A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, nesta terça-feira (16), absolveu o deputado federal Aníbal Gomes (PMDB-CE) e outros três denunciados pela suposta prática dos crimes previstos no artigo 171, parágrafo 3º, do Código Penal (fraude no pagamento por meio de cheque) e no artigo 3º da Lei 7.134/1985 (que equipara ao artigo 171 do CP o uso de crédito ou financiamento público em projeto diverso daquele para o qual foi liberado). Segundo a relatora da Ação Penal (AP) 347, ministra Rosa Weber, a conduta descrita na denúncia não se enquadra nos tipos penais apontados.
A denúncia diz respeito a fatos ocorridos em 1992, quando Aníbal era prefeito do Município de Acaraú (CE) e, segundo o Ministério Público Federal (MPF), teria atestado a veracidade de informações constantes da prestação de contas da Sociedade Acarauense de Proteção e Assistência à Maternidade e à Infância (Sapami) em relação à aplicação de subvenção do Ministério da Ação Social, em valores atualizados de cerca de R$ 65 mil. A alegação do MPF era a de que a verba não foi empregada exclusivamente no projeto para o qual foi determinada, e os valores foram sacados pela própria entidade beneficiária e justificados por meio de notas fiscais supostamente falsas.
De acordo com a relação das despesas apresentadas pela Sapami, com a verba teriam sido adquiridos, em favor da unidade de saúde de Acaraú, material de expediente, medicamentos, vestuários e despesas com obras no hospital local. Todavia, segundo a denúncia, alguns cheques foram emitidos para pagamento de contas de luz e telefone, “apesar dos recibos e notas fiscais referirem-se a supostos serviços de recuperação da cobertura do Hospital Dr. Moura Ferreira”. Ainda conforme o Ministério Público, alguns desses recibos foram emitidos pela serraria de um dos denunciados a fim de justificar as despesas.
Atipicidade
A ministra Rosa Weber assinalou que a denúncia não imputa aos acusados a apropriação de recursos públicos, afirmando apenas que as verbas da subvenção não teriam sido aplicadas exclusivamente no projeto ao qual se destinavam. A equiparação desta conduta ao descrito no artigo 1º da Lei 7.134/1985 e, consequentemente, a equiparação de sua violação ao artigo 171 do Código Penal, segundo ela, é “problemática”, uma vez que a subvenção social não se qualifica como crédito ou financiamento, nem como recurso proveniente de incentivo fiscal.
A ministra destacou ainda que a Lei 7.492/1986 (Lei dos Crimes de Colarinho Branco, artigo 20 ) prevê pena de dois a seis anos, e a Lei 8.137/1990 (Lei dos Crimes contra a Ordem Tributária, artigo 2º, inciso IV), pena de seis meses a dois anos para a mesma conduta descrita no artigo 1º da Lei 7.134/1985. Ela considera, porém, que a referência a “crédito” deste dispositivo tem sentido estrito – o de relação de mútuo, entre credor e devedor. “Subvenção social não equivale a crédito, financiamento ou incentivo fiscal”, afirmou, citando como precedente o Inquérito 933, no qual o Plenário rejeitou denúncia contra o ex-deputado Hélio Costa sob a mesma tipificação, por suposto desvio de subsídio federal para a construção de centro comunitário.
“O fato narrado na denúncia é atípico”, concluiu a relatora. “Isso não significa que o desvio não configure crime. A prestação de contas constitui indício de apropriação privada, mas, neste caso, seria necessário rastrear os valores para verificar se houve peculato ou apropriação indébita”, firmou, assinalando que a denúncia “sequer esclareceu o projeto para o qual foi liberado o recurso”, concluiu, votando pela absolvição com base no artigo 386, inciso III, do Código de Processo Penal (“não constituir o fato infração penal”).
Desmembramento
Além do deputado federal Aníbal Gomes, a denúncia foi apresentada contra João Jaime Ferreira Gomes Filho (falecido), Magda Maria Nascimento Gomes e José Caetano Gomes Pongitori, dirigentes da Sapami, e contra Simão Pedro de Carvalho. No início do julgamento, a ministra Rosa Weber lembrou que a jurisprudência do STF firmou-se no sentido de determinar o desmembramento da ação em relação aos denunciados que não detenham foro por prerrogativa de função. Como seu voto foi pela absolvição dos acusados, a ministra considerou tratar-se de um dos casos em que a jurisprudência admite a exceção. “O Judiciário está abarrotado de processos, e não teria sentido determinar a remessa dos autos à origem”, esclareceu.
O voto da relatora foi seguido pelos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso (revisor da AP) O ministro Marco Aurélio ficou vencido quanto ao desmembramento e quanto à absolvição dos demais denunciados.