Por maioria de votos, a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu um Habeas Corpus (HC 113007) para trancar ação penal contra o gerente de uma agência bancária que teria autorizado o financiamento de um veículo sem o recibo de compra e venda assinado.
O gerente foi denunciado pelo Ministério Público por estelionato (artigo 171, caput, do Código Penal) juntamente com outros dois réus, que teriam simulado a venda do veículo. Na acusação, o MP alegou que no momento de seu depoimento à delegacia, o gerente levou documento com assinatura da proprietária do veículo atestando a venda, mas a assinatura era falsa. Em sua defesa, o advogado do próprio banco, que ainda emprega o gerente, afirmou que o acusado foi à delegacia prestar esclarecimentos e levou uma pasta com os documentos que tinha sobre o caso, sem imaginar que tais documentos eram falsos.
O advogado afirmou que o banco foi o maior lesado nesse caso, mas decidiu manter o gerente como funcionário justamente por acreditar em sua inocência. “Estelionato é fazer a vítima incorrer em erro e, com isso, obter dela uma vantagem indevida”, afirmou o advogado ao destacar que não é o caso dos autos, uma vez que o acusado não se beneficiou de nenhum valor dessa simulação.
A defesa ainda sustentou que a denúncia do Ministério Público é confusa e não especifica a atuação do gerente e, por isso, deveria ser desconsiderada. “A denúncia não indica uma única conduta deste gerente de agência que pudesse consubstanciar participação, nexo causal ou uma conduta subsumível ao tipo do estelionato”, sustentou.
Maioria de votos
O primeiro a votar pela concessão do HC foi o ministro Gilmar Mendes, para quem toda denúncia deve descrever minimamente a conduta do denunciado e detalhar quem é o autor do fato e em que circunstâncias se deu o crime. “Não há [neste caso] os elementos mínimos exigidos para que uma denúncia seja considerada hígida”, afirmou.
Seu voto foi seguido pelo ministro Celso de Mello, que destacou a obrigação do Ministério Público em formular uma denúncia “juridicamente idônea”. De acordo com o ministro, “a denúncia que não preenche os requisitos para o desenvolvimento de uma ação penal garantidora do legítimo direito de defesa, mostra-se incompatível com o próprio modelo estabelecido na Constituição da República”.
Também seguiu essa linha o ministro Teori Zavascki. Ele destacou que a denúncia não esclarece que o acusado sabia que o documento era falso ou não indica nenhuma conduta dolosa inerente ao tipo penal. “Realmente, a denúncia, no meu entender, é absolutamente inepta”, afirmou.
Ficaram vencidos os ministros Ricardo Lewandowski, relator do caso, e Cármen Lúcia Antunes Rocha. Na opinião do ministro Lewandowski, “não é recomendável que a ação penal seja prematuramente interrompida” e isso só deveria ocorrer em situações excepcionais, quando a denúncia obsta o direito de defesa do denunciado, não sendo este o caso.
“Entendo que a inicial acusatória descreveu e individualizou a conduta imputada ao paciente permitindo-lhe o exercício da ampla defesa, atendendo os requisitos do artigo 41 do Código de Processo Penal”, destacou o relator ao afirmar que outras alegações da defesa são questões que demandam um reexame de fatos e provas, o que não é permitido por meio de HC.