Por maioria dos votos, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou a instrução de um processo referente ao crime de associação para o tráfico, supostamente cometido por J.P. no estado do Espírito Santo. Com isso, tornam-se nulas a condenação e a prisão relativas a esse delito.
J.P. está preso em flagrante desde outubro de 2007 pelos crimes de associação para o tráfico e tráfico de entorpecentes entre estados da federação. Ele foi condenado pela Primeira Vara Criminal da Comarca de Guarapari (ES) à pena de reclusão de 12 anos e quatro meses. No entanto, os ministros mantiveram a instrução do processo apenas quanto ao delito de tráfico de entorpecentes.
Tese da defesa
A defesa alegou que houve cerceamento de defesa e pretendia obter a concessão de liminar para decretar a nulidade do processo desde a fase de interrogatório, com a consequente expedição de alvará de soltura para o réu. Sustentou que “durante a audiência de instrução e julgamento realizada no dia 21 de maio de 2008, o magistrado presidente, logo no início, determinou que os patronos [advogados] não poderiam formular perguntas aos respectivos corréus”.
A defesa recorreu no Tribunal de Justiça do Espírito Santo (TJ/ES) da decisão do magistrado que impediu a presença dos advogados no interrogatório dos outros corréus. Contudo, o pedido de anulação do processo não foi aceito, também sendo negado posteriormente pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Julgamento
A decisão ocorreu na análise do Habeas Corpus (HC) 101648 levado a julgamento da Turma pela relatora, ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha. Para ela, a decisão que impede de forma absoluta – como aconteceu neste caso – que o defensor de um dos réus faça repergunta a outro réu ofende os princípios constitucionais da ampla defesa, do contraditório e da isonomia, “e aí gera-se nulidade absoluta”. Citou, nesse sentido, o HC 94016.
A ministra lembrou que o réu tem o direito constitucional de permanecer calado durante o interrogatório e o silêncio não pode ser interpretado em seu prejuízo. “Tal direito não quer dizer que o defensor de um dos réus não possa fazer perguntas ao outro acusado, mas tão somente que feita uma pergunta ao réu ele poderá respondê-la ou não”, disse. “É claro que não se pode admitir que o acusado seja tratado como testemunha de modo a ser submetido a uma séria de perguntas capazes de comprometer sua autodefesa, mas, para evitar isso, o juiz tem o poder de indeferir as perguntas impertinentes”, explicou.
De acordo com a relatora, em caso como o dos autos a regra exige sempre que possível a demonstração de prejuízo concreto à parte. A ministra Cármen Lúcia considerou que a defesa demonstrou que desde o primeiro momento não se acomodou nem deixou de expressamente vincular o prejuízo que poderia resultar da impossibilidade de fazer reperguntas.
“Além da contrariedade aos princípios da ampla defesa, do contraditório, do devido processo legal e da isonomia, o prejuízo é no sentido de que é imprescindível para a correta elucidação do caso verificar se houve real participação do corréu E.G. na empreitada criminosa, já que somente assim poderemos falar em crime de associação para o tráfico de entorpecentes”, disse a ministra, ao fazer referência à argumentação da defesa. A ministra continuou citando a alegação dos advogados, segundo a qual a única maneira de saber a participação dos réus é através de perguntas a ambos formuladas pela defesa que, no caso, teve o pedido negado pelo magistrado.
“Parece-me claro o prejuízo da tese defensiva neste caso, o que configura nítido cerceamento de defesa”, afirmou a relatora, ao referir-se ao crime de associação para o tráfico. Quanto ao crime de tráfico de drogas a ministra entendeu que não está configurado o mesmo prejuízo, “porque neste caso a condenação não se baseou absolutamente nessas provas, mas em outros elementos, tais como: auto de apreensão da substância, laudo de constatação e depoimento de testemunhas, e nestes casos não houve qualquer problema que tenha sido gerado por esse indeferimento”.
Assim, a ministra Cármen Lúcia concedeu parcialmente a ordem para, relativamente ao crime de associação para o tráfico de drogas, decretar nula a instrução do processo principal a partir do interrogatório, incluída esta fase e, em consequência a condenação do acusado pela prática deste crime. Conforme seu voto, permanece inalterada a condenação pela conduta de tráfico de drogas e mantida a prisão pela condenação, “se for o caso e se não houver mudança no quadro descrito na inicial”. A ministra estendeu os efeitos de sua decisão ao corréu E.G., uma vez que “a situação jurídica é unificada para os dois”.
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