Crime contra relações de consumo. Aplicação da causa especial de aumento prevista no art. 12, III, da Lei 8137/90. Crime continuado. Aumento da reprimenda decorrente da continuidade que não incide sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida pela causa especial de aumento.
Rel. Min. Cezar Peluso
RELATÓRIO - O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator): Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus impetrado em favor de MARCO PAULO GAMA DE ANDRADE e SILVANA DA SILVA MORAIS, contra ato da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que, nos autos do HC nº 27.253-MG, denegou a ordem, nos termos desta ementa: “HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. CRIME CONTRA A RELAÇÃO DE CONSUMO. DOSIMETRIA DA PENA. CRITÉRIO TRIFÁSICO. CAUSAS DE AUMENTO. PREVISÃO EM LEI ESPECIAL E NO CÓDIGO PENAL. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA. 1. Se concorrerem duas causas de aumento de pena, uma prevista em lei especial e outra no Código Penal, o juiz, ao individualizar a reprimenda, deve proceder ao segundo aumento não sobre a pena base, como defende o Impetrante, mas sobre o quantum já acrescido na primeira operação. Precedentes do STF. 2. Ordem denegada“ (fls. 69). Aduz o recorrente que “impetrou o Habeas Corpus em referência, demonstrando a clara violação ao princípio do ‘non bis in idem’, ocorrida na terceira fase de aplicação da pena, tendo em vista a progressividade no cálculo das duas causas de aumento da pena aplicadas (art. 12, III, da Lei nº 8.137/90 e art. 71 do Código Penal), a última incidindo sobre a primeira“ (fls. 75). Alega, ainda, que o problema da fixação da pena, especialmente em relação à terceira fase do modelo (incidência das causas de aumento e diminuição da pena), não pode ser solucionado com base num único critério, mas, sim, em critério diferenciado, qual seja, “para o concurso de causas de aumento de pena, a solução seria a contagem isolada com incidência sobre a pena-base; para o concurso de causas de diminuição, a contagem seria cumulativa“ (fls. 83). O Ministério Público Federal ofereceu contra-razões às fls. 88-90. Indeferi o pedido liminar às fls. 100-101. Requer, o recorrente, o provimento do recurso ordinário, para (i) que o acréscimo oriundo da aplicação sucessiva das causas de aumento de pena seja suprimido da pena imposta aos
pacientes; (ii) face ao novo quantum da pena, que o Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais delibere acerca da substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos (fls. 84-85). O parecer da Procuradoria-Geral da República é pelo desprovimento do recurso (fls. 104-106). É o relatório.
VOTO - O SENHOR MINISTRO CEZAR PELUSO (Relator): 1. Os pacientes foram processados, perante a Sexta Vara Criminal da comarca de Belo Horizonte/BH, pela prática do delito previsto no inc. VII do art. 7º cc. o inc. III do art. 12, ambos da Lei nº 8.137/90, cc. o art. 29, na forma do art. 71, ambos do Código Penal e, ao final, condenados à pena de 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime inicial semi-aberto. Ao propósito, da sentença consta: “Com relação ao apenamento para cada um dos 98 crimes contra as relações de consumo, para cada um dos dois réus: Nada consta dos autos que motive uma pena base acima do mínimo legal. No entanto, pela gravidade de cada um dos crimes cometidos, haja vista os bens jurídicos lesados, tanto de forma imediata, quanto mediata, julgo mais adequada às funções de prevenção e reprovação, a pena de detenção. Assim, fixo a pena base de cada um dos réus para cada um dos 98 crimes em 02 (dois) anos de detenção. Não há circunstâncias agravantes ou atenuantes a serem consideradas. Aplica-se a causa de aumento de pena do inciso III do art. 12 da lei 8.137/90, e a pena de cada um dos réus para cada um dos 98 crimes é consolidada em 02 (dois) anos e 08 (oito) meses de detenção, em regime inicial semi-aberto. Em observância ao art. 71 do Código penal, considera-se a pena de um dos 98 crimes, por serem todas iguais, e, pelas razões declinadas acima, aumenta-se de 2/3. Assim, torno definitiva a pena de cada um dos réus em 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime semi-aberto. EX POSITIS, acolhendo a denúncia, condeno MARCO PAULO GAMA DE ANDRADE e SILVANA RODRIGUES DE MORAIS pela infração do art. 7º, VII, c/c o art. 12, III, ambos da Lei 8.137/90, c/c o art. 29, na forma do art. 71, ambos do Código Penal, à pena privativa de liberdade de 04 (quatro) anos, 05 (cinco) meses e 10 (dez) dias de detenção, em regime inicial semi-aberto“ (fls. 18-19). O aumento oriundo de concurso formal e crime continuado não deve incidir somente sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida em virtude da circunstância qualificadora. Daí, os fundamentos que motivaram o indeferimento do pedido liminar, verbis: “Tenho que assim as causas de aumento, como as de diminuição subseqüentes incidem sobre a pena-base, já aumentada em virtude de causa de majoração precedente, ou já reduzida por conta de causa de diminuição anterior. No caso, portanto, deve-se proceder a ambos os aumentos, incidindo, primeiro, a causa específica (inc. III do art. 12 da Lei nº 8.137/90) e, depois, a da Parte Geral (art. 71 do Código Penal). Firmou-se o entendimento da Corte no sentido de que “os acréscimos relativos ao concurso formal e à continuidade delitiva devem recair sobre a pena total que o juiz fixaria se não houvesse o aumento, e não sobre a pena-base pura e simples“ (RE nº 107.345, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, DJ de 14.11.1985. Idem, cf. RE nº 106.030, Rel. Min. OCTÁVIO GALLOTTI, DJ de 11.10.1985; RE nº 99.818, Rel. Min. DJACI FALCÃO, DJ de 29.04.1983; RE nº 91.114, Rel. Min. XAVIER DE ALBUQUERQUE, DJ de 21.03.1980). Ante o exposto, indefiro a liminar“ (fls. 100-101). Nesse sentido, o parecer da Procuradoria Geral da República: “No caso, cuidando-se de concurso de qualificadora e de causa de aumento da Parte Geral (crime continuado), não há lugar para extrair do art. 68 do Código Penal a pretendida incidência independente da qualificadora e do aumento pelo crime continuado, pois é de ser observada a regra específica do art. 71 do Código Penal segundo a qual aplica-se uma só pena, sempre a mais grave, sobre a qual incidirá o acréscimo de um sexto a dois terços. Assim, o critério adotado na sentença mostra conformidade com a orientação da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, ‘o aumento decorrente de concurso formal ou de crime continuado não deve incidir somente sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida em virtude da circunstância qualificadora’ (HC 61.861-RJ, rel. Min. Oscar Corrêa, DJU 22.06.84, p. 10.130; HC 69.449-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, RTJ 144(1):265, abr. 1993; RE 105.067-SP, rel Min. Carlos Madeira, RTJ 117(2):813, ago. 1986; RE 107.354-SP, rel. Min. Octavio Gallotti, RT (602):458, dez. 85; HC 74.060-SP, rel. Min. Moreira Alves, DJU 16.05.97; HC 75.314-RJ, rel. Min. Nelson Jobim, DJU 06.02.98)“ (fls. 104-106). A pena fixada, portanto, está em consonância com a norma do art. 68 do Código Penal, de modo que, não há ilegalidade por reparar. 2. Assim, acolho o parecer da Procuradoria-Geral da República, para negar provimento ao recurso.
EMENTA - AÇÃO PENAL. Sentença condenatória. Condenação. Pena privativa de liberdade. Cálculo. Dosimetria. Crimes contra relações de consumo. Crime continuado. Causa especial de aumento prevista no art. 12, III, da Lei nº 8.137/90. Aplicação sobre a pena-base. Consideração ulterior da causa geral constante do art. 71 do CP sobre a pena -base já aumentada. HC denegado. Precedentes. Na aplicação de pena privativa de liberdade, o aumento decorrente de concurso formal ou de crime continuado não incide sobre a pena-base, mas sobre a pena acrescida por circunstância qualificadora ou causa especial de aumento.
ACÓRDÃO - Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, sob a Presidência do Senhor Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, na conformidade da ata de julgamento e das notas taquigráficas, por unanimidade de votos, em negar provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Brasília, 06 de junho de 2006.
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