Furto. Princípio da insignificância. Atipicidade material. Inocorrência. Periculosidade social da ação e reprovabilidade do comportamento do agente.
Rel. Min. Hamilton Carvalhido
RELATÓRIO - EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator): Recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a“ e “c“, da Constituição Federal, contra acórdão da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, dando provimento ao apelo de Cassiano da Costa Vieira, o absolveu, em obséquio do princípio da insignificância, no processo da ação penal em que havia sido condenado às penas de 1 ano e 2 meses de reclusão e 40 dias-multa, pela prática do delito tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal. Além da divergência jurisprudencial, a insurgência especial está fundada na violação do artigo 155, caput, do Código Penal, cujos termos são os seguintes: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa. “ E teria sido violado porque “(...) a Colenda Quinta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça, absolvendo o réu com fundamento nos princípio da insignificância, subsidiariedade e da intervenção mínima, contrariou o disposto no artigo 155, caput, do Código Penal, porquanto se distanciou da finalidade que lhe inspirou o advento, ou seja, negou a proteção dispensada pela norma legal às vítimas de furto e, mormente, foi de encontro a almejada estabilidade social que se espera seja patrocinada pelo Direito“ (fl. 166). Sustenta o Parquet Estadual, ainda, que “(...) na hipótese, considerado o relato do acórdão, o agente não só furtou a carteira da vítima, subtraindo os valores pecuniários que se encontravam dentro da carteira, como, motivado por oferta de recompensa, acabou devolvendo parte da res furtiva, sob alegação de as ter encontrado, somente desistindo da aludida recompensa quando indagado acerca da procedência dos bens supostamente achados (fl. 153). Verifica-se, com isso, a índole do réu dirigida à delinqüência, cuja Quinta Câmara do Tribunal de Justiça gaúcho, ignorando a condição de vítima, a condição subjetiva do agente, e o aspecto social, sob a perspectiva da sua estabilidade, entendeu insignificante, não justificadora da intervenção do direito penal“ (fl. 167). Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, “(...) para que seja o réu condenado às sanções do artigo 155, caput, do Código Penal“ (fl. 161). Recurso tempestivo (fl. 161), respondido (fls. 176/186) e inadmitido na origem (fls. 188/189). Agravo de instrumento provido (fl. 194). Em contra-razões recursais, alega o recorrido a ausência de prequestionamento do dispositivo de lei federal tido como violado, bem como a a não demonstração e comprovação do dissenso pretoriano. O Ministério Público Federal veio pelo provimento do recurso, em parecer assim ementado: “RECURSO ESPECIAL. PENAL. DISSÍDIO JURISPRUDENCIAL NÃO DEMONSTRADO. CONHECIMENTO PELA ALÍNEA 'A'. FURTO. PRINCÍPIO DA BAGATELA. REQUISITOS. INEXISTÊNCIA DE LESÃO A BEM JURÍDICO TUTELADO. DESPROVIMENTO. - A divergência jurisprudencial, apta a satisfazer o preceito constitucional, deve ser demonstrada pela juntada da certidão de repositório oficial, autorizado ou credenciado, da jurisprudência que o publicou. É insuficiente a transcrição de ementas ou excerto de votos proferidos em acórdãos (art. 255, §§ 1º e 2º do RISTJ). - Para que haja a correta adequação do fato da vida ao tipo previsto na norma incriminadora, é essencial, além da subsunção formal ao tipo, que haja material violação ao bem jurídico protegido. - O Direito Penal, ultima ratio essendi, deve se reservar aos casos mais graves, não se aplicando às hipóteses que sejam insignificantes em todos os seus elementos constitutivos (desvalor do evento, grau de ofensividade da conduta e violação a bem jurídico tutelado). - Pelo parcial conhecimento e, nesta parte, desprovimento do recurso.“ (fl. 204). É o relatório.
VOTO - EXMO. SR. MINISTRO HAMILTON CARVALHIDO (Relator): Senhor Presidente, recurso especial interposto pelo Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul, com fundamento no artigo 105, inciso III, alíneas “a“ e “c“, da Constituição Federal, contra acórdão da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que, dando provimento ao apelo de Cassiano da Costa Vieira, o absolveu, em obséquio do princípio da insignificância, no processo da ação penal em que havia sido condenado às penas de 1 ano e 2 meses de reclusão e 40 dias-multa, pela prática do delito tipificado no artigo 155, caput, do Código Penal. Além da divergência jurisprudencial, a insurgência especial está fundada na violação do artigo 155, caput, do Código Penal, cujos termos são os seguintes: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão de um a quatro anos, e multa. “ E teria sido violado porque “(...) a Colenda Quinta Câmara Criminal do Egrégio Tribunal de Justiça, absolvendo o réu com fundamento nos princípio da insignificância, subsidiariedade e da intervenção mínima, contrariou o disposto no artigo 155, caput, do Código Penal, porquanto se distanciou da finalidade que lhe inspirou o advento, ou seja, negou a proteção dispensada pela norma legal às vítimas de furto e, mormente, foi de encontro a almejada estabilidade social que se espera seja patrocinada pelo Direito“ (fl. 166). Sustenta o Parquet Estadual, ainda, que “(...) na hipótese, considerado o relato do acórdão, o agente não só furtou a carteira da vítima, subtraindo os valores pecuniários que se encontravam dentro da carteira, como, motivado por oferta de recompensa, acabou devolvendo parte da res furtiva, sob alegação de as ter encontrado, somente desistindo da aludida recompensa quando indagado acerca da procedência dos bens supostamente achados (fl. 153). Verifica-se, com isso, a índole do réu dirigida à delinqüência, cuja Quinta Câmara do Tribunal de Justiça gaúcho, ignorando a condição de vítima, a condição subjetiva do agente, e o aspecto social, sob a perspectiva da sua estabilidade, entendeu insignificante, não justificadora da intervenção do direito penal“ (fl. 167). Pugna, ao final, pelo provimento do recurso, “(...) para que seja o réu condenado às sanções do artigo 155, caput, do Código Penal“ (fl. 161). De início, conheço do recurso, por devidamente prequestionada a matéria federal suscitada, porque se constituiu em tema do acórdão impugnado, e devidamente comprovado e demonstrado o dissídio jurisprudencial. Posto isso, é esta a letra do acórdão recorrido, verbis : “(...) Vênia da colega singular, o recurso está apto a vingar nos exatos termos do bem lançado parecer do douto Procurador de Justiça, Lenio Luiz Streck: “O apelo defensivo merece prosperar, devendo o réu ser absolvido. Com efeito, em que pese inquestionáveis a autoria e a materialidade delitivas, há uma questão prejudicial: a tipicidade (material). Explico: a vítima Ciro dos Santos de Melo, em juízo (fl. 46/47), não soube esclarecer se a quantia que havia na carteira - além dos documentos, devidamente restituídos era a de R$ 8,00 ou R$ 10,00, conforme referiu em um primeiro momento, ou ainda a de R$ 80,00, segundo consta na comunicação de ocorrência (fl. 07). Ora, é difícil acreditar que, no caso concreto, a vítima tenha se esquecido a quantia que lhe foi subtraída, mormente após toda sua mobilização - ocasião em que foi, inclusive, oferecida recompensa - para reaver a carteira e os documentos. Desse modo, em face do clássico princípio in dubio pro reo, tenho que o valor - declarado em juízo - não restituído à vítima mostra-se insignificante, sendo a conduta praticada pelo apelante irrelevante na esfera criminal. No Estado Democrático de Direito, as baterias do Direito Penal, com base no princípio da subsidiariedade e da intervenção mínima, devem ser apontadas para os delitos que, de fato, colocam em xeque os objetivos e propósitos da República, devidamente delineados na Constituição (sonegação de impostos, crime organizado, corrupção, etc.). Dito e outro modo, só há crime se a ação praticada ofende bens juridicamente relevantes, sob pena da própria banalização do Direito Penal. Condutas sem relevância social - como a do caso sub judice - não ensejam a intervenção do aparato repressivo. Pela absolvição, portanto.“ Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso defensivo para absolver CASSIANO DA COSTA VIEIRA da imputação com fundamento no artigo 386, III, do Código de Processo Penal. “ (fls. 154/155). O Direito Penal, como na lição de Francisco de Assis Toledo, “(...) por sua natureza fragmentária, só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas. “ (in Princípios Básicos de Direito Penal, Ed. Saraiva, pág. 133). A incidência, contudo, do princípio da insignificância, na voz do eminente Ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, tem como vetores a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada (HC nº 84.412/SP, in DJ 19/11/2004). A propósito, as elucidativas palavras do Ministro Felix Fischer, no REsp nº 470.978/MG, in DJ 30/6/2003, verbis : “(...) Se, por um lado, na hodierna dogmática jurídico-penal, não se pode negar a relevância do princípio enfocado, por outro, ele não pode ser manejado de forma a incentivar condutas atentatórias que, toleradas pelo Estado, seriam uma maneira de afetar seriamente a possibilidade de uma proveitosa vida coletiva (conforme terminologia de Wessels ). De qualquer modo, impõe-se, aí, recordar C. Roxin (in “Derecho Penal“, PG, Tomo I, trad. esp., Civitas, 1997, p. 297), in verbis: “Por consiguiente, la solución correcta se produce en cada caso mediante una interpretación restrictiva orientada hacia el bien jurídico protegido . Dicho procedimiento es preferible a la invocación indiferenciada a la adecuación social de esas acciones, pues evita el peligro de tomar decisiones siguiendo el mero sentimiento jurídico o incluso de declarar atípicos abusos generalmente extendidos . Además, sólo una interpretación extrictamente referida al bien jurídico y que atienda al respectivo tipo (clase) de injusto deja claro por qué una parte de las acciones insignificantes son atípicas y a menudo están ya excluidas por el proprio tenor legal, pero en cambio otra parte, como v.gr. los hurtos bagatela , encajan indudablemente en el tipo: la propriedad y la posesión también se ven ya vulneradas por el hurto de objetos insignificantes , mientras que en otros casos el bien jurídico sólo es menoscabado si se da una cierta intensidad de la afectación .“ Como referencial, na doutrina, é de se lembrar a exemplificação, acerca do tema, feita por E. R. Zaffaroni (in “Derecho Penal“, PG, c/ A. Alagia & A. Slokar , Ediar, 2000, p. 472), a saber: “no es racional que arrancar un cabello sea una lesión, apoderarse de uma cerilla ajena para encender el cigarrillo sea un hurto, llevar um pasajero hasta la parada siguiente a cien metros sea una privación de libertad, los presentes de uso a funcionarios constituyan uma dádiva, etc. En casi todos los tipos en que los bienes jurídicos admitan lesiones graduables, es posible concebir actos que sean insignificantes.“ Nesta mesma linha, Juarez Cirino dos Santos (in “A Moderna Teoria do Fato Punível“ 2ª ed., Freitas Bastos, p. 37). Está claro, de pronto, para evitar temerária e inaceitável incerteza denotativa, que a aplicação do princípio da insignificância deve sempre ser feita através de interpretação referida ao bem jurídico (e não mera tabela de valores ), atendendo ao tipo de injusto . Não se deve, no entanto, atingir deliberada e gravemente a segurança jurídica (cf. preocupação revelada por L. Régis Prado in “Curso de Direito Penal Brasileiro“, vol. I, RT, 3ª ed., p. 124). E não é só! Ainda que se reconheça - como, de fato, creio ser certo - a sua observância mesmo nos casos de delitos privilegiados e nas infrações de menor potencial lesivo, não como forma de julgar contra legem, mas, isto sim, de reconhecer que abaixo de certo patamar de desvalor , em grau, aí, ínfimo (ninharia ), até a figura típica derivada pode não incidir. Ainda assim, repito, o manejo desta causa de atipia conglobante não deve contrastar, frontalmente, com outros princípios, v.g., como o da razoabilidade . Primeiro , vale dizer, inclusive por óbvio, que o princípio da insignificância não pode ter a finalidade de afrontar critérios axiológicos elementares . Asseverar-se que devem ser penalmente toleradas subtrações de objetos não essenciais (de pequeno, porém, não ínfimo , valor) por pessoas, comparativamente (considerando-se a nossa realidade ), de classe privilegiada, tomando-se como referencial um - no feito - questionável desvalor de resultado medido circunstancialmente pelo julgador, data venia, é de difícil aceitação em qualquer grau de conhecimento, dado a manifesto desvio, aí, da finalidade das normas penais. Não se pode confundir eventual reduzido juízo de censura penal (v.g. tipo privilegiado ) com aceitação ou tolerância do que, primo ictu oculi, não pode ser aceito ou tolerado. Se, aliás, o descrito na imputatio facti devesse, ex hypothesis , merecer aprovação (pela via da adequação social) ou tolerância da coletividade pela suposta mínima gravidade (pela via da insignificância ), a prática de furtos de pequenos objetos em supermercados teria que ser considerada, mormente para integrantes das classes privilegiadas, como uma espécie de ... hobby (o furto seria penalmente típico, por assim dizer, conforme a “perigosidade social“ decorrente da classe social a que pertencesse o agente ...). Tudo isto, tornando o prejuízo, mesmo reiterado , obrigatoriamente, suportável pelo sujeito passivo, porquanto, pela sistemática legal em vigor, inexiste (afora o art. 155 do CP), em casos tais, proteção jurídica viável (ou, até, teoricamente pertinente) contra tal agir. Vale, todavia, destacar que não se deve, evidentemente , confundir esta situação com aquela em que se discute a possível configuração de justificativa, ex vi, v.g., art. 24 do Código Penal. Tem mais! É, lamentavelmente, inolvidável que os pobres e até os que se encontram em situação de miséria, não poucas vezes, são, por igual, vítimas de furtos. Se já não bastasse o referencial estranho para pequeno valor (considerado um salário-mínimo, ou seja, tudo o que, normalmente, um pobre tem, para efeito do § 2º do art. 155 do CP), o princípio da insignificância, sob ótica elitista, levaria uma grande parte da população a ficar sem proteção penal no que se refere aos furtos (decerto, deveriam, então, reclamar nos juizados cíveis ...). Segundo , volto a sublinhar, mesmo reconhecendo a possibilidade da aplicação do princípio nas figuras privilegiadas , entendo que é de se distinguir entre ínfimo (desprezível ) e pequeno valor. Este, ensejando, eventualmente, o furto privilegiado (art. 155 § 2º do CP), aquele , a atipia conglobante . Esta distinção não pode ser ignorada. Há previsão legal (§ 2º) que deve ser observada, sob pena de julgamento contra legem. O princípio da insignificância, via elastério exagerado, poderia, erroneamente, ser utilizado como hipótese supra-legal de perdão judicial calcado em exegese ideologicamente classista ou, então, emocional. Sob outro prisma, a resposta penal, no furto privilegiado (§ 2º do art. 155 do CP), conforme o caso, pode reduzir-se, tão só, à simples multa, o que é algo similar ou paralelo ao que Justus Krümpelmann (“Die Bagatelldelikte“) denomina de solução administrativa para a questão penal. (...)“ Outro não é o entendimento adotado pela Egrégia Sexta Turma deste Superior Tribunal de Justiça, como se verifica na letra do voto proferido no RHC nº 16.425, de relatoria do Exmo. Sr. Ministro Hélio Quaglia Barbosa, litteris : “(...) a missão do Direito Penal moderno consiste em tutelar os bens jurídicos mais relevantes. Em decorrência disso, a intervenção penal deve ter o caráter fragmentário, protegendo apenas os bens jurídicos mais importantes e em caso de lesões de maior gravidade. Ora, para que se faça incidir o princípio da insignificância é necessário uma “avaliação dos índices de desvalor da ação e desvalor do resultado da conduta realizada, para se aferir o grau quantitativo-qualitativo de sua lesividade em relação ao bem jurídico atacado“ (SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da Insignificância no Direito Penal. Juruá. 2004. p. 150). Claus Roxin, a quem se atribui a formulação do princípio, afirma que sua aplicação permite excluir, logo de plano, “lesões de bagatela da maioria dos tipos“ e que, juntamente com o princípio da adequação social (que para Hans Welzel traduz-se em condutas que, se não necessariamente exemplares, se mantêm dentro dos limites da liberdade de atuação social), atuam no sentido de se proceder a uma correta e restritiva interpretação dos tipos penais, realizando “a 'natureza fragmentária' do direito penal“ e mantendo íntegro “o campo de punibilidade indispensável para a proteção do bem jurídico“ (ROXIN, Claus, Política Criminal e Sistema Jurídico-Penal. Tradução Luís Greco. Rio de Janeiro: Renovar, 2000, p. 47). 4. Nesta Corte Superior de Justiça também se reconhece a necessidade de correção de eventuais exageros na estrita observância da tipicidade legal. (...) O em. Ministro Celso de Mello, em recente decisão (Informativo de Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal n.º 354), delimitou os requisitos necessários à aplicação do princípio da insignificância, cujas lições peço venia para reproduzir: “O princípio da insignificância - que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal. Isso significa, pois, que o sistema jurídico há de considerar a relevantíssima circunstância de que a privação da liberdade e a restrição de direitos do indivíduo somente se justificarão quando estritamente necessárias à própria proteção das pessoas, da sociedade e de outros bens jurídicos que lhes sejam essenciais, notadamente naqueles casos em que os valores penalmente tutelados se exponham a dano, efetivo ou potencial, impregnado de significativa lesividade.“ (HC 84.412, STF, Rel. Min. CELSO DE MELLO, decisão publicada no DJU de 2/8/2004) (...)“ Confiram-se, ainda, os seguintes precedentes, de ambas as Turmas com competência criminal neste Tribunal: “HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO EM SUPERMERCADO. OBJETO DE PEQUENO VALOR (TRÊS LATAS DE CERA AVALIADAS EM R$ 31,98). INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. A conduta perpetrada pelo agente não pode ser considerada irrelevante para o direito penal. O delito em tela - tentativa de furto de três latas de cera de um supermercado, avaliadas em R$ 31,98 -, muito embora não expresse intensa agressão ao patrimônio da vítima, não se insere na concepção doutrinária e jurisprudencial de crime de bagatela. 2. No caso do furto, não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante . Este, necessariamente, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, aplicando-se-lhe o princípio da insignificância; aquele, eventualmente, pode caracterizar o privilégio insculpido no § 2º do art. 155 do Código Penal, já prevendo a Lei Penal a possibilidade de pena mais branda, compatível com a pequena gravidade da conduta. 3. A subtração de mercadorias, cujo valor não pode ser considerado ínfimo, não pode ser tido como um indiferente penal, na medida em que a falta de repressão de tais condutas representaria verdadeiro incentivo a pequenos delitos que, no conjunto, trariam desordem social. 4. Ordem denegada. “ (HC nº 47.247/MS, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 12/6/2006). “PENAL. HABEAS CORPUS . ART. 155, § 4º, IV, C/C ART. 14, II, DO CP. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. IMPOSSIBILIDADE. DESISTÊNCIA VOLUNTÁRIA. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. I - No caso de furto, para efeito da aplicação do princípio da insignificância é imprescindível a distinção entre ínfimo (ninharia ) e pequeno valor. Este, ex vi legis, implica, eventualmente, em furto privilegiado; aquele , na atipia conglobante (dada a mínima gravidade). II - A interpretação deve considerar o bem jurídico tutelado e o tipo de injusto. III - O habeas corpus não se apresenta como via adequada ao minucioso cotejo do material de conhecimento. IV - Se, para distinguir entre as hipóteses de tentativa ou desistência for imprescindível o exame detalhado da prova, o writ deve mesmo ser denegado. Ordem denegada. “ (HC nº 47.105/DF, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 10/4/2006). “RECURSO ESPECIAL. FURTO. VALOR SUBTRAÍDO IRRISÓRIO. GRAVIDADE DO FATO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. RECURSO PROVIDO. CONDENAÇÃO. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA. 1. O poder de resposta penal, positivado na Constituição da República e nas leis, por força do princípio da intervenção mínima do Estado, de que deve ser expressão, “(...) só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas“ (Francisco de Assis Toledo, in Princípios Básicos de Direito Penal). 2. A incidência, contudo, do princípio da insignificância requisita a mínima ofensividade da conduta do agente, a nenhuma periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica provocada, como na lição do Excelso Supremo Tribunal Federal, circunstâncias induvidosamente inocorrentes no caso de furto praticado em concurso de agentes, mediante escalada e rompimento de obstáculo com uso de “pé-de-cabra “, por sujeito corruptor de menores e dado à prática de ações contrárias ao Direito, que, assim, subtrai estoque de pequeno estabelecimento. (...) 4. Recurso especial provido, para reforma do decisum absolutório, com conseqüente extinção da punibilidade dos crimes pela prescrição da pretensão punitiva.“ (REsp nº 770.899/RS, da minha Relatoria, in DJ 6/2/2006). “HABEAS CORPUS - PENAL E PROCESSO PENAL - FURTO QUALIFICADO - RES FURTIVA DE PEQUENO VALOR - APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA - IMPOSSIBILIDADE - ORDEM DENEGADA. - O pequeno valor monetário do bem tutelado não se traduz, automaticamente, na incidência do princípio da insignificância. Há que se conjugar o desvalor do resultado e o desvalor da ação. - Conquanto o pequeno valor da res furtiva, houve no caso alto desvalor da ação, não sendo possível, pois, a mera aplicação automática do princípio da insignificância senão pela análise da tipicidade conglobante. - No caso, ainda, o paciente ostenta maus antecedentes, o que impede a pretensão ora deduzida. - Ordem denegada. “ (HC nº 32.882/MS, Relator Ministro Jorge Scartezzini, in DJ 14/6/2004). In casu, a conduta imputada ao ora recorrido, furto de uma carteira de colega do trabalho, contendo documentos e R$ 80,00 (oitenta reais), não pode ser tida como penalmente irrelevante, fundamentalmente, não só porque não é mínima a ofensividade da conduta do agente, mas também porque não se pode afirmar a nenhuma periculosidade social da ação. E o entendimento desta Turma, repise-se, não tem, em regra, como bastante à incidência do princípio da insignificância a consideração isolada do valor da res. Pelo exposto, dou provimento ao recurso para afastar a incidência do princípio da insignificância à espécie e restabelecer a sentença condenatória. É O VOTO.
EMENTA - RECURSO ESPECIAL. DIREITO PENAL. FURTO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. ATIPICIDADE MATERIAL. INOCORRÊNCIA. PERICULOSIDADE SOCIAL DA AÇÃO E REPROVABILIDADE DO COMPORTAMENTO DO AGENTE. RECURSO PROVIDO. 1. O poder de resposta penal, positivado na Constituição da República e nas eis, por força do princípio da intervenção mínima do Estado, de que deve ser expressão, “(...) só vai até onde seja necessário para a proteção do bem jurídico. Não se deve ocupar de bagatelas “ (Francisco de Assis Toledo, in Princípios Básicos de Direito Penal). 2. O princípio da insignificância é, na palavra do Excelso Supremo Tribunal Federal, expressão do caráter subsidiário do Direito Penal, e requisita, para sua aplicação, a presença de certas circunstâncias objetivas, como: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. Recurso provido.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por maioria, dar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro Relator. Vencido o Sr. Ministro Nilson Naves que lhe negava provimento. Os Srs. Ministros Paulo Gallotti e Maria Thereza de Assis Moura votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Paulo Medina. Presidiu o julgamento o Sr. Ministro Nilson Naves. Brasília, 18 de dezembro de 2006 (Data do Julgamento) MINISTRO Hamilton Carvalhido , Relator.