A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, de ofício, Habeas Corpus (HC 120711) a fim de que o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3) proceda a nova dosimetria da pena de três agentes policiais federais condenados pelo crime de tortura no Estado de Mato Grosso do Sul. Segundo a decisão da Turma, o TRF-3 deverá aplicar a causa de aumento de pena em seu patamar mínimo (um sexto), prevista quando o crime de tortura é cometido por agente público.
Conforme a denúncia, o crime de tortura foi praticado contra duas vítimas, supostamente ligadas à prática de descaminho. Os policiais foram designados para apurar suposto transporte ilegal de equipamentos eletrônicos e cigarros em caminhão escoltado por um veículo. As vítimas foram abordadas nas proximidades do Posto da Polícia Rodoviária Federal, localizado em Mundo Novo, no Mato Grosso do Sul. Na oportunidade, as vítimas teriam sido violentamente agredidas com chutes, socos e ameaças de morte por aproximadamente três horas. Em uma ação policial realizada no dia seguinte, o carregamento ilícito foi de fato apreendido e demonstrada a inexistência de qualquer ligação entre as vítimas e os responsáveis pelo crime.
Na primeira instância, os policiais federais foram condenados pelas penas de três anos e nove meses no regime inicial aberto, sendo decretada também a perda dos cargos, além da interdição para o exercício de outro cargo pelo dobro do prazo da pena aplicada. O TRF-3 negou os recursos apresentados pela defesa, mas, de ofício, reduziu a pena para dois anos e seis meses de reclusão ao fundamento de que a pena-base foi fixada sem levar em conta a primariedade e ausência de antecedentes criminais, e deu provimento ao recuso do Ministério Público para fixar o regime inicial fechado.
Pedidos
No Supremo, a defesa questionava a legalidade na individualização da pena, tendo em vista a exasperação da causa de aumento de pena em patamar superior ao mínimo. Sustenta que, mesmo no caso de condenação por crime previsto na Lei 9.455/97, a perda da função pública deve ser motivada, por força do parágrafo único do artigo 92 do Código Penal. Assim, os advogados pediam a concessão da ordem para reduzir ao mínimo legal de um sexto o acréscimo pela causa especial do artigo 1º, parágrafo 4º, inciso I, da Lei 9.455/97 – que prevê o aumento da pena de um sexto até um terço se o crime é cometido por agente público. Também solicitavam o cancelamento da imposição da perda da função pública e da interdição para o exercício de outro cargo.
Voto da relatora
Quanto ao patamar de um quarto considerado para aplicação da causa de aumento – e que a defesa pretendia que fosse de um sexto –, a ministra Rosa Weber (relatora) observou que o recurso especial apresentado pelos advogados no Superior Tribunal de Justiça (STJ) para questionar a matéria foi inadmitido por falta de prequestionamento. A ministra registrou que não cabe ao STF analisar a questão, pois a competência assegurada pela Constituição é do STJ. “O Supremo não pode reapreciar tais requisitos [de admissibilidade], salvo em caso de ilegalidade flagrante ou abuso de poder, o que não era o caso”, avaliou.
Para a relatora, entretanto, “o HC comporta a concessão da ordem de ofício”. Ela lembrou que, na sentença, a fundamentação para aumentar a pena no patamar de um quarto foi o fato de os condenados serem agentes públicos. “A majoração da pena em patamar acima do mínimo legal de um sexto, lastreada exclusivamente no fato de os condenados serem agentes públicos, não constitui, a meu juízo, por si só, fundamento idôneo a justificar a elevação, porquanto integra a própria causa especial de aumento de pena”, salientou a ministra Rosa Weber.
Nessa mesma linha de entendimento, conforme ela, o Supremo já determinou a redução da dosimetria da pena asseverando que “há de se dar ênfase a efetiva fundamentação da causa de aumento de pena dentro dos limites previstos e com base em dados concretos”. “A apreciação das circunstâncias judiciais realizadas pela corte regional não detectou elemento desabonador algum apto a exasperação desse limite legal”, considerou a relatora.
Por essa razão, ela votou pela concessão da ordem de ofício para que o TRF-3 proceda a nova dosimetria mediante aplicação da causa de aumento no mínimo legal de um sexto da pena. Em relação à questão da perda automática do cargo público, a ministra entendeu que os condenados não podem permanecer na Polícia Federal. Ela aplicou jurisprudência do Supremo no sentido de que a perda do cargo público constitui consequência necessária que resulta automaticamente de pleno direito da condenação penal imposta ao agente público pela prática do crime de tortura.
A ministra Rosa Weber foi acompanhada pela maioria da Primeira Turma, vencido o ministro Marco Aurélio apenas quanto à perda dos cargos pelos policiais envolvidos, por afastar essa pena.