material gráfico, e não há indicação de quando o delito teria sido praticado. No que diz respeito ao crime de uso de documento falso, refutam tal assertiva porque o Paciente, ao instruir a petição inicial de aposentadoria, utilizou apenas cópias simples da referida Carteira de Trabalho, e não tinha conhecimento de que elas não eram autênticas. Logo, não se demonstrou o dolo na conduta. Sobre o crime de tentativa de estelionato, a defesa alega que a denúncia foi incompleta por não ter mencionado quem teria praticado o delito, se havia liame psicológico entre os dois agentes acusados, qual a vantagem almejada, quem seria o beneficiário, e se houve dolo. Diz, ainda, que o Paciente tinha plena convicção de que, ao propor a ação em favor de Sônia Justina Amadeu de Vicentes, a vantagem era devida, e não pode ser acusado da prática do delito na modalidade culposa, nem há que se falar em responsabilidade penal objetiva. Foi pleiteada liminar, que não foi possível examinar, posto que os autos só foram conclusos em 26 de novembro do corrente ano, quando se encontravam prontos para julgamento, além de não haver previsão para tal medida em se tratando do presente recurso. Ouvido o Ministério Público Federal, este se manifestou para que se negue provimento ao recurso. Vistos e exposto, em mesa para o julgamento.
VOTO - A EXMA. SRA. MINISTRA JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG) (Relator): Conheço do recurso, posto que previsto constitucionalmente, adequado, cabível, há interesse recursal, assim como foram obedecidas todas as formalidades atinentes à sua admissibilidade e processamento. Pretende-se, em síntese, o trancamento da ação penal, “face o reconhecimento do constrangimento ilegal sofrido pelo Paciente, consubstanciado no recebimento da denúncia pelo m.d. Juízo da Segunda Vara Federal de Bauru, nos moldes em que aquela fora ofertada“, isto é, sendo manifestamente inepta, com inversão do ônus probatório, e ausente o justo motivo para a persecução penal, diante da falta de indícios da participação e/ou concorrência do Paciente, repetindo-se, ainda, os argumentos referentes à atipicidade da conduta. Examinei com cuidado as razões da irresignação dos Impetrantes e, não obstante louve a sua obstinação e o esforço defensivo, não vejo como dar guarida às pretensões esposadas. Quanto ao pedido de trancamento da ação penal por atipicidade da conduta, não vejo como fazê-lo, pois implicaria em aprofundado exame das provas, o que não é possível na estreita via do presente remédio legal, que não o comporta, posto que destinado, exclusivamente a coibir constrangimento ilegal à liberdade de locomoção. Só se tranca ação penal quando a atipicidade é vista de plano, sem necessidade de maior aprofundamento probatório, quando já ocorreu a extinção da punibilidade ou quando há defeito que fulmine, de imediato, a ação penal instaurada, se a conduta não é típica, não há prova da existência do crime ou indícios da autoria, situações não encontradas na hipótese. Muitos são os precedentes desta Corte: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS . ARTIGO 342, DO CP. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. FALTA DE JUSTA CAUSA. INOCORRÊNCIA. I - O trancamento de ação por falta de justa causa, na via estreita do writ, somente é viável desde que se comprove, de plano, a atipicidade da conduta, a incidência de causa de extinção da punibilidade ou ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito, hipóteses não ocorrentes na espécie (Precedentes). II – No caso em tela, os fatos narrados na denúncia, respaldados em indícios de autoria e materialidade, levam, em tese, a indicativos de eventual crime de falso testemunho. Writ denegado. (HC 75875. Rel. Ministro Felix Fischer. DJ 10.09.2007, p. 272). HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. CRIME DE APROPRIAÇÃO INDÉBITA. PEDIDO DE TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. DENÚNCIA QUE, ALÉM DE ATENDER AO DISPOSTO NO ART. 41, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, ENCONTRA-SE EMBASADA EM AMPLO CONJUNTO PROBATÓRIO QUE, AO MENOS, EM JUÍZO DE COGNIÇÃO SUMÁRIA, CONSTITUI-SE EM INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA. TESE DE ATIPICIDADE POR AUSÊNCIA DE DOLO ESPECÍFICO. IMPOSSIBILIDADE. DILAÇÃO PROBATÓRIA. PRECEDENTES DO STJ. 1. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa é uma medida excepcional, somente cabível em situações, nas quais, de plano, seja perceptível o constrangimento ilegal. Na hipótese, a denúncia, munida de indícios suficientes de autoria e de materialidade delitiva, descreve fato que, em tese, configura o crime de apropriação indébita. 2. A exordial acusatória, no caso, além de ter satisfatoriamente descrito a figura típica atribuída ao paciente, nos termos do art. 41, do Código de Processo Penal, embasou a imputação em amplo conjunto probatório - qual seja: o reconhecimento formal da dívida pelo paciente, a confissão extrajudicial do agente de que se apropriou dos valores levantados judicialmente na ação alimentícia de sua cliente e nos cheques emitidos pelo acusado no intuito de reparar o dano. 3. Não há, portanto, como atribuir à denúncia o título de inepta por falta de justa causa, porquanto a peça acusatória se amparou em várias provas extrajudiciais que, ao menos, em juízo de cognição sumária, demonstram a existência de indícios suficientes de autoria e materialidade delitiva. 4. A aferição de dolo específico na conduta do paciente, por demandar ampla dilação probatória, não pode ser feita na estreita via do habeas corpus . 5. Ordem denegada. (HC 50477. Rel. Ministra Laurita Vaz. DJ 06.08.2007, p.557). CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INEXISTÊNCIA DE DESCRIÇÃO MÍNIMA DAS ELEMENTARES DOS CRIMES. OFENSA AO ART. 41 DO CPP. NÃO OCORRÊNCIA. NOME COMPLETO DAS VÍTIMAS NÃO EXPLICITADO. IRRELEVÂNCIA. CERCEAMENTO DE DEFESA NÃO DEMONSTRADO. ILEGALIDADE DE PROVA COLHIDA NO INQUÉRITO POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE QUEBRA DE SIGILO TELEFÔNICO. INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA. CONVERSAS ENTRE OS RÉUS E SEUS DEFENSORES. INTERCEPTAÇÃO NOS TELEFONES DOS INVESTIGADOS. FILTRAGEM QUE NÃO DEVE SER FEITA PELA AUTORIDADE POLICIAL. AFRONTA AO ESTATUTO DO ADVOGADO NÃO CONFIGURADA. DOCUMENTOS QUE PODEM SER DESCARTADOS PELO JUÍZO. SENTENÇA NÃO PROFERIDA. ORDEM DENEGADA. I . Eventual inépcia da denúncia só pode ser acolhida quando demonstrada inequívoca deficiência a impedir a compreensão da acusação, em flagrante prejuízo à defesa dos acusados, ou na ocorrência de qualquer das falhas apontadas no art. 43 do CPP – o que não se vislumbra no presente caso. II . Se o órgão de acusação descreveu minuciosamente os fatos praticados pelo co-réu, esclarecendo que os pacientes, juntamente com os outros dois denunciados, seriam os mandantes da prática delitiva, demonstrando por meio de provas testemunhais os motivos do delito, bem como a ligação destes com o contratado para efetuar os disparos fatais, resta evidenciada a existência de elementos suficientes a embasar a acusação, não havendo que se falar em ofensa ao art. 41 do CPP. III .O fato de os nomes das vítimas de outros homicídios citados na exordial não terem sido apresentados de forma completa não prejudica a defesa dos acusados, pois, além de se tratarem de delitos praticados em pequeno município, onde a comunidade tem conhecimento generalizado dos fatos que ali acontecem, a supressão destes dados não impede a associação da narrativa com a realidade fática. IV. Existindo vinculação mínima entre os fatos da denúncia e a conduta dos pacientes, mesmo que a autoria não se mostre claramente comprovada, a fumaça do bom direito deve ser abrandada, dentro do contexto fático de que dispõe o Ministério Público no limiar da ação penal, não sendo indispensável à descrição pormenorizada da conduta de cada agente. V. O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. VI. É dever da Autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada. VII. Se o Magistrado singular, ao determinar a escuta telefônica, o fez em relação às pessoas investigadas, explicitando os números dos telefones, não cabe à Autoridade policial fazer qualquer tipo de “filtragem“. VIII .Mesmo que em algumas interceptações os investigados tenham recebido e feito ligações para os seus defensores, estas foram gravadas e transcritas de maneira automática, do mesmo modo como ocorreu com as demais conversas efetivadas através dos celulares dos pacientes. IX. Cabe ao Juiz, quando da sentença, avaliar os diálogos que serão usados como prova, podendo determinar a destruição de parte do documento, se assim achar conveniente, no momento da prolação da sentença. X. Ordem denegada. (HC 66368. Rel. Ministro Gilson Dipp. DJ 29.06.2007, p. 673). A conduta descrita é típica, a denúncia contém os requisitos legais e não se encontra, de plano, qualquer defeito na peça acusatória ou no processo que enseje a declaração de nulidade pretendida. Também não se vê a alegada atipicidade, descrevendo a peça acusatória delitos em tese, sem a presença de qualquer causa extintiva da punibilidade ou ausência de prova da existência do crime, além de se mostrarem presentes indiscutíveis indícios da autoria, sendo evidente a ampla possibilidade de defesa. Assim, especificamente em relação ao crime de falsidade ideológica, em que a defesa ataca diretamente prova carreada nestes autos, observa-se, na denúncia, que a acusação não se valeu única e exclusivamente do laudo técnico, posto que, entre outras, há informações quanto ao provável emprego de menores e servidores da Prefeitura Municipal de São Manuel/SP para a feitura das anotações empregatícias. Mais uma vez, demonstra-se que a peça acusatória não é inepta. Não obstante seja dever do órgão acusador, ao ofertar a exordial, desde que possível, precisar individualizadamente a conduta de cada um dos denunciados, nem sempre isso se torna possível, principalmente quando todos os fatos narrados foram supostamente praticados por todos os envolvidos, que teriam se associado para praticar os delitos contidos na denúncia. Guilherme Souza Nucci, in Código de Processo Penal Comentado, 3.ed., 2004, p. 141, assim ensina: Tem-se admitido ofereça o promotor uma denúncia genérica, em relação aos co-autores e partícipes, quando não se conseguir, por absoluta impossibilidade, identificar claramente a conduta de cada um no cometimento da infração penal. Entretanto, não obstante o entendimento doutrinário e jurisprudencial lembrado pelo consagrado autor, não se pode confundir a denúncia genérica com a geral, consoante o ensinamento de Eugênio Pacelli de Oliveira, in Curso de Processo Penal, 3a. ed., 3a. tir., 2004, p. 159, ao examinar os crimes societários, estendendo-se o seu raciocínio à hipótese dos autos, ainda que se trate de crime diverso daquele que ele examina. Na genérica, em que pode ser descrita a conduta de cada um dos envolvidos na empreitada criminosa, mas não o faz o acusador, limitando-se a enfeixar na descrição dos fatos uma única conduta, atribuindo-a a todos os denunciados, temos, sem qualquer dúvida, uma denúncia inepta, pois dificulta a atividade defensiva dos réus, ferindo o constitucional princípio da ampla defesa. Entretanto, nem sempre é possível separar a contribuição de cada um dos envolvidos para a prática criminosa, tornando-se impossível a correta delimitação das suas condutas, casos em que o acusador é obrigado a atribuir a todos os envolvidos uma única conduta, desde que entenda presente o acordo de vontades voltado para o mesmo fim, e, nesta hipótese, temos uma denúncia geral, que não impede a ampla defesa, pois aos réus foi atribuído um único fato, em cada um dos delitos, e de todas as acusações podem eles se defender com amplitude (artigos 5º, LV da Constituição da República e 8º, alínea 2, “b“ e “c“ do Pacto de São José da Costa Rica, vigente no ordenamento pátrio desde a edição do Decreto 678/1992). No caso que se examina, temos uma denúncia geral e não uma acusação genérica, pois não era possível delimitar-se precisamente a conduta de cada um dos dois acusados, já que, aparentemente, ambos estiveram voltados para o suposto resultado ilícito. Assim, podem se defender amplamente dos fatos que lhes foram atribuídos, de forma geral e não genérica, não tendo ocorrido qualquer nulidade que contaminasse o processo, já que a norma estabelecida no artigo 41 do Código de Processo Penal foi devidamente respeitada. Finalmente, no que diz respeito à alegada responsabilização penal objetiva, entendo que não é esta a hipótese dos autos, pois o Paciente não está sendo questionado quanto aos seus deveres profissionais como advogado. Na verdade, a defesa pretende discutir a questão do ponto de vista fático-probatório, inviável nos estreitos limites do habeas corpus . Portanto, não vejo qualquer constrangimento ilegal à liberdade de locomoção do Paciente, porquanto, conforme se demonstrou, a peça inicial não é inepta, contendo todos os elementos necessários à defesa, o que já fora analisado, com propriedade, pelo Tribunal apontado como coator. Nem a denúncia, nem o acórdão apresentam qualquer nulidade, sendo convincentes os argumentos ali esposados para manter o recebimento da peça acusatória. Posto isto, nego provimento ao recurso, mantendo a decisão hostilizada por seus próprios e jurídicos fundamentos.
EMENTA - RHC. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL. FALSIDADE IDEOLÓGICA. USO DE DOCUMENTO FALSO. TIPICIDADE. IMPOSSIBILIDADE DE APROFUNDAMENTO DA PROVA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. DEVER PROFISSIONAL DO ADVOGADO. RESPONSABILIDADE PENAL OBJETIVA. INOCORRÊNCIA. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. É geral, e não genérica, a denúncia que atribui a mesma conduta a todos os denunciados, desde que seja impossível a delimitação dos atos praticados pelos envolvidos, isoladamente, e haja indícios de acordo de vontades para o mesmo fim. 2- O trancamento de uma ação penal exige que a ausência de justa causa, a atipicidade da conduta ou uma causa extintiva da punibilidade estejam evidentes, independente de investigação probatória, incompatível com a estreita via do habeas corpus . 3- Se a denúncia descreve condutas típicas, presumidamente atribuídas ao réu, contendo elementos que lhe proporcionem ampla defesa, a ação penal deve prosseguir. 3-A estreita via do presente remédio legal é incompatível com o aprofundamento na prova, assim como não comporta dilação probatória. 2 Não há que se falar em responsabilidade penal objetiva quando a denúncia não imputa ao acusado a prática de infração que possuía o dever legal de prevenir. 4- Negado provimento.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUINTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Os Srs. Ministros Felix Fischer, Laurita Vaz, Arnaldo Esteves Lima e Napoleão Nunes Maia Filho votaram com a Sra. Ministra Relatora. Brasília (DF), 11 de dezembro de 2007.(data do julgamento)