Depositário infiel. Encargo assumido pelo paciente. Bem alienado penhorado não apresentado em juízo após a determinação. Infidelidade caracterizada. Pretendido reconhecimento da impossibilidade do decreto de prisão civil. Recurso improvido.
Rel. Min. Hélio Quaglia Barbosa
RELATÓRIO - EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA(Relator): Cuida-se de recurso ordinário em habeas corpus, interposto Geralmir Eustáquio de Andrade, com o objetivo de reformar v. acórdão oriundo do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, com fundamentos vazados na seguinte ementa: “HABEAS CORPUS – DEPOSITÁRIO INFIEL – ALIENAÇÃO DO BEM DEPOSITADO – PRISÃO CIVIL – POSSIBILIDADE. – Se o paciente não observou o ônus de depositário que lhe foi imposto, alienando o bem depositado, não há óbice à decretação de sua prisão, já que a Constituição da República, em seu art. 5º, LXVII, prevê a possibilidade da restrição do direito de liberdade ao depositário infiel“(fl. 44). Observa-se dos autos que o pedido de liminar em habeas corpus, que deu azo ao presente recurso, adveio de decisão proferida nos autos de oposição apresentada por Abiderlam José Nogueira. Denota-se, também, que o bem, do qual o paciente fora nomeado depositário, lhe foi devolvido, tendo em vista o deferimento de medida cautelar de busca e apreensão ajuizada contra Comercial de Veículos Autonível Ltda. Colhe-se do acórdão recorrido a afirmação do paciente no sentido de que “de acordo com decisão proferida pelo MM. Juiz de primeira instância (fl. 11-TJ), a cautelar em questão teve seu rito convertido para ordinário, em função do efeito satisfativo conferido ao procedimento, quando do cumprimento da busca e apreensão do veículo de sua propriedade“ (fl. 45). Em outro passo, relata a Corte de origem que o paciente pontificou que “em virtude da restituição de bem de sua propriedade, não pode ser considerado depositário infiel, já que o caráter satisfativo da medida cautelar, subjetivamente o autorizava a alienar o referido veículo, o que o fez, em decorrência de sua necessidade financeira“ (fls. 45/46). Agrega-se, portanto, ao relato reproduzido que a ordem foi denegada, de maneira a ensejar o recurso ordinário em exame. Em suas razões recursais, repisa o ora recorrente nos argumentos apresentados na instância ordinária e assegura que em vista do caráter satisfativo da sobredita medida cautelar “outro caminho não interessava ao recorrente senão alienar o veículo, pois tinha prementes necessidades financeira“ (fl. 71). Nessa ordem de idéias, pugna pelo acolhimento do pleito recursal e, por conseguinte, para que seja expedido o correspectivo salvo conduto. O Ministério Público Federal e Estadual, em seus pareceres, manifestam-se pelo improvimento do recurso. É o relatório.
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO HÉLIO QUAGLIA BARBOSA(Relator): 1. Segundo se verifica dos autos, a figura da infidelidade do paciente se mostra extreme de dúvidas, ainda mais no bojo dos autos em que ele próprio reconhece ter vendido o bem que estava sob sua guarda por meio de ordem judicial. A propósito, convém realçar que a Corte Estadual, pelo voto condutor do Senhor Desembargador Relator, ao examinar o remédio constitucional garantidor da liberdade do paciente, pontificou que: “Lado outro, por ocasião do julgamento do Habeas Corpus n. 1.0000.06.445885-4/000, em que fui relator, impetrado pelo mesmo paciente e que se refere à busca e apreensão que ensejou a oposição de que trata os presentes autos, com a diferença que, à época, havia apenas a determinação da autoridade judicial para a entrega do bem depositado, pude verificar que a cautelar já fora sentenciada em desfavor do impetrante, fato esse omitido no presente writ, ...“(fl. 51). Verifica-se que essa afirmação não foi refutada por ocasião do recurso, de modo que se apresenta incontroverso. Nessa seara, aflora do acórdão recorrido, também, que “com a conseqüente revogação da liminar de busca e apreensão, a prisão civil decretada apresenta-se perfeitamente legal“ (fl. 52). Reitere-se que conquanto faltos os autos de cópia da sentença referida pelo Tribunal do Estado de Minas Gerais, o fundamento adotado não foi refutado pelo ora recorrente, de maneira que, à luz dessas considerações, não se visualiza qualquer ilegalidade no decreto prisional se o depositário, assumindo esse munus, deixa de apresentar justificativa razoável para descaracterizar sua infidelidade. 2. Colocada a questão nestes termos, carece de pertinência jurídica crer na impossibilidade da decretação de prisão civil de depositário que assume o encargo e é tido infiel, pois é cediço que essa determinação encontra amparo no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição da República, com vista a compelir aquele que assumiu o munus a cumprir fielmente a obrigação assumida com o Juízo, previsão que também encontra eco no novel Código Civil Brasileiro, notadamente no artigo 652. Aliás, em harmonia com esse entendimento, permita-se trazer à balha o seguinte precedente deste Sodalício: “CONSTITUCIONAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PRISÃO CIVIL. DEPOSITÁRIO INFIEL. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. PREVALÊNCIA DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1. A prisão civil do depositário infiel, por tempo não superior a um ano, encontra amparo no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição da República, com vista a compelir o depositário infiel a cumprir sua obrigação, previsão que também resta contemplada no novel Código Civil Brasileiro (artigo 652, C. Civil). 2. É assente no Supremo Tribunal Federal que a ratificação pelo Brasil, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos e do Pacto de São José da Costa Rica, não revogou a possibilidade de se decretar a prisão civil do depositário infiel (RE 345345, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 11/04/2003;RE 344585, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13/09/2002).3. A prisão do depositário infiel, conforme jurisprudência compendiada na Súmula n.º 619 do Supremo Tribunal Federal, “pode ser decretada no próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente da propositura de ação de depósito“. 4. In casu, a probabilidade de decretação da prisão decorre do não cumprimento, pelo depositário judicial, da determinação constante de mandado de intimação, para que apresentasse os bens penhorados que se encontravam sob sua guarda. 5. Regularmente constituída a penhora e aceito o encargo de depositário pelo paciente, sem que nenhum fato posterior possa excusar-lhe a responsabilidade, correta a decretação da prisão pelo descumprimento da obrigação de apresentar os bens ou o valor equivalente em dinheiro. 6. Deveras, ainda que utilizados os bens penhorados e na impossibilidade da sua reposição, cumpre ao depositário - in casu sócio da empresa executada - substituí-los por equivalente em dinheiro (CPC, art. 902, I). Não o fazendo, sujeita-se à prisão por infidelidade ao depósito, nos termos do art. 904, parágrafo único, do CPC, não o eximindo da obrigação a formulação, junto ao Fisco, de pedido de compensação de débitos fiscais com precatórios adquiridos após a homologação da arrematação judicial. 7. Recurso Ordinário desprovido“ (RHC nº 19.766-PR, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 13/11/2006). Na mesma linha de pensar o Excelso Pretório também se posicionou: “HABEAS CORPUS - DEPOSITARIO JUDICIAL – INFIDELIDADE DEPOSITARIA - PRISÃO CIVIL - LEGITIMIDADE - SÚMULA 619/STF - PEDIDO INDEFERIDO. - O depositário judicial de bens penhorados, que e responsável por sua guarda e conservação, tem o dever ético-jurídico de restitui-los, sempre que assim for determinado pelo juízo da execução. – O desvio patrimonial dos bens penhorados, quando praticado pelo depositário judicial ex voluntate propria e sem autorização previa do juízo da execução, caracteriza a situação configuradora de infidelidade depositaria, apta a ensejar, por si mesma, a possibilidade de decretação, no âmbito do processo executório, da prisão civil desse órgão auxiliar do juízo, independentemente da propositura da ação de deposito. - A prisão civil, embora medida privativa da liberdade de locomoção física do depositário infiel, não tem conotação penal, pois a sua única finalidade consiste em compelir o devedor a satisfazer obrigação que somente a ele compete executar. O instituto da prisão civil – por revestir-se de finalidade jurídica especifica - não ostenta o caráter de pena, eis que a sua imposição não pressupoe, necessariamente, a pratica de ilícito penal. Precedentes. - E impertinente a invocação, tratando-se de prisão civil, do princípio constitucional que consagra, no processo penal de condenação, a presunção juris tantum de não-culpabilidade dos acusados. - A prisão civil do depositário judicial, que e decretada no processo de execução, reveste-se de legitimidade plena, quando se enseja aquele que a sofre a possibilidade de justificar o desvio dos bens penhorados ou de contestar as alegações de infidelidade depositaria“ (HC nº 71.038, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 15/3/94). Nessa ordem de idéias, verificado que o paciente assumiu o encargo de depositário dos bens penhorados, resta afastada a pretensa ilegalidade no eventual decreto de prisão civil. Pelo que precede, nego provimento ao recurso ordinário. É como voto. 3. Pelo que precede, nego provimento ao recurso. É como voto.
EMENTA - RECURSO ORDINÁRIO - HABEAS CORPUS - DEPOSITÁRIO INFIEL - ENCARGO ASSUMIDO PELO PACIENTE - BEM ALIENADO PENHORADO NÃO APRESENTADO EM JUÍZO, APÓS A DETERMINAÇÃO - INFIDELIDADE CARACTERIZADA - PRETENDIDO RECONHECIMENTO DA IMPOSSIBILIDADE DO DECRETO DE PRISÃO CIVIL - RECURSO ORDINÁRIO IMPROVIDO. - A figura da infidelidade do paciente se mostra extreme de dúvidas, ainda mais no bojo dos autos em que ele próprio reconhece ter vendido o bem que estava sob sua guarda por meio de ordem judicial. - Carece de pertinência jurídica crer na impossibilidade da decretação de prisão civil de depositário que assume o encargo e é tido infiel, pois é cediço que essa determinação encontra amparo no artigo 5º, inciso LXVII, da Constituição da República, com vista a compelir aquele que assumiu o munus a cumprir fielmente a obrigação assumida com o Juízo, previsão que também encontra eco no novel Código Civil Brasileiro, notadamente no artigo 652. Precedentes do STF e do STJ. - Recurso ordinário improvido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da QUARTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas, por unanimidade, em negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Os Srs. Ministros Massami Uyeda, Fernando Gonçalves, Aldir Passarinho Junior e João Otávio de Noronha votaram com o Sr. Ministro Relator. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa. Brasília (DF), 18 de dezembro de 2007.