Por unanimidade, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) deferiu, em parte, o Habeas Corpus (HC) 89686, impetrado em favor do policial civil G.O.V., indiciado pelos crimes de constrangimento ilegal e extorsão, previstos no Código Penal, e abuso de autoridade, conforme a Lei 4.898/65. Com a decisão, foi anulado o processo contra o policial desde o recebimento da denúncia pelo juiz de 1ª instância.
A Turma deferiu, ainda, habeas corpus de ofício para G.L., co-réu no mesmo processo, indiciado pelos crimes de falsidade ideológica e de favorecimento, para que, sem prejuízo da validade do processo contra ele instaurado, seja desconsiderada a imputação de falsidade ideológica.
Os autos
Conforme narra a ação, o policial foi indiciado pelo fato de, supostamente, em companhia do co-réu e outros quatro policiais civis, ter exigido que um comerciante de peças automotivas devolvesse um cheque recebido de um determinado cliente, para evitar que esse cliente não fosse acusado da prática de estelionato e sonegação fiscal. Após esse fato, o policial ainda teria exigido quantia indevida do comerciante, que acabou pagando R$ 6 mil em cheque nominal ao co-réu G.L, gerente de uma franquia de loterias. G.L. teria tentado descontar esse cheque, mas não teve sucesso, já que o comerciante cancelou a ordem de pagamento.
O Ministério Público ofereceu denúncia contra o policial civil, por suposto constrangimento ilegal, extorsão e abuso de autoridade. Contra essa decisão, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) que foi deferido apenas para excluir da denúncia o delito de abuso de autoridade. Outro habeas, impetrado no Superior Tribunal de Justiça (STJ), também foi deferido em parte, para que fosse afastado o indiciamento formal. O STJ justificou que a determinação de indiciamento formal após o oferecimento e recebimento da denúncia constitui-se em constrangimento ilegal.
Com o habeas impetrado no STF, a defesa pretendia o trancamento da ação penal, por ausência de indícios suficientes e prova da materialidade. E já que os fatos narrados na denúncia configurariam no máximo crime de corrupção ativa ou concussão, pelo fato do policial ser funcionário público, ressalta a defesa, o HC pedia, alternativamente, a nulidade do processo contra o policial. Isso com base na inobservância do rito a ser seguido no caso de crimes inafiançáveis imputados a funcionários públicos, constante nos artigos 514 e seguintes do Código de Processo Penal.
Voto do relator
O ministro Sepúlveda Pertence observou de início que, conforme as informações prestadas pelo juiz de 1ª instância ao TJ-SP, a denúncia conteria os indícios de autoria e materialidade. Por essa razão, o ministro votou para indeferir o Habeas Corpus quanto ao pedido de trancamento da ação penal.
Quanto ao pedido alternativo, o ministro Sepúlveda Pertence salientou que, considerada a classificação jurídica contida na denúncia, constrangimento ilegal, extorsão e falsidade ideológica, realmente não caberia a aplicação do procedimento especial, constante no artigo 514 do CPP. Porém, ressaltou que a incidência ou não desse procedimento não deve ser justificada, tendo como base os fatos descritos na denúncia, e não na classificação dada pelo MP. Para o relator, os fatos da denúncia configurariam, realmente, o crime de corrupção ativa ou concussão - já que o policial é funcionário público. Assim, o rito processual de crimes inafiançáveis imputados a funcionários públicos deveria ter sido seguido. “O juiz local, ao receber a denúncia, deveria ter verificado se havia ou não erro na qualificação jurídica do fato, que pudesse alterar o procedimento a seguir“.
Assim, Sepúlveda Pertence votou no sentido de indeferir o habeas corpus quanto ao pedido de trancamento da ação penal. E quanto ao pedido alternativo, votou para anular o processo contra o policial, a partir da decisão do juiz de 1ª instância que recebeu a denúncia, para que o procedimento previsto nos artigos 514 e seguintes do CPP seja observado. E também para que, em caso de novo recebimento da denúncia, que o seja apenas pelo delito de concussão. O ministro votou ainda no sentido de conceder habeas corpus de ofício para G.L. a fim de que, sem prejuízo da validade do processo contra ele instaurado, seja desconsiderada a imputação de falsidade ideológica.
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